Hora da Verdade

Catarina Martins. BE dispensa exigência de Marcelo para "acordo escrito" com PS

16 dez, 2021 - 06:26 • Susana Madureira Martins (Renascença) , Liliana Borges (Público)

Catarina Martins mantém a exigência de um acordo parlamentar escrito para manter negociações com o PS no caso de o partido liderado por António Costa não conseguir a maioria absoluta. A líder do Bloco de Esquerda é a convidada desta semana do programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal 'Público', e diz que o partido que lidera "não faz o que é necessário porque um Presidente da República o exige".

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BE dispensa exigência de Marcelo para "acordo escrito" com PS
Foto: Nuno Ferreira Santos/Público

Assume-se como líder da terceira força política em Portugal e assim quer continuar. Catarina Martins define nesta entrevista a garantia de habitação como um dos projectos prioritários para a entrada na nova legislatura e acusa o PS de querer uma maioria absoluta ao decidir "agitar com o papão do bloco central para tentar uma espécie de voto útil" e não garante desde já o voto em Edite Estrela na eventualidade de a socialista ser candidata a Presidente da Assembleia da República.

Nas legislativas de 2019, o BE teve um resultado de 9,52%. O que seria um bom resultado em Janeiro?

O BE pode chegar mais longe, pode aumentar a representação. É importante que possa crescer e consolidar-se como terceira força política porque isso significaria três coisas: que tínhamos derrotado uma hipótese de governo de direita, que teríamos derrotado uma hipótese de maioria absoluta e teríamos afastado perigos da extrema-direita. Com estes três objectivos estávamos em condições de abrir um novo ciclo no país para discutir salários, trabalho, como reformular o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a escola pública ou como responder à crise climática.

Ficar atrás do Chega seria uma afronta para o BE?

A questão é saber que país queremos ser. A extrema-direita é problema, não é solução. O BE acredita num país em que as pessoas se respeitam, num país de liberdades, de democracia e num país mais exigente. O Chega é o pior do regime. Tem em si os interesses imobiliários, das offshores, dos vistos gold, de tudo aquilo que faz o assalto de milhões ao nosso país. Tenta disfarçar isso com uma cortina de fumo de discurso de ódio, o que representa uma fractura social permanente inaceitável. Por isso é que as soluções do nosso país se devem fazer com uma esquerda exigente, que não esqueça nunca o que é fundamental: responder pelos salários, pelos serviços públicos, pelo clima e pelo futuro.

Um resultado que fique aquém desses objectivos coloca em causa a direcção do BE?

Estas eleições são sobre o país e a resposta ao país. Aquilo que estamos a disputar é se no dia a seguir às eleições vai haver força à esquerda para mexer na legislação do trabalho, para acabar com o fado triste do nosso país. Sinto uma certa tentação de que se fale de tudo para que não se fale do que se vai fazer para o país. Nós vamos fazer esta campanha focados em soluções.

A liderança da coordenadora não estará em causa?

O BE decidiu a sua direcção este ano, na sua convenção. Estamos focados em discutir o que tem de ser feito pelo país.

Falar na possibilidade do regresso do BE a partido de protesto é um clichê?

É uma falsa questão. O que é um partido de protesto ou um partido de proposta? O BE não é um partido de protesto quando está nas comissões de inquérito e explica aos portugueses o que é o saco azul do GES, como Mariana Mortágua fez? Estamos a protestar ou a defender o país? E quando somos capazes de fazer um acordo que diz que as pensões devem ser descongeladas e que é preciso acabar com cortes em salários? Estamos a fazer proposta e construir alternativa. O BE sempre foi capaz de transformar o protesto numa proposta alternativa para um país. Essa separação entre uma coisa e outra é que é errada. É tributária de uma lógica de bloco central.

Acha que o bloco central está a ser preparado?

O PS quer uma maioria absoluta e decidiu agitar com o papão do bloco central para tentar uma espécie de voto útil. É absurdo porque na verdade acabamos por não saber o que é que vale um voto no PS. É um voto para que os salários se mantenham congelados? É um voto para que o salário mínimo suba, como quer o PSD? Ou é um voto para que seja possível fazer progressões de salários com acordos à esquerda? Não se sabe. E é estranho. O país está num impasse, precisa de clareza. Precisa de um novo ciclo. E é por isso que dizemos que cada partido deve dizer precisamente ao que vem. O BE explica ao que vem. Com o BE não haverá nenhum acordo à direita.

Com o BE serão trabalhadas soluções que acabem com este país em que os salários médios são cada vez mais iguais ao salário mínimo. É preciso alterar estas regras. É preciso aplicar a lei do trabalho, mesmo sendo fraca. Conseguimos uma lei que não é má para combater os falsos recibos verdes, por exemplo, mas a Autoridade para as Condições do Trabalho simplesmente não fiscaliza. Há lei e não há meios, não há fiscalização.

