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Hora da Verdade

Ricardo Baptista Leite. “Não me choca que o PSD proponha referendo à eutanásia”

30 jun, 2022 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença), Sofia Rodrigues (Público)

Ricardo Baptista Leite, vice-presidente da bancada do PSD, defende que o partido deve estar disponível para dialogar com o Governo sobre reformas estruturais, mas sem se demitir de escrutinar o executivo. Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, o deputado apela a que o primeiro-ministro “intervenha” junto da ministra da Saúde para abrir a porta a alterações de fundo no setor.

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Ricardo Batista Leite. "PSD tem toda a liberdade de voltar a colocar à votação o tema da eutanásia"
Ricardo Batista Leite. "PSD tem toda a liberdade de voltar a colocar à votação o tema da eutanásia"

Na véspera do Congresso do PSD deste fim de semana, o vice-presidente da bancada recusa que o partido vá ao Porto fazer um ajuste de contas entre fações – “de todo” – e nesta entrevista admite ainda que o partido venha a apresentar um projeto de lei a propor um referendo sobre a eutanásia.

“Se Montenegro decidir nesse sentido terá, certamente, todo o apoio da bancada do PSD”, garante Ricardo Baptista Leite

Neste novo ciclo como deve ser a oposição do PSD ao Governo? Mais combativa ou também disponível para acordos com o PS?
O PSD tem uma responsabilidade de ter uma postura, não diria combativa, [mas] de escrutínio absoluto da atividade do Governo e das entidades públicas num momento tão difícil em que estamos a viver.

Há espaço para acordos e entendimentos?
Naturalmente. Ainda esta semana, a propósito da saúde, eu dizia que o PSD estará sempre disponível para dialogar, para apresentar as suas propostas para as reformas que o país não deve adiar. Como sempre estivemos.

Não podemos confundir a disponibilidade para construirmos reformas estruturais com aquilo que é demitirmo-nos daquele que é o nosso papel de oposição, que é de escrutínio e de responsabilização de um Governo, que começa com graves erros do ponto de vista de gestão da coisa pública e sinais de enorme desgaste e irritação do primeiro-ministro.

Mas aquilo que me deixou mais envergonhado como português foi a atitude do primeiro-ministro face ao pedido de adesão da Ucrânia à União Europeia. Não podemos ter meias medidas. Temos de estar no lado da defesa contra a tirania e pela liberdade. O que se sentiu é que António Costa defendeu que devíamos pensar a adesão da Ucrânia em função de fundos europeus para Portugal. O primeiro-ministro não confia que possamos continuar um crescimento da economia sem depender constantemente dos fundos europeus.

Recentemente apelou a que o PSD devia deixar-se de tribalismos. Esses tribalismos mantêm-se?
Sinto que o PSD, neste momento, está estabilizado no sentido em que há um caminho claro para os próximos dois anos. Luís Montenegro tem uma legitimidade resultante de três quartos dos votos dos militantes e isso estabilizou quaisquer pretensões de divisionismos. Não os vejo.

Também aí Montenegro tem condições ótimas para fazer o melhor mandato possível. Somos o PSD e, portanto, o PSD é conhecido pelo seu pluralismo de pensamento, espero que continue a haver. E no próximo congresso, pode haver visões divergentes, é bom que haja confronto de ideias.

Espera um ajuste de contas entre fações?
De todo. Não espero isso até porque não há contas para ajustar. No novo ciclo, o PSD tem oportunidade para se modernizar. Há uma moção interessante, que votaria favoravelmente se fosse delegado, mas sou apenas participante, que é a questão das eleições primárias. Precisamos de encontrar mecanismos que reaproximem o PSD daqueles que não são militantes.

O PSD deve redefinir a sua linha ideológica? Cavaco Silva dizia recentemente que foi um erro o PSD deixar-se enredar na dicotomia esquerda/direita. Concorda com isso?

Para um jovem que entra hoje no Ensino Superior com 18 anos falar em esquerda/direita diz muito pouco. Essa discussão é arcaica. O que querem saber é o posicionamento para resolver os problemas do dia-a-dia.

Montenegro vai conseguir sobreviver até 2026 e ser candidato a primeiro-ministro?
Luís Montenegro candidatou-se com esse fim. Antes das legislativas ainda temos autárquicas que são de fundamental importância para o futuro do PSD. Tem de ser uma onda laranja em crescendo no sentido da vitória em 2026. Espero que seja um projeto em contínuo.

Já no próximo ano há eleições regionais na Madeira. Qual deve ser o foco do PSD?
Quando o PSD se encontra na crise em que está, no sentido em que perdeu eleições e lida com uma maioria absoluta do PS, não há eleições menos importantes. Se queremos passar uma imagem de que o PSD é uma alternativa em quem os portugueses podem confiar, não basta termos as boas ideias, as pessoas têm de ter a confiança de que estão a votar num partido vencedor.

Ganhar na Madeira e fazer todo o possível para ter um bom resultado nas europeias e depois nas autárquicas são passos no sentido de alcançarmos uma vitória nas legislativas de 2026. O PSD não deve ficar à espera daquilo que é o desgaste do Governo.

Vemos, nestes três meses, que este desgaste já é visível, mas não deve ser por isso que votam no PSD, apenas porque estão cansadas do outro lado. Devemos posicionar-nos para devolver esperança aos portugueses. Há espaço para recuperar esse discurso e até o slogan de Montenegro, “Acreditar”, faz sentido nesta estratégia.

Em relação à eutanásia, Montenegro tem defendido o referendo. O PSD deve alinhar nessa posição? Deve dar sequência à moção aprovada num congresso do PSD e que nunca teve seguimento?
O que foi aprovado no congresso foi traduzido na última votação da Assembleia da República. Houve uma proposta, não era nossa, em que a maioria dos deputados votou favoravelmente a realização de um referendo, no dia em que foi aprovada, na generalidade, a eutanásia, em que a maioria da bancada do PSD votou contra.

Se faz sentido o PSD insistir com uma nova proposta, é algo que não me chocaria fazer-se, sabendo que já tivemos um chumbo porque o PS não quer um referendo. Desde a legislação anterior até agora já houve um conjunto de mudanças e, neste momento, as situações de doença grave que permitem que as pessoas possam solicitar o fim da sua vida por intervenção do Estado são ainda menos claras.

Que país é este que permite que a eutanásia seja uma opção mas havendo outros instrumentos que poderiam mitigar o sofrimento não os oferece? Esta é a discussão que deveria ser feita e o referendo poderia eventualmente permitir esse diálogo. Se Montenegro decidir nesse sentido terá certamente todo o apoio da bancada do PSD.

Admite que poderia ser apresentado um projeto de referendo?
Sim, o PSD tem toda a liberdade de colocar à votação esse tema.

Uma das propostas do PSD é garantir um médico de família para todos os portugueses, promessa que o PS já deixou cair. Como é que pensa cumprir essa promessa se os médicos estão a fugir para o privado?

O que nós nos comprometemos é que, enquanto o Estado não conseguir médico de família para todos, com a especialidade de medicina geral e familiar, deve assegurar por contratualização no sector público, social ou privado, a contratação de médicos, que sejam de outras especialidades, que possam assegurar a cobertura dessa população.

É uma medida de contingência para resolver um problema de imediato. Não é a situação ideal, mas os que não têm médico de família veem a situação minimizada para, simultaneamente, planearmos como é que vamos atrair os médicos de família que fugiram do SNS, garantir que os demais não fogem do SNS e fazer um planeamento de formação de especialistas para os próximos anos. Ora, nada está a ser feito neste momento. A ministra esteve quatro anos sem reunir com os sindicatos e ordens profissionais. Devemos ser o único país do mundo. É absolutamente inacreditável.

O Governo tem tentado aproximar a remuneração dos tarefeiros ao dos profissionais do SNS. Vai ser possível chegar a um meio-termo?
A primeira proposta da ministra da Saúde foi apresentar uma solução por três meses. Ora isso não resolve nada. O ministro das Finanças disse que não havia constrangimento financeiro. É preciso encontrar um valor que seja justo. Não faz sentido pagar a recibos verdes 150 euros à hora quando ao lado está um profissional da casa a ganhar 12 euros à hora.

Mais importante é a qualidade que estamos a oferecer. Estamos mais saudáveis? Não sabemos porque não se medem os ganhos em saúde de cada cirurgia e cada consulta. Quando o primeiro-ministro assumiu pela primeira vez problemas estruturais pensei que finalmente íamos começar a discutir a sério sobre como reformar o SNS. Mas não. Afinal, os únicos problemas estruturais que a ministra tratou até agora foram questões remuneratórias e nem isso conseguiu resolver.

O país arrisca a que no Natal ou na Páscoa esteja a sofrer o mesmo caos nas urgências?
Aquilo que antevejo é que se nada for feito vamos verificar a saída progressiva de profissionais, os que saem são os mais graduados, os mais experientes e são substituídos constantemente pelos recém-licenciados. Logo aí há uma degradação da qualidade.

Acha que esta ministra é capaz de fazer reformas ou não como defende um deputado do PS?
O primeiro-ministro entende que a ministra, depois de quatro anos, tinha condições para continuar na função. Tendo sido nomeada há três meses, tenho de assumir que o primeiro-ministro concorda com o modelo de gestão e de visão de Marta Temido. É responsabilidade do primeiro-ministro. Por isso é que eu apelo ao primeiro-ministro para que intervenha junto da ministra que reconduziu há três meses para que abra a porta às reformas necessárias no SNS. E a ministra tem de mostrar essa disponibilidade e capacidade, coisa que não tem acontecido até agora.

Graça Freitas já devia ter sido substituída tendo em conta as afirmações de que o melhor é evitar estar doente no Verão?
Foi uma intervenção que foi infeliz, que não suscitou o efeito desejado, mas, sinceramente, os nossos problemas estão muito acima da directora-geral Graça Freitas. Estão na ministra da Saúde e no primeiro-ministro. Quando não há visão nem liderança tudo o resto descamba, e é isso que se verifica na saúde. É fundamental que o primeiro-ministro compreenda que é necessário reformar a saúde em Portugal. O caminho seguido nos últimos 20 anos está errado.

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