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DÚVIDAS PÚBLICAS

"Parlamento não se pode substituir à justiça. Cada um no seu galho"

11 jan, 2025 - 11:51 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) diz que há muito ruído na política e lamenta que não se discutam os problemas de fundo do país. Em entrevista à Renascença, João Pedro Tavares critica o excesso de corporativismo no país e duvida que o PRR seja executado na totalidade, diz que Portugal tem um problema de stress fiscal e defende que se incentive o trabalho sénior.

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"Parlamento não se pode substituir à justiça", diz presidente da ACEGE
"Parlamento não se pode substituir à justiça", diz presidente da ACEGE

Ruído, ruído, ruído. O diagnóstico é várias vezes repetido pelo presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), que o aplica em diversas situações. Para João Pedro Tavares, o discurso político está pejado de ruído, o que dificulta a comunicação, os reais problemas do país não estão a ser abordados e os órgão de decisão perdem tempo com questões periféricas ou duplicam funções.

Um dos exemplos mais recentes é a nomeação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo, cargo que acabaria por rejeitar por não conseguir manter o salário que recebia do Banco de Portugal. "Foi um decreto aprovado à pressa entre o Natal e o fim de ano, para permitir que esta situação fosse resolvida? Foi tratado com a devida prudência, sensatez e transparência?" Questões levantadas pelo presidente da ACEGE.

João Pedro Tavares diz que há aqui "uma quebra de confiança", devido ao ruído instalado. "Misturamos muita coisa: 15 mil euros, um valor muito elevado, com o processo e a forma como foi feito, depois o Banco de Portugal não pode apoiar partidos políticos - que não é o caso - depois descobre-se que no passado já aconteceu e ninguém soube", resume.

Entretanto, Hélder Rosalino já regressou à folha de pagamentos do banco central e o governador Mário Centeno ainda vai à Assembleia da República dar explicações sobre este caso. Uma audição criticada por João Pedro Tavares, que considera que "o parlamento às vezes tem um excesso de pedidos de esclarecimento e de trazer temas para a praça pública. Devia ter mais critério. Pedir ao governador do Banco de Portugal para vir fazer uma explicação ao Parlamento, não me parece a melhor situação".

Este não é caso único. O presidente da ACEGE diz que a Assembleia da República "faz excesso de policiamento em determinados casos", com criação de ruído. Questiona quem avalia a qualidade, a importância e os resultados de iniciativas já tomadas, nomeadamente Comissões de Inquérito, e defende que "o Parlamento não se pode substituir à justiça, não se pode substituir ao Ministério Público, cada um tem que estar no seu galho".

Saída do CEO da Galp com "muito sal e pimenta"

O presidente da ACEGE diz que há muito fumo no processo que levou Filipe Silva, CEO da Galp, a sair da empresa. O gestor alegou "motivos familiares", mas a decisão surgiu depois de ser divulgado o alegado envolvimento do presidente da Galp com uma administradora da petrolífera. "Esta é uma situação com muito sal e pimenta, porque vem logo misturar a relação pessoal, escondida, familiar", diz João Pedro Tavares.

O líder da ACEGE lamenta que este caso tenha vindo para a praça pública. "São situações que estão previstas nos códigos de ética, uma empresa cotada em bolsa tem determinadas obrigações de transparência e dever de prestar contas aos acionistas e stakeholders. Existem canais de denúncia anónima de irregularidades mas, de acordo com o regulamento geral de proteção de dados, deve ser tratado de determinada forma e com determinado decoro", defende.

Ainda assim, questiona: "Isto configura uma quebra de confiança, de abuso de poder, de incompatibilidade?"

As grandes empresas já estão obrigadas a terem códigos de ética e de conduta, "mas temos um caminho a percorrer, ainda", admite. Segundo o presidente da ACEGE, é preciso mais rigor e transparência no país.

"Dificilmente" será executado o PRR

O líder da Associação Cristã de Empresários e Gestores lembra que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) "está muito aquém na sua aplicação e termina em 2026, muito dificilmente o vamos cumprir na sua totalidade". Acrescenta mesmo que na próxima mensagem de Ano Novo, a última de Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República deverá repetir os mesmos recados e receios sobre a eventual perda de verbas a fundo perdido.

Ainda assim, faz uma avaliação positiva da atual gestão do PRR, centrada no Ministro Manuel Castro Almeida.

Defende também que a reprogramação do PRR, para evitar a perda de fundos, é uma oportunidade para equilibrar a distribuição do financiamento. Volta a criticar o peso excessivo dado aos projetos públicos e espera que os privados consigam nesta fase mais financiamento.

"O problema em Portugal é o stress fiscal"

Neste entrevista ao programa Dúvidas Públicas, João Pedro Tavares critica a "manta de retalhos" em que se transformou a legislação tributária e apoia a reforma fiscal defendida esta semana pelo antigo presidente Cavaco Silva.

O presidente da ACEGE diz ainda que "o problema em Portugal não é a carga, é o stress fiscal". Ou seja, "face ao nível salarial, à dimensão das empresas e aos resultados que têm, a população vive em stress fiscal. As taxas de esforço são muito elevadas e as empresas não conseguem investir mais, nem as pessoas conseguem alargar o património e viverem com melhor bem estar".

A pobreza e o envelhecimento são alguns dos temas fundamentais neste momento, mas estão arredados do debate político, centrado em discutir o próximo candidato às presidenciais. Para João Pedro Tavares, a atual discussão política é "pobre".

Diz que não está contra os aumentos salariais negociados com professores, médicos ou polícias, mas o governo não se pode limitar a calar quem protesta, é preciso mais "rigor e critério" na despesa. "Vamos aos solavancos das corporações".

Defende incentivos ao envelhecimento ativo, através de alterações legislativas e fiscais, que permitam o regresso ao mercado de trabalho dos mais velhos. "Neste momento temos um stock de capacidades, competências e experiências parado porque não querem comprometer as contribuições para a reforma nem subir de escalão". A solução deverá passar por mais fiscalização às empresas e a alteração destas carreiras contributivas.

João Pedro Tavares defende ainda um "salário digno", ou seja, um complemento ao salário, mediante o contexto familiar de cada trabalhador: se tem filhos, se vive com os pais, em centros urbanos ou no interior.

Explica que a promoção da família é uma das preocupações da ACEGE e dá exemplos de como se reflete nas decisões de gestão dos associados.

O presidente da ACEGE, João Pedro Tavares, é o entrevistado desta semana do programa da Renascença Dúvidas Públicas, que pode ouvir em antena aos sábados, a partir do meio-dia, ou a qualquer momento aqui no site ou em podcast.

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