Esta ideia de deixar que Portugal seja uma economia desqualificada, em que encolhemos os ombros e dizemos que não há nada a fazer, em que achamos normal que mesmo quando a economia cresce o fim do mês seja cada vez mais difícil. Isso tem de acabar. E para acabar é preciso uma esquerda forte.

Catarina Martins mantém aberta a porta de diálogo com o PS
Catarina Martins mantém aberta a porta de diálogo com o PS. Foto: Nuno Ferreira Santos/Público

Acha que os eleitores vão compreender essa disponibilidade tendo em conta que não houve um entendimento no OE2022?

Estas negociações orçamento a orçamento que o PS quis são um erro e toda a gente já percebeu isso. Em 2019 dissemos que era importante haver um acordo de legislatura, o PS não quis e fez mais leis com a direita do que com a esquerda durante este tempo. O BE tinha vindo a denunciar esta situação como insustentável. Não foi o primeiro OE em que votámos contra. Já tínhamos votado no anterior. Mas estas eleições não devem ser sobre cada um destes passos entre 2019 e 2021, que as pessoas percebem ter sido de uma enorme desorientação. Precisamos é de olhar para o futuro.

Caso o PS ganhe com maioria relativa, o BE vai reivindicar que exista um acordo escrito como fez em 2019?

Não há como a clareza do que se vai fazer. Quando há clareza podemos dizer que temos determinado objectivo, que pode ser alcançado em x anos, de uma determinada forma. E isso é muito importante até para o país ter uma estratégia.

Ouço o PS falar muito da questão da estabilidade. Não há nenhuma estabilidade na saúde quando os profissionais de saúde fazem 20 milhões de horas extraordinárias, não há nenhuma estabilidade nos salários quando os salários não chegam aos 1000 euros. Há estabilidade quando há resposta para a vida das pessoas.

Esses termos deviam ficar num acordo?

Entre 2015 e 2019 houve estabilidade política porque houve metas que todo o país percebeu e partilhou. E isso deu confiança e capacidade de crescimento e resposta às questões. Quando o PS decidiu começar a patinar, a navegar à vista, a fazer acordos permanentes ainda que informais do bloco central... o país ficou sem rumo. É essencial discutir o que vamos fazer.

Queremos um programa de rejuvenescimento do corpo docente porque é fundamental que as nossas escolas tenham os professores de que precisam. Sabemos que a maior parte dos professores estão perto da idade da reforma, estão muito cansados. A capacidade de contar o tempo de serviço dos professores de uma forma justa e permitir aos professores com mais anos que tenham acesso à reforma que querem e que é justa e ao mesmo permitir que as pessoas que têm toda a formação para ser docentes e desistiram da docência porque as condições de carreira e salários eram impossíveis voltem a querer ir para a escola e permitir que as escolas formem mais professores é fundamental. temos de ter noção que há determinadas áreas em que nos próximos cinco anos se vão formar 80% dos professores.

Se não tivermos um programa determinado para a escola e para garantir os professores para todos os níveis de ensino em todas as áreas estamos a desproteger uma das principais condições de qualificação da nossa economia e democracia.

Em 2015 houve um acordo escrito porque houve um Presidente da República que o exigiu. O atual Presidente da República devia fazer o mesmo?

O BE não faz o que é necessário porque um Presidente da República o exige. Achamos que a clareza independentemente do que pensa o Presidente da República. O que importa é qual a responsabilidade que cada partido assume e o BE assume a responsabilidade de abrir um novo ciclo em Portugal, que resolva prioridades que têm estado por resolver e que se vão agravando e para o fazer está disponível para soluções que sejam claras e se houver acordos parlamentares eles devem ser escritos, com metas, com objectivos que todo o país perceba.

Catarina Martins confiante que BE vai manter-se como terceira força política
Catarina Martins confiante que BE vai manter-se como terceira força política. Foto: Nuno Ferreira Santos/Público

É uma responsabilidade que não caberá a Belém?

O Presidente da República fará o que entender, com toda a autonomia institucional que tem. Estas eleições são legislativas. Não podemos ir às eleições dizer que não sabemos o que queremos e que depende do Presidente da República. O BE sobre isso não tem nenhuma dúvida.

Falava dos temas que serão importantes nos próximos anos. O líder do PS disse estas seriam as eleições mais importantes dos últimos anos. É um cenário assim tão dramático? Vê desta forma porque desta vez o PSD tem hipótese de ser governo?

Nós temos é problemas graves para resolver no país neste momento. A saúde é o mais óbvio porque a pandemia criou uma enorme pressão sobre o SNS e seus trabalhadores que estão absolutamente exaustos ao mm tempo que há um sector privado da Saúde que é financeiramente muito potente e que está à espera dos cacos do SNS para fazer uma privatização da saúde em Portugal em que o privado ficará com o dinheiro público para fazer o que bem lhe apetecer e isso seria o cenário mais perigoso. Veja-se o que aconteceu no Algarve. andámos a engordar um sistema privado que deixou os utentes na mão quando mais precisavam.

