25 set, 2023 - 07:00 • Sandra Afonso (Renascença) e Raquel Martins (Público)
Em contagem decrescente para a apresentação do Orçamento do Estado para 2024, a CIP continua a negociar com o Governo um pacto de 30 medidas para o país, que conta com o contributo da UGT, mas deixou os parceiros sociais divididos.
Em entrevista ao programa "Hora da Verdade", da Renascença e do "Público", o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal responde às críticas e explica, pela primeira vez, as propostas dos patrões.
Armindo Monteiro rejeita que esteja a abrir a porta aos privados na Segurança Social e defende a maior proposta de aumento salarial do patronato, acima de 20%. Anuncia ainda um limite para a isenção fiscal do 15.º mês, enquanto a taxa reduzida de IVA é para todos os alimentos, sem qualquer tipo de exceção.
O patrão dos patrões acredita que algumas das 30 propostas do Pacto Social da CIP, que conta com o contributo da UGT, serão incluídas já no Orçamento do Estado para 2024.
Esta segunda-feira a CIP é de novo recebida pelo Governo, mas ao contrário das duas primeiras reuniões, desta vez não vai sozinha. No encontro também deverão marcar presença outros parceiros sociais. As "negociações paralelas" iniciais, como lhes chamou o presidente do Conselho Económico e Social, não caíram bem na concertação. Armindo Monteiro minimiza, até porque, "a CIP representa mais de 70% do PIB nacional".
A reunião que tinham agendada com o Governo para discutir o Pacto Social da CIP foi desmarcada pelo mal-estar que gerou entre os parceiros sociais. Nesta segunda-feira vai haver nova reunião, quem vai participar e o que vão discutir?
[O adiamento] acreditamos que foi apenas uma questão de agenda. Esperamos discutir, como temos vindo a fazer, as nossas propostas que não são apenas para o Orçamento do Estado (OE) para 2024, mas para um horizonte de cinco e dez anos.
As reuniões serão com os restantes parceiros?
Fazemos uma profissão de fé na concertação social e nos seus méritos, mas para que as reuniões plenárias produzam efeitos têm que se procurar consensos o mais alargados possível. Foi por essa razão que construímos este Pacto Social.
A CIP representa 71% do PIB nacional e houve um largo consenso nestas medidas. Quisemos alargar ainda mais e convidámos as centrais sindicais para este diálogo que teve início em abril e em maio.
Infelizmente com a CGTP não foi possível continuar o diálogo, mas com a UGT tivemos várias reuniões de trabalho e os seus contributos permitiram melhorar o nosso documento. Depois disso, procurámos perceber se o Governo estaria disponível para acomodar estas propostas.
Por que razão apresentaram esse documento uma semana depois de o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP), onde também está a CIP, ter apresentado as suas propostas na concertação social?
Este pacto social está na rua desde maio, há quatro meses que estamos a discuti-lo.
Foi conhecido nesta altura. Significa que não se revê nas propostas do CNCP?
As propostas do CNCP têm como único objetivo o OE para 2024 e as propostas que apresentamos [no âmbito do Pacto Social] são estruturantes para a economia. São âmbitos diferentes. Nada temos a obstar às medidas do conselho, exceto a redução da Taxa Social Única (TSU) em um ponto percentual, porque temos outra que conflitua com essa.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Conselho de Finanças Públicas (CFP) apontam para um excedente orçamental em 2023. O que é que o Governo deve fazer com esse excedente?
A questão que se põe é qual foi o custo para atingirmos esse objetivo. É importante atingirmos vitórias sem um custo colateral extremamente elevado e o que aconteceu foi uma asfixia enorme em termos de impostos sobre as empresas e sobre as famílias. A consequência disso nas empresas é que não estão a realizar os investimentos que são necessários, não estão a ter a competitividade que é necessária e não se estão a internacionalizar. Num universo de mais de 405 mil empresas, temos apenas seis mil que asseguram todos os anos as nossas exportações.
Tem havido apoios à internacionalização…
Os apoios são importantes, mas não devem ser a mola dominante. Uma empresa não exporta por existir um apoio, tem de ter competitividade, inovação e de conseguir reter quadros.
