18 mai, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Sónia Sapage (Público)
António Nunes, que foi presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), cujos órgãos sociais ainda integra, fala do caso que envolve o ministro das Infraestruturas e o ex-adjunto. Considera o diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS) um "excelente profissional" e diz-se convicto que Adélio Neiva Cruz agiu com base nas "informações que tinha naquele momento" e que determinavam que o fizesse".
Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, António Nunes critica ainda que o gabinete de João Galamba tenha classificado documentos depois do início da comissão de inquérito à gestão da TAP. E se o computador na posse de Frederico Pinheiro tinha matéria classificada, "então quem tem acesso ao computador tem que estar devidamente credenciado".
Já foi presidente do OSCOT e ainda faz parte dos órgãos sociais. Temos agora um caso que envolve o ministro João Galamba, um computador do Estado e as secretas. Acha que foi legitima a atuação do SIS neste caso?
Não vou fazer muitos comentários sobre essa matéria porque estou completamente afastado de todas as áreas de 'security'. Aquilo que eu posso dizer é o seguinte: nós temos que olhar para essas situações como se fosse uma radiografia. Não sei o que é que foi transmitido naquele momento. Uma coisa eu posso testemunhar: conheço o senhor diretor do Serviço de Informações de Segurança e é um excelente profissional. Não tenho dúvida nenhuma de que, se ele tomou aquela atitude, foi porque as informações que tinha naquele momento determinavam que o fizesse. Se foi correto ou incorreto, isso compete-lhe a ele dizer. Se me viesse perguntar a mim se eu teria feito essas chamadas, eu ter-lhe-ia dito que não as fazia. Mas isso é uma coisa diferente.
Interessa saber quem fez as chamadas?
Eu não valorizo muito isso, porque tenho o entendimento de que, se alguém de um gabinete ministerial, em nome desse gabinete, me faz uma chamada, eu tenho de a tomar como boa. Se não nós perdemos a confiança entre instituições.
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Mas isso não é passar o limiar? A utilização por parte do poder político de um sistema de informações?
Isso é outra coisa. O que eu estou a dizer é que para mim não é importante que tenha sido a senhora chefe de gabinete ou um adjunto, o senhor ministro ou alguém a telefonar ao senhor diretor do SIS, que é uma coisa diferente. Nós temos que perceber o seguinte: os serviços de informações, em qualquer parte do mundo, trabalham com aquilo que são os dados do momento e fazem a sua avaliação sobre aquilo que está em cima da mesa e não com conjeturas. Ele tem que ter um conjunto de recolha de informações que é traduzida depois, numa circunstância qualquer. A circunstância que ele tomou foi aquela. Tenho a certeza que se ele a tomou foi em consciência, pelo menos no julgamento dele ele estava a fazer aquilo que para ele era correto, independentemente de não ser correto. Mas a informação que ele tinha é que o levou a deduzir que era correto.
Tem-se falado muito em eventuais exonerações ao nível do SIS e do SIRP. Considera que isso não faz sentido neste momento, à boleia deste caso?
Fará sentido se eu souber o que é que foi dito. Se eu souber que a informação transmitida não era suficientemente forte para eu tomar aquelas atitudes, tem que haver uma responsabilidade política, mesmo que ela tecnicamente seja razoável.
Por exemplo, faz diferença ser um roubo ou não ser um roubo?
Faz diferença saber se aquele equipamento que estava em observação teria ou não teria matéria classificada. Para mim, essa é que faz a grande diferença.
O Governo garante que sim, que tem...
Pois não sei. Como se sabe, a matéria classificada tem de ser classificada anteriormente, não é a posteriori. Portanto, vamos ver. E se a matéria é classificada, então quem tem acesso ao computador tem que estar devidamente credenciado. Eu já tive credenciação NATO e hoje não tenho e, portanto, não posso olhar para documentos secretos ou muito secretos. Portanto, quando se classifica um documento, tem que saber o que é que se faz sobre o documento. Portanto, isto não é tão linear assim. Sobre responsabilidades políticas e de uma forma geral, em Portugal, nós assumimos pouca responsabilidade política.
E este é um caso evidente?
Não sei se é um caso evidente. Sei que é por tradição. Vou retratar um caso muito simples. Eu era Diretor-Geral de Viação e na altura, a ministra dos Transportes dum país nórdico, não consigo agora situar se Suécia, se Noruega, ia a 105 quilómetros/hora, numa estrada que só podia, como limite 100 à hora. Foi denunciada nos jornais e pediu a demissão. Isso é impensável nos países do sul da Europa. Temos uma condescendência pelo erro que é maior do que nos países do norte da Europa. Por isso é que também há os países do Norte e os países do Sul, os países ricos e os países pobres, nós às vezes é que nos confundimos com eles.