Preferia disputar as eleições legislativas com Pedro Nuno Santos em frente ao PS para evitar possíveis entendimentos entre o PS e a direita?

Ouvi António Costa dizer uma vez que me teria referido à liderança do PS e como sabem nunca o fiz. Nem farei. Não teria nenhum sentido. Estamos aqui para discutir quais são as soluções para o país. Mas gostaria de perceber porque é que o PS não há de aceitar retirar da legislação do trabalho as medidas que lá foram postas pela troika quando até o líder dos sindicalistas do PS vem dizer já depois do OE ter sido chumbado.

Um PS liderado mais à esquerda era preferível para o BE?

O que é fundamental é que haja soluções para o país e elas dependem da força da esquerda. Foi assim em 2015, quando o PS apresentou o programa mais à direita de sempre. Queria congelar as pensões e descapitalizar a segurança social com borlas aos patrões. Esse era o programa de Mário Centeno. Esse programa económico não foi para a frente, felizmente. E até os socialistas agradecem que tenha sido diferente e orgulham-se disso. Foi a força dos votos à esquerda que permitiu. Se aprendemos com o passado não nos enganemos. Os desafios que temos pela frente são diferentes.

O PS tem se queixado que o BE chumbou o OE mais à esquerda nos últimos anos. Qual é a garantia do BE viabilizar um próximo OE socialista?

É preciso negociar soluções maioritárias com rumos para o país. É isso que fazem todas as democracias na Europa. É normal que se façam programas de Governo que vêm de negociações que têm que ver com relações de forças dos vários partidos e que garantam um horizonte de legislatura.

Não está garantido qualquer sentido de voto do lado do BE.

Temos de sair de um ciclo de impasses. É preciso direcção para o país. O BE deu todos os benefícios. Aprovámos o primeiro orçamento sem negociações, aprovámos o Orçamento Suplementar porque era preciso reforçar a Saúde e a Segurança Social. Querer repetir o que é impossível não vale a pena. E não é impossível por causa do BE não querer, o PS não querer ou o PCP não querer. Não é possível porque não resolve nenhum problema do país. O que é preciso fazer depois das eleições é, com a força dos votos que cada partido tiver, encontrar um programa de governo.

Receia que a futura composição parlamentar possa alterar a votação do texto da eutanásia?

Ainda que o BE tenha começado bastante sozinho a fazer esse percurso, é uma matéria que tem uma ampla maioria no Parlamento. Não há nada que indique que a composição parlamentar mude isso, muito pelo contrário. Foi uma matéria onde houve um amplo consenso, da esquerda à direita, sobre essa necessidade solidária, empática, fraterna de nos respeitarmos e respeitarmos as escolhas até ao fim da nossa vida.

A prazo, admite que a lei possa ser mexida e incluir, por exemplo, o alargamento a crianças ou a jovens?

Não é isso que está na proposta de nenhum dos partidos, não é isso que é defendido por nenhuma força política em Portugal.

Falou de várias batalhas prioritárias. Se pudesse escolher uma, qual seria?

Vamos ter de ir à habitação muito rapidamente, até pela forma como estão a ser canalizados os dinheiros do Plano de Recuperação e Resiliência, que deixam a resposta à habitação de fora. Os preços da habitação continuam a disparar, uma boa parte do rendimento das famílias vai para a habitação, as pessoas com menos rendimento não conseguem uma casa. É preciso, por um lado, mudar as regras, acabando com os vistos gold ou com o regime fiscal dos residentes não habituais, por outro lado são precisas alterações à lei do arrendamento, que permanece em boa medida com a lei que foi feita por [Assunção] Cristas.

Tem-se falado muito na possibilidade de Edite Estrela ser apontada para Presidente da Assembleia da República, numa próxima legislatura caso o PS ganhe as eleições. É um nome que o BE admitiria votar?

Tenho muto gosto em que se debatam nomes de mulheres para a presidência da Assembleia da República, mas tem pouco sentido debater nomes em vez de debatermos as razões e os programas que nos levam a votos. Depois veremos as votações e decidiremos isso mesmo.

Comentários
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  • Manuel Ferraz
    16 dez, 2021 Vila Nova de Gaia 20:27
    Mas este Bloco já se esqueceu que vamos para eleições por causa deles e do PC. Depois anda sempre a aparecer nas televisões parece o "emplastro".
  • Souza
    16 dez, 2021 ALVERCA DO RIBATEJO 15:57
    Extrema esquerda | BE - Os hipócritas!
  • Petervlg
    16 dez, 2021 Trofa 13:45
    Não seja cínica, só vamos para eleições por culpa do BE e do PCP. Não se façam de salvadores da pátria, querem é encher os vossos bolsos.

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