​Em Nome da Lei

Constitucionalistas unânimes. Marcelo enviará eutanásia para o Tribunal Constitucional

17 dez, 2022 - 12:09 • Marina Pimentel

Embora com opiniões diferentes sobre o diploma da eutanásia, e a sua conformidade com a Constituição da República, quatro constitucionalistas vaticinam que o Presidente não irá promulgar a lei sem antes pedir o veredito dos juízes do Tribunal Constitucional.

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O que vai Marcelo fazer à eutanásia?
Em Nome da Lei - ouça o programa na íntegra

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai enviar o decreto da despenalização da morte medicamente assistida para fiscalização preventiva da constitucionalidade. É essa a convicção de quatro constitucionalistas ouvidos pelo programa Em Nome da Lei da Renascença.

Embora com opiniões diferentes sobre o diploma da eutanásia, e sobre a sua conformidade com a Constituição da República, todos vaticinam que Marcelo Rebelo de Sousa não irá promulgá-lo sem antes pedir o veredito dos juízes do Tribunal Constitucional (TC).

Paulo Otero, para quem a despenalização da morte medicamente assistida é “socialmente injusta e ditada por razões económicas”, porque “sai mais barato matar do que cuidar”, considera que não faltam argumentos ao Presidente da República para suscitar a fiscalização preventiva.

O professor da Faculdade de Direito de Lisboa considera que o texto aprovado pelos deputados faz ”uma lesão excessiva e desproporcional do princípio da inviolabilidade da vida humana, que resulta de se facilitar o recurso à eutanásia, não a limitando a quem sofre de doença fatal”.

Paulo Otero considera que há também “um problema na formação da vontade dos que pedem para recorrer à eutanásia ou ao suicídio assistido, porque a vontade de quem está em sofrimento de grande intensidade fica fatalmente diminuída, e o diploma prevê que a decisão tenha de ser livre”.

O constitucionalista defende ainda que o diploma “viola a reserva constitucional das associações públicas, quando diz que os profissionais que participam no processo da morte medicamente assistida não podem ser objeto de sanções disciplinares pelas respetivas ordens profissionais”.

Paulo Otero fala ainda de uma outra questão que, “não podendo ser suscitada em sede de fiscalização preventiva, por não ser do foro constitucional, pode e deve ser levantada numa fiscalização sucessiva da legalidade do diploma”, de resto já admitida pelo PSD. Em causa, o facto de o decreto aprovado prever que seja criada uma Comissão de Verificação e Avaliação dos procedimentos da morte medicamente assistida que, na opinião do constitucionalista, “fere o regime de autonomia da Madeira e dos Açores”.

A tese é rejeitada por outro constitucionalista da Faculdade de Direito de Lisboa. Miguel Prata Roque defende que “há uma reserva de competência da Assembleia da República em matéria de responsabilidade criminal e o que está em causa é a despenalização da morte medicamente assistida”.

Quanto a uma eventual fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto parlamentar, admite que “há razões políticas para esperar que Marcelo o faça, mas não há argumentos constitucionais”, porque o Parlamento clarifica os conceitos que delimitam o acesso à eutanásia, como pediram os juízes do Palácio Ratton quando apreciaram a questão pela primeira vez”.

“Respondendo aos juízes do Tribunal Constitucional, o que este diploma vem fazer é densificar esses conceitos jurídicos indeterminados. Eu permitia-me até acrescentar uma coisa, se o tribunal entendesse ser inconstitucional esta definição destes três conceitos, então seria inconstitucional o tipo de crime de homicídio privilegiado, que fala num estado de especial comoção, também seria inconstitucional o artigo 132 do Código Penal porque fala na existência de uma especial censurabilidade ou perversidade. Tudo isto são conceitos indeterminados.”

"É inevitável chamar o Tribunal Constitucional"

Uma opinião que não é partilhada pelo constitucionalista Jorge Pereira da Silva, porque o Parlamento não se limitou a corrigir as questões que o Tribunal Constitucional levantou, quando analisou a primeira versão do diploma.

No texto agora aprovado, deixa de ser exigido que a doença seja fatal, basta que seja grave e incurável. E onde antes se falava em sofrimento intolerável, agora fala-se em sofrimento de grande intensidade. Alterações que tornam inevitável, segundo o professor da Universidade Católica, um juízo prévio de constitucionalidade.

“O Parlamento em vez de responder àquilo que eram as preocupações do Tribunal Constitucional, apenas naquele conceito que foi declarado inconstitucional, melhorou nesse conceito mas alterou os outros dois. Portanto, é inevitável chamar o Tribunal Constitucional para responder a esta questão: saber se os outros conceitos que agora parecem diferentes são ou não conformes com a Constituição.”

Também Teresa Violante está convencida de que o Presidente da República vai enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, porque ele não restringe o acesso à morte medicamente assistida a pessoas que têm uma doença fatal.

Decisão livre e cuidados paliativos

A constitucionalista argumenta que Marcelo Rebelo de Sousa “pretendia ver consagrada a morte medicamente assistida apenas para as situações de iminência do fim da vida. Mas não foi essa a opção do legislador”.

Teresa Violante lembra os dois argumentos invocados pelo Presidente aquando do veto político, em novembro de 2021, afirmando que “não é verdadeiro o argumento dado por Marcelo de que a maioria das ordens jurídicas que consagram a morte medicamente assistida se afasta dessa solução dita radical. Os dados empíricos não mostram isso. Mostram exatamente o contrário, a maioria acolhe a solução de não restringir a morte medicamente assistida às situações de iminência de fim de vida”.

Teresa Violante admite que “nem sequer entende qual é o fundamento jurídico da afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa de que despenalizar a morte medicamente assistida a pessoas que estão em grande sofrimento, mas não em morte iminente, não reflete o que pensa a sociedade portuguesa”.

Tal como os seus colegas Paulo Otero e Jorge Pereira da Silva, também Teresa Violante considera que “não se pode falar de uma decisão livre e esclarecida de quem quer recorrer à eutanásia, se o Estado não dispuser de uma rede de cuidados paliativos que possa oferecer como alternativa à morte medicamente assistida”.

A constitucionalista afirma, no entanto, que “o que se tem verificado nos países que legalizaram a eutanásia e o suicídio medicamente assistido é uma melhoria da rede de cuidados paliativos, por causa da pressão da opinião pública”.

Referendo e objeção de consciência

Se a despenalização for promulgada, Paulo Otero defende que todos os profissionais de saúde “têm o direito e o dever de suscitar a objeção de consciência porque o seu compromisso é com a vida”.

Questionados sobre a proposta do PSD de realização de um referendo, entretanto já chumbada pelo Parlamento, apenas Jorge Pereira da Silva defende a iniciativa.

Teresa Violante considera-a mesmo “inconstitucional”, porque “os direitos fundamentais não são referendáveis”.

Uma opinião de que o constitucionalista da Universidade Católica “discorda frontalmente”. Jorge Pereira da Silva defende que “quando a Constituição consagrou o referendo excluiu desse instituto algumas matérias, mas não estão lá os direitos fundamentais!”.

Em oposição, Miguel Prata Roque considera “os direitos fundamentais como trunfos da minoria contra a maioria. Poderíamos então pensar num referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de um referendo sobre os diretos das pessoas transgénero de mudarem o seu nome e a sua identidade de género? Eu acharia isso próprio de um Estado totalitário”.

Também Paulo Otero critica a iniciativa do PSD para realizar um referendo sobre a matéria, não só porque considera que “o direito à vida não pode ser sujeito a consulta popular, mas também porque o diploma aprovado pelo Parlamento pode ser revogado por uma maioria de direita que se venha a formar, mas se fosse aprovado em referendo, só da mesma forma poderia ser revogado”.

Jorge Pereira da Silva conclui a troca de argumentos com os seus colegas constitucionalistas, afirmando que, infelizmente, o referendo morreu em Portugal”.

Declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, transmitido aos sábados depois do meio-dia, na Renascença, e sempre disponível no site e nas plataformas de podcast.

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