A União Europeia no alto mar de Lisboa

02 jul, 2022 - 01:17 • José Pedro Frazão

Dos plásticos às aguas sem jurisdição nacional, da biodiversidade às alterações climáticas, passando pelos compromissos de financiamento, as cartadas europeias na Conferência das nações Unidas sobre os Oceanos ficaram na responsabilidade várias mãos. A agenda é extensa, multidimensional e não termina - longe disso - com uma semana de debates e uma declaração sem natureza vinculativa em Lisboa.

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“Este é o nosso fracasso coletivo e a nossa responsabilidade". Com esta frase, a búlgara Charlina Vitcheva , diretora geral para Assuntos Marítimos e Pescas da Comissão Europeia, colocou uma nota de insatisfação do bloco europeu em relação à forma como os Oceanos estão a ser tratados. Bruxelas enviou uma alta funcionária para discursar em nome da União Europeia, depois do comissário do Ambiente, Oceanos e Pescas , Virginijus Sinkevičius, ter assistido à sessão de abertura da Conferência da ONU para os Oceanos. O comissário tinha estado na véspera na Praia de Carcavelos, com jovens, chamando a atenção para a questão dos plásticos, tema que seria retomado na sessão final pelo ministro português do Ambiente, Duarte Cordeiro, apontando a 2024 e para um futuro Tratado Internacional dos Plásticos. A Conferência de Lisboa serviu para retomar a nota deixada pelo próprio Comissário na Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente, em Nairobi, poucos dias depois da invasão russa da Ucrânia.

A União Europeia apelou em Lisboa a "grandes transformações estruturais " mas também a investimentos. Bruxelas está mais uma vez apostada em dar o exemplo quando o tema são contributos para a implementação do Objectivo do Desenvolvimento Sustentável 14. No final da Conferência de Lisboa, o ministro português dos Negócios Estrangeiros anunciou que 70% dos 10 mil milhões de euros de compromissos de investimento na proteção dos oceanos vieram da União Europeia.

Ao longo da Conferência, os países menos desenvolvidos foram deixando diversos apelos a um reforço do financiamento em matéria oceânica e climática. "Os participantes fizeram referência à importância de desenvolver planos e estratégias regionais e nacionais apropriados relativos às economias sustentáveis baseadas no oceano. Muitos participantes ressaltaram a necessidade de recursos financeiros e técnicos adicionais e adequados para o desenvolvimento destas economias" , relatou Abraão Vicente, ministro do mar de Cabo Verde, coordenador de um dos 8 diálogos interativos da Conferência.

A declaração de Lisboa não é vinculativa. Apenas apela a maior ambição global em todos os planos da realidade dos oceanos. e denuncia que muitas das metas do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 14, sobre recursos marinhos, estão atrasadas. Os delegados mostraram preocupação com a emergência global em que vivem os Oceanos, com os níveis médios da água do mar a subir, a erosão costeira a piorar e Oceanos mais quentes e mais ácidos. A poluição marinha está a aumentar, há sobrepesca de um terço dos stocks, perdeu-se metade dos corais, há espécies invasoras nos ecossistemas marinhos.

As outras agendas

A maior estrela política europeia - eventualmente a única do firmamento de líderes estrangeiros em Lisboa - acabou por chegar em dia de crise política em Portugal. Emmanuel Macron até vinha de outras cimeiras que arrastaram as lideranças para Espanha e para a Alemanha , palcos das cimeiras da NATO e do G7, mas veio ao plenário da Conferência dos Oceanos defender que, apesar das dificuldades do momento, incluindo uma guerra na Europa, a comunidade internacional não deve desviar a sua atenção face à agenda do desenvolvimento sustentável.

Os próximos passos acontecem em Nova Iorque, Sharm El-Sheik e Montreal. Primeiro em Agosto, os países membros das Nações Unidas avançam para mais uma ronda de negociações para tentar fechar o Tratado de Biodiversidade em Alto Mar, emperrado há duas décadas. O português Miguel Serpa Soares, Subsecretário-geral das Nações Unidas para os Assuntos Jurídicos, coordenador desta conferência intergovernamental diz à Renascença que não sabe ainda como os principais países se vão posicionar perante um tratado "em fase muito adiantada". O diplomata não tem garantias de que em Agosto estarão fechadas " as vírgulas e os artigos" numa etapa que "será sempre crucial e que deixará muto pouco por fazer". A expectativa europeia, expressa após um forte impulso do G7 e verbalizada, entre outros, pelo Presidente de Portugal ou pela Directora geral de Pescas da Comissão Europeia, é de que o Tratado acabará por ficar fechado em Agosto.

Para a COP27, no Egipto, espera-se que os oceanos subam na agenda do debate e dos documentos. Marcelo Rebelo de Sousa fechou a cimeira dos Oceanos a pedir que a Conferência das Partes sobre Alterações Climáticas seja um "resumo de coisas já feitas e não a repetição de justas intenções". Segue-se a Conferência da Biodiversidade em Dezembro, no Canadá onde a União Europeia vai avisando que estará muito activa.

Frenético andou novamente Macron, recém reeleito como Presidente francês, com crises de formação de Governo, a passar a Presidência do Conselho aos checos e gastando as últimas horas de cargo rotativo ao pé do Tejo. O chefe de estado gaulês discursou na cimeira para lembrar ainda o Acordo de Paris e anunciar que a próxima cimeira dos Oceanos será a meias entre França e Costa Rica. A data é 2025, nos dez anos do Acordo de Paris . " A Europa sabe como tomar decisões históricas", rematou Macron no Parque das Nações.

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