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Inventores portugueses já podem registar patentes à escala europeia

31 mai, 2023 - 22:00 • Pedro Mesquita

A Patente Unitária entra em vigor neste 1 de junho e vai traduzir uma "mudança de paradigma", explica à Renascença o diretor jurídico da Inventa, uma consultora especializada em propriedade intelectual.

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Entrevista a Vítor Palmela Fidalgo

Até agora, as patentes tinham de ser validadas, e traduzidas, em cada um dos Estados-membros da União Europeia. Um a um. A partir desta quinta-feira isso deixa de ser necessário, nos 17 países que aderiram já à Patente Unitária.

A ideia é desburocratizar, poupar dinheiro aos inventores e combater a "brutal" de perda de competitividade da UE, neste capítulo. Basta dizer que registar uma patente nos EUA ou na China ronda os dois ou três mil dólares. Na Europa esse passo podia custar, até agora, 20 mil euros.

Mas há mais: O preço a pagar pela litigância, caso a sua patente venha a ser violada, por exemplo na Alemanha, será também muito menor. Além disso, estava também sujeito a decisões contraditórias no diferentes Estados-membros.

Mas, atenção: Se a sua empresa recorre a invenções já registadas, e infringir uma patente, a litigância vai, também, ser muito mais cara. Essa é "a outra face da moeda", explica à Renascença Vitor Palmela Fidalgo, o diretor jurídico da Inventa, uma consultora especializada em propriedade intelectual.

O que é a Patente Unitária, que entra em vigor dia 1 de junho, e que está a ser vista como um novo paradigma pelos inventores europeus?

Temos aqui uma mudança de paradigma. Até agora tínhamos uma abordagem territorial. Isto é: Os direitos eram em concedidos pelos Estados-membros da União Europeia, e só valiam nesse território.

Ou seja: Se eu fosse um inventor de alguma coisa e quisesse registar a patente, a propriedade intelectual da minha invenção, tinha que o fazer, até agora, em todos os Estados, um a um?

Na verdade, o sistema era até agora o seguinte: Existia a possibilidade de ter um procedimento centralizado de concessão, por via do Instituto Europeu de Patentes, contudo, quando a patente era concedida, eu tinha de ir a cada Estado validar, e traduzir, em parte ou integralmente a patente.

E a partir de agora deixa de ser necessário...

Exatamente. Bom, não para todos, porque há países que ficaram de fora. A Espanha e a Polónia ficaram de fora, por exemplo. Neste momento temos a 17 Estados-membros, mas enfim, daqui a pouco tempo teremos 25 e depois, talvez um dia, a Espanha ou a Polónia também entrem.

Agora, o importante é o seguinte: Uma abordagem que seja estritamente local tem custos económicos. Para a mesma patente, um inventor necessitava de obter exclusividade em cada um dos países. Isso tornava tudo muito caro. Basta dizer-lhe uma diferença fundamental: Enquanto nos EUA, ou na China, a proteção da patente não chega em termos médios a dois mil dólares, no espaço da União Europeia, a mesma proteção rondava, até agora, os 20 mil euros.

Isso é uma barreira enorme.

Exatamente. E não é apenas isso. Nós não estamos sozinhos. A União Europeia que concorre com a China e com os EUA, enquanto blocos económicos. Este era um fator brutal de perda de competitividade.

Com esta Patente Unitária esses 20 mil euros vão ser brutalmente diminuídos?

Sim, sim. Claro que depende muito da patente em concreto, mas descer para dois mil e tal euros, ou três mil. Ou seja, é uma diferença abismal em relação ao que era, não é? Além disso, existe outro tipo de vantagem, que é muito importante: Imaginemos, por exemplo, que um infrator violava a patente em Portugal, em França e na Alemanha. Ora, de acordo com o anterior sistema, eu tinha de ir a cada país tutelar o meu direito. Ou seja, a patente era alvo de violação em Portugal, Alemanha e França e eu tinha de litigar em cada Estado.

E, além disso, estaria sujeito a decisões contraditórias, como já aconteceu. Aqui há alguns anos, os mesmos factos relativos a um medicamento muito conhecido da AstraZeneca, foram alvo de tratamento distinto em diferentes países da União Europeia. Isto, enfim, gerava um nível de burocracia, complexidade e também custos bastante elevados...comparando com o novo sistema. Uma só decisão dá para todos os Estados membros que fazem parte desse acordo.

Se eu inventar a roda e utilizar a patente unitária vou, portanto, estar muito mais protegido, vou pagar menos e se houver necessidade de litigância, ela acontece a uma escala europeia. É isso?

Exatamente. Mas também existe a outra face da moeda: Aqueles que utilizam invenções, e não são o inventor ou, pelo menos, tem uma parte da sua atividade a utilizar tecnologia já existente, esses poderão correr o risco de estarem a infringir patentes de terceiros e, se tiverem de litigar perante este novo tribunal a questão da patente será muito mais caro. Isso é outra face da moeda.

Imagino que sejam ainda poucos os portugueses que registam as suas patentes. Esse número tem vindo a crescer?

Sim, tem vindo a crescer desde o ano 2000, em especial desde a crise de 2011. As empresas portuguesas viraram-se mais para a tecnologia, para os bens intangíveis. Hoje temos em média, em Portugal, cerca de mil pedidos. Eles crescido pouco, mas tem vindo a crescer. Obviamente que comparando com outros países, como a Suíça ou Suécia, são números bastante modestos. Enfim, é um caminho que de faz caminhando.

Tem conhecimento de alguma grande invenção portuguesa que, por não estar patenteada ou devidamente patenteada, tenha sofrido consequências?

Bom, há um caso que é referido. Enfim, eu não estive envolvido e, por isso, não sei até que ponto será verdade, que é o caso da Via Verde. É uma invenção portuguesa que não foi protegida, ou não foi protegida devidamente. Ficou, por isso, no domínio público e começou a aparecer noutros países. Esse é um dos exemplos que pode ser referido. Seria, de certa forma, um ativo importante para Portugal receber os “royalties” pela utilização dessa invenção. Enfim, é um dos casos de escola mais conhecidos.

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