Os salários aumentaram de 1.034 euros, em 2015, para 1328 euros, em 2023, uma subida de 30%. Alguém acha que a produtividade acompanhou estes 30%? Claro que não, a nossa produtividade cresceu 0,7%. Não podemos suportar todos os custos salariais, de energia, inflação, matérias-primas, Covid-19, sem que as empresas consigam vender mais e ter mais margem.
Uma das propostas é testar um aumento salarial de 14,75%, com redução temporária da Taxa Social Única (TSU), traduzindo-se num aumento da liquidez de 4,75%, sendo os restantes 10% incluídos num plano individual de reforma. Isso significa que as empresas podem fazer aumentos acima dos 4,8% previstos no acordo de rendimentos?
Pela primeira vez na história de Portugal, uma confederação patronal está a propor um aumento salarial superior à mais radical das centrais sindicais, estou a referir-me à CGTP.
Era sempre desejado pelas centrais sindicais o aumento dos salários. Ou seja, um aumento enorme da massa salarial.
A confederação presidida por Armindo Monteiro suge(...)
Mas não à custa da Segurança Social...
Não é verdade que seja à custa da Segurança Social, porque o que estamos a propor é que parte deste aumento vá para a Segurança Social.
Ao contrário de outros tempos em que se pedia uma redução da TSU para poupança nas empresas, esta medida prevê que o valor da contribuição para a Segurança Social em abstrato seja efetivamente para a função que deve cumprir que é o sistema previdencial. Estes 14,75% não são para poupança das empresas, são para entregar ao trabalhador.
Como garante que o dinheiro chega ao trabalhador?
A Segurança Social tem dois sistemas, há contribuições que vão para o sistema previdencial, para pagar pensões de reforma, e outras para o sistema destinado à proteção social, que inclui a parentalidade, subsídio de desemprego, e outros.
A previdencial não pode ser posta em risco, a contribuição para a Segurança social fica intacta, é 20,25%, como está na Lei de Bases da Segurança Social. As outras, deverá ser obrigação do Orçamento do Estado.
Por isso os 14,75%, a diferença entre os 34,75% e os 20,25% pagos à SS, vão para o trabalhador.
Mas não será tudo entregue directamente ao trabalhador, 10% fica num fundo de pensões?
Não, não. É para entregar ao trabalhador.
Qual é a proposta exatamente?
O que estamos a propor é que haja uma complementaridade. A Segurança Social não pode ser apenas garantida pelo Estado, além do pilar público, que tem de continuar a existir, tem de haver um envolvimento das empresas e uma responsabilidade individual.
Em 1980, contavam-se seis trabalhadores para um reformado, em 2007 esse rácio estava abaixo de quatro e hoje é de três para um. Até 2050 vai continuar a decair.
O plano de poupança seria gerido pela Segurança Social?
Estes planos-poupança devem continuar a ser geridos pela Segurança Social.
Trata-se de reforçar o Regime Público de Capitalização que é de adesão voluntária e que já hoje permite fazer descontos adicionais?
É exatamente isso. Os fundos já existem, a lei já existe. O que estamos a dizer é que os 10% que são de cada trabalhador, não há aqui dúvidas, [seriam colocados nesse fundo]. Não estamos a inventar seguros que não existem, estamos a querer reforçar.
Seria automático e obrigatório?
Se é para estimular esse complemento de reforma, deve ser obrigatório. Temos que proteger as reformas do futuro e de arranjar forma de promover a poupança e esta nossa medida vai nesse sentido.
Portanto, não se trata de incentivar fundos privados de pensões?
Estes fundos que existem hoje na Segurança Social não saem da esfera pública, portanto evitamos aquele debate público/privado.
A discussão que queremos ter é pensar não apenas pensar nos rendimentos do presente, mas nos rendimentos do futuro.
Até onde é que as empresas podem ir nos aumentos salariais?
Isto não é um cofre secreto que as empresas agora expuseram, as empresas estão a ter, em termos de margens, uma dificuldade muito grande.
O 15.º mês que queremos introduzir corresponde a um aumento de 6,6%, mas se tiver tributação já não é 6, é mais de 9%. O que estamos a dizer é que, sem tributação, as empresas podem fazer estes aumentos. E se juntarmos os 6,6% com os 14,75% temos um aumento superior a 20%. Isto é notável!
E não se utilize o argumento da Segurança Social, porque ele está claramente identificado.
Se as empresas estão disponíveis para pagar mais é porque estão preocupadas com duas coisas: reter talentos que as possam ajudar a crescer e que as famílias tenham poder de compra, para estimular a procura interna.
Não é uma tentativa de pôr o Estado a suportar os custos do trabalho?
Pelo contrário, o que estamos a dizer é que os custos do trabalho se mantêm, porque estamos a transferir para o trabalhador a totalidade. Se a crítica fosse honesta dizia assim: lá estão as empresas a poupar 14,75%. Não é verdade, estamos a entregar totalmente os 14,75% ao trabalhador.
Antes, quando as empresas pediam uma redução da TSU era para poupança interna, neste momento o que estamos a dizer é que vamos entregar esse valor ao trabalhador e o trabalhador utilizará parte para liquidez e parte para um regime complementar obrigatório da Segurança Social.
Como é que funcionaria o 15.º mês com neutralidade fiscal?
É uma medida de liquidez para as famílias. Trata-se de uma transferência para os trabalhadores, voluntária, até ao montante de um salário.
Esta neutralidade fiscal que pedimos não é ilimitada, em termos de isenção, apontamos para um valor na ordem dos 4000 a 4500 euros brutos.
Mas por que é que as empresas não fazem simplesmente um aumento salarial?
É para terem neutralidade fiscal.
Quando é que o 15.º mês seria pago?
Ou encontramos um momento que fizesse sentido, como por exemplo o regresso às aulas, ou temos de pensar num momento em que faça mais falta às famílias.
Das 30 medidas o Governo já mostrou abertura para alguma?
O diálogo com o Governo tem sido muito positivo. Estas propostas estão a ser estudadas, não estou a dizer que estão aceites, mas as discussões foram muito positivas no sentido de as podermos melhorar. Isto não é um produto final, é um ponto de partido para uma grande reflexão na sociedade e um compromisso.
Alguma destas medidas poderá ser integrada no OE e ser aplicada no próximo ano?
Estou com a expectativa de que seja mais que uma. Com este documento, as associações estão a querer demonstrar que os sindicatos não têm o exclusivo de pensar os trabalhadores e que as empresas têm a responsabilidade de cuidar dos seus trabalhadores.
Uma das vossas propostas é o IVA de 6% para todos os produtos alimentares. Há exceções para, por exemplo, alimentos vegan ou processados?
O Código do IVA é de 1986 e estamos em 2023. Em relação aos exemplos que referiu, alguém falava em alimentos vegan em 1986?
Porque é que a fruta fresca paga 6% e a fruta em conservação 23%? Salsichas, 23%, porquê?
Não há exceções na vossa medida, é para taxar tudo a 6%?
Na nossa perspetiva é. Produtos alimentares, IVA a 6%. Não faz sentido que seja a taxa máxima.
Tem defendido que é preciso rever o Acordo de Rendimentos, Salários e Competitividade assinado em 2022 pelo seu antecessor…
Estamos a tentar salvá-lo...
Porque não fazem isso no âmbito de uma revisão do acordo e o fazem à parte?
Estas medidas são para salvar o acordo. A contrapartida do aumento salarial de 5,1%, em 2023, de 4,8%, em 2024, de 4,7%, em 2025, e de 4,6%, em 2026, ou seja, 20% no conjunto destes quatro anos, implicava - e em termos negociais fomos pouco exigentes - que a produtividade subisse 2% ao ano. O que está a acontecer é que a competitividade está a diminuir.
Se fizéssemos uma avaliação objetiva do acordo, teríamos que o denunciar, porque os rendimentos cresceram 8% e a parte da competitividade decresceu.
O acordo também pressupunha uma inflação de 2% e ela está mais alta.
De acordo, mas a competitividade podia ter subido por via dessa inflação.
Há trabalhadores com salários congelados há vários anos. Como representante dos patrões o que tem a dizer a estes trabalhadores e aos gestores destas empresas?
Aos funcionários, logo que possam mudem de emprego e, aