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João ​Leão arrasa António Ramalho: saída "ajuda" Novo Banco

07 jul, 2022 - 07:02 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Liliana Borges (Público)

Na primeira entrevista que dá desde que saiu do Ministério das Finanças, João Leão fala sobre a saída de António Ramalho do Novo Banco e recorda as dificuldades que teve na relação com o gestor da instituição bancária. Mas não só.

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Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal 'Público', o vice-reitor do ISCTE fala também sobre o novo aeroporto de Lisboa e recorda que a solução aprovada era o Montijo e recorda o contexto difícil de negociações com o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, repleto de “momentos exigentes e de tensão”, que, no final, se traduziram em “acordos e soluções”.

Faz agora um ano que disse que esperava que o Novo Banco se focasse em ter resultados positivos. Está satisfeito com a saída de António Ramalho da instituição?

O anterior CEO do Novo Banco nem sempre tinha uma atitude fácil de dialogar e de comunicar. E até, de alguma forma, penso que a saída dele ajuda nos desafios que agora o Novo Banco enfrenta.

Será mais fácil para o Governo lidar com o próximo administrador?

O Novo Banco teve um esforço muito grande dos contribuintes e teve um desafio muito grande para estabilizar o sector financeiro, mas teve também consequências, na percepção pública de que o Novo Banco exigiu recursos financeiros elevados de todos nós. E nem sempre a comunicação por parte do Novo Banco nos pareceu mais adequada. É nesse sentido que o Novo Banco devia, em particular, mostrar que está a fazer um esforço muito grande na valorização dos seus ativos, de rentabilizar o melhor possível os activos que tem. E isso nem sempre foi bem comunicado e bem explicado. Devia ter sido feito um esforço maior nesse sentido.

Exemplo disso é o relatório que a Deloitte fez agora sobre a venda da sucursal em Espanha, que pelos vistos foi mal negociada por esta gestão de Ramalho?

A auditoria da Deloitte coloca essa questão. O Fundo de Resolução fez bem em contestar o impacto que isso tinha na chamada de capital. O Novo Banco teve um impacto financeiro significativo ao nível das contas públicas. Em última análise, vai ser o Fundo de Resolução que, através das contribuições dos bancos, irá suportar todo este impacto, mas não deixa impactar as contas públicas. O Fundo de Resolução e bem, avançou com um conjunto de questões que não lhe pareciam adequadas, entre as quais estava essa questão de Espanha.

Será de esperar que no OE tenha que haver aquela alínea de transferência de dinheiro para o Novo Banco?

Espero que não e estou convencido de que não será necessário, mas também depende de decisões que possam vir dos tribunais, sobre até que ponto o Fundo de Resolução acomoda ou não.

A Europa enfrentou muito bem esta última crise. Um dos aspetos positivos diferentes foi como é que o sector financeiro reagiu à crise. O setor financeiro conseguiu manter o financiamento às empresas, fez um esforço muito grande através das moratórias que foram decididas, continuou a financiar a economia e isso foi extremamente importante. Foi exatamente o oposto que tinha acontecido dez anos, na anterior crise. Aí o setor financeiro foi parte do problema. Nesta última crise, o sector financeiro foi parte da solução. E para isso foi importante a estabilização que foi feita no setor financeiro desde os últimos quatro ou cinco anos. Isso ajudou a que o setor financeiro se estabilizasse e tivesse capacidade para financiar a economia.

“Momentos exigentes e de tensão”. João Leão admite que nem sempre foi fácil relacionamento com Pedro Nuno Santos
Imagem: Maria Costa Lopes/RR; Foto: Rui Gaudêncio/Público

Falemos da polémica que tem marcado a atualidade nos últimos dias: o novo aeroporto de Lisboa. Alguma vez tinha ouvido falar desta solução em duas fases, Montijo e Alcochete?

Estas soluções, Alcochete e Montijo, têm sido discutidas e postas em cima da mesa. A tal avaliação ambiental estratégica passava mesmo por discutir essas soluções ao longo dos últimos anos.

Montijo foi sempre o ideal para o primeiro-ministro, que chegou mesmo a dizer que não havia um plano B. Esta solução a dois tempos mexe com outros cenários. Já estava a ser cozinhada?

Não era eu que tinha esta área. O Governo quis tomar uma decisão, mas por causa da intervenção das autarquias – que precisava de uma alteração legislativa para avançar – o Parlamento entendeu que não devia avançar. Teve de se estudar outras soluções. Na altura, a intenção tinha sido avançar [com Montijo], mas houve dificuldades por causa da legislação.

Considera que a solução apontada é financeiramente viável?

O financiamento de infraestruturas como o aeroporto é sempre enquadrado dentro de um modelo que não envolve recursos públicos e que se financia por si próprio, através das receitas que vai tendo ao longo dos anos. É crucial conseguir chegar a uma solução em que se tome uma decisão que seja consensual, mas não ficar bloqueado por um processo que nunca mais se consegue concretizar.

Como é que viu toda esta polémica que envolve o ministro Pedro Nuno Santos?

Não vou fazer comentários. Trabalhámos durante o Governo em contextos muito difíceis e sempre conseguimos chegar a soluções. Não irei entrar em comentários de natureza mais pessoal.

São conhecidas as dificuldades que teve em lidar com o ministro das Infraestruturas, tendo em conta a transferência de verbas para a CP…

Houve momentos mais exigentes, de tensão. É natural no contexto tão difícil pelo qual passámos. A pandemia teve impactos muito significativos também no setor de transportes, quer no ferroviário, quer no setor aéreo. Foram momentos muito exigentes e difíceis, mas no final conseguimos chegar a um acordo e a soluções.

O caos nos aeroportos, que inclui o cancelamento de voos da TAP, é mais um abalo numa companhia aérea que já está frágil. O Estado arrisca-se a ter de intervir novamente e injetar mais dinheiro além do previsto?

Este cenário também tem a ver com os choques a seguir à pandemia. O acréscimo muito repentino de procura é um bom sinal, mas cria desafios significativos na capacidade de resposta. O relançamento do turismo e a forma como o turismo está a recuperar tão rapidamente sinaliza que se conseguem valores muito próximos do período pré-pandémico. Era algo que, quando eu era ministro das Finanças, se antecipava que só chegaria em 2023 ou 2024.

Imagem: Maria Costa Lopes/RR; Foto: Rui Gaudêncio/Público
Imagem: Maria Costa Lopes/RR; Foto: Rui Gaudêncio/Público
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