Tempo
|

Ucrânia

Da emergência ao longo prazo. Como mudou o desafio humanitário na Polónia ao fim de três meses de guerra

27 mai, 2022 - 23:24 • José Pedro Frazão

Mais de metade dos fogem da guerra escolhem a Polónia como destino inicial da sua jornada na Europa, deixando para os restantes as opções de viagens para países como a Alemanha, a Dinamarca, a Itália ou a Espanha. Três meses depois do início da guerra, o número de pessoas que entram nas fronteiras polacas com origem na Ucrânia chega a 3,5 milhões, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Em noventa dias , a ajuda humanitária nos países da União Europeia passou das fronteiras e das tendas para os centros de acolhimento e para pontos de apoio nas cidades, como foi o caso da Caritas Polónia.

A+ / A-

O número de refugiados que ficam na Polónia é ainda indefinido. Sabe-se que metade dos 3,5 milhões de pessoas que chegam à fronteira declaram pretender ficar na Polónia enquanto a guerra durar. Estes dados da ONG INTERSOS devem ser cruzados com o contingente de mais de um milhão de pessoas que se registou na segurança social polaca.

A comunidade humanitária tem vindo a montar uma ajuda mais permanente na Polónia, até porque as estimativas da ONU apontam para a presença de 2,6 milhões de pessoas até ao final do ano, com base num número de entradas que pode ainda chegar aos 4 milhões e 300 mil refugiados.

A Renascença entrevistou Dominika Chylewska, a directora de comunicação da Cáritas Polónia sobre os novos desafios da ajuda humanitária da organização católica que tem sido central em todo o processo de ajuda em diversos países afectados directamente pela guerra na Ucrânia.

Falei consigo há três meses , no início desta guerra, em Przemyl, junto à fronteira entre a Polónia e a Ucrânia . A situação hoje, três meses depois, é muito diferente ?

Sim. Voltar a essas memórias só me mostra quão diferente é agora a situação. Nas primeiras semanas da crise, toda a gente trabalhava de manhã até quase de madrugada, tanto nos escritórios como nos voluntários da fronteira, porque o fluxo de refugiados era muito elevado. Neste momento, sinto que estamos a trabalhar de forma mais organizada. Em primeiro lugar, porque não há muitas pessoas a chegar de momento à Polónia . E em segundo lugar, porque também as necessidades estão a mudar. A situação na fronteira já não é o nosso principal desafio. As pessoas que chegam à Polônia estão aqui e precisam de um apoio totalmente diferente. Diria que, por um lado, estamos num caminho de 'como ajudar' e 'o que fazer'. Sabemos quais são as nossas tarefas e isso facilita um pouco. Mas, por outro lado, a ajuda a longo prazo é premente e essas necessidades estão a mudar. E é esse o nosso desafio para as próximas semanas.

Mas observei que há ainda presença na fronteira.

Estamos presentes e os voluntários trabalham lá. Mantemos contacto com os guardas fronteiriços e sempre que as pessoas precisam de ficar nalguns pontos de recepção na fronteira, basta irem lá e são ajudados com sanduíches, água, refeições quentes, o que for necessário. A temperatura também está cada vez mais alta na Polônia. Isso ajuda muito porque no início de Março podia ver até neve ou sentir temperaturas muito baixas, o que foi mais difícil para nós. Ainda estamos presentes especialmente na estação de comboios de Przemsyl, mas vemos que já não há muitas pessoas a vir para a Polónia e também já há algumas que estão a voltar para a Ucrânia.

Tem uma estimativa sobre o volume de retornos à Ucrânia ?

Não tenho certeza sobre essa estatística, mas é isso que vemos na fronteira e também em cidades maiores. Em Varsóvia, por exemplo, estávamos presentes na estação de comboios do lado oriental da cidade numa tenda organizada com outra organização não governamental. Abrimos na altura esse espaço para crianças e mães, mas neste momento ela está fechada porque não vimos assim tanta gente a precisar e esse apoio deixou de ser necessário.

Essas atividades em tendas estão a ser transferidas para o nosso centro de voluntários em Varsóvia onde se tenta organizar atividades para famílias, para mães para crianças. Elas não precisam de ajuda urgente por virem da Ucrânia, mas carecem de algumas atividades para elas próprias, para passarem as tardes. Elas passam agora os dias na Polónia e esse apoio é necessário.

A Cartas foi recebendo muita ajuda humanitária de todo o mundo. Para onde foram todos esses materiais ? Chegou tudo à Ucrânia ?

A maioria das coisas foi utilizada imediatamente depois de chegarem até nós, quer nas fronteiras, quer nas Caritas diocesanas. Nós temos mais de 30 anos de experiência de recolha, de angariação de bens em espécie, de doações e sabemos o que fazer para não perdê-los de alguma forma. Também tivemos muito apoio internacionalmente dirigido à Ucrânia. Essa ajuda material ultrapassou 136 milhões de zloty ( moeda local), equivalente a 29,7 milhões de euros. Isso deve-se ao coração aberto das pessoas, não apenas da Polónia, mas também internacionalmente. Tivemos muito apoio. E o que quer que chegasse até nós era usado. Foi tudo usado aqui ou na Ucrânia. E também abrimos um novo projeto para recolher as coisas de uma forma muito inteligente. No apoio material há sempre a questão de saber se isto ou aquilo é necessário. Mas para torná-lo inteligente desenvolvemos um projeto chamado ' Pacotes para a Ucrânia', que significa uma forma organizada de como preparar este pacote. Escrevemos o que é necessário dentro do pacote , principalmente alimentos e alguns produtos de higiene. Pesa 18 quilos e pedimos às famílias e às paróquias da Polónia para embalá-los e entregá-los à paróquia. Organizamos depois a logística em toda a Polónia e levamos para as famílias da Ucrânia. Até agora 30.000 pacotes foram entregues em cidades como Lviv, Kiev, Bucha ou Vinnytsa, para além de cidades mais pequenas. Recebemos reações de como isso é algo que realmente ajuda, porque grandes transportes humanitários são muito diferentes desses pequenos pacotes que são muito fáceis de levar e distribuir entre as famílias.

Quando o bem mais necessário é um abraço. Refugiados ucranianos entram na Polónia
Quando o bem mais necessário é um abraço. Refugiados ucranianos entram na Polónia

No início da guerra, muitos operacionais da Cáritas Ucrânia foram acolhidos na Polónia. Essas pessoas já voltaram para o seu país ?

A estrutura das Caritas Ucrânia é enorme, eles são muitos lá e também estão a crescer desde então, porque a necessidade de ajuda é enorme. Ainda temos funcionários da Caritas Ucrânia e da Caritas SPES a trabalhar aqui na Polónia, no nosso escritório em Varsóvia. Eles estão aqui porque estão seguros aqui e também porque nos ajudam a fornecer ajuda e a ter um fluxo de comunicação muito fácil . Estão em contato com aqueles que estão na Ucrânia e é assim que podemos cooperar todos os dias.

Acrescento ainda que na Polónia, por enquanto, temos o Centro Logístico para outras Caritas de toda a Europa. Para tornar tudo mais fácil, organizamos um 'hub' de logística profissional na Polónia, e quem quiser apoiar a partir de diferentes países geralmente passa por esse 'hub' polaco .

Qual é o grande desafio para os próximos tempos na ajuda humanitária prestada pela Cáritas na Polónia ?

O papel da Cáritas é sempre apoiar os diferentes governos. Existem alguns caminhos que são organizados pelas autoridades governamentais e as ONGs estão sempre a apoiar. Abrimos cerca de 20 centros para migrantes e, só para dar uma visão de como funcionava antes da guerra, tínhamos apenas um centro em Varsóvia. São centros em que qualquer tipo de refugiado pode pedir ajuda, por exemplo, para obter comida, ter alguns conselhos legais , obter algum suporte linguístico para ir para o médico, tudo o que se precisa e que se pode imaginar ser necessário num país estrangeiro quando se entra sem estar realmente preparado para isso.

As Caritas nas dioceses locais abriram esses centros e temos agora mais de 20, onde há algumas atividades extras que também fazemos como, por exemplo, assistir a filmes com as crianças ou fazendo algumas atividades extras à tarde. Esse é o apoio que basicamente fazemos e depois, claro, damos comida sempre que for necessário, tal como roupas

Noutras Cáritas de países europeus vizinhos da Ucrânia, estão já a pensar organizar campos de férias para as crianças ucranianas.

Fico muito feliz por saber que isso está a acontecer. É o que pretendemos também organizar no Verão na Polónia, porque o maior desafio agora é integrar as pessoas na Polônia, para que elas sintam que não estão aqui sozinhas e que saibam o que podem fazer no seu tempo livre. Se elas precisarem de encontrar trabalho, também estamos aqui para as apoiar e as suas crianças. Eu diria que a ajuda psicológica de diferentes maneiras é necessária. E não apenas para falar com profissionais especializados, porque isso é obviamente importante, mas também é necessário criar áreas nas quais pode passar o tempo. Eu tenho amigos aqui na Polônia. Também da perspectiva da Caritas , é preciso dar-lhe a sensação de que eles são nossos amigos aqui na Polónia. Isso é necessário. O nosso desafio paras as próximas semanas é integrá-los e também estar preparado financeiramente para um apoio de longo prazo, porque não sabemos quanto tempo a crise vai durar. Sabemos que já temos muitas pessoas necessitadas, que vão precisar de nós. E tentamos fazer isso, de forma a estarmos preparados tanto financeira como profissionalmente para os sustentar por mais tempo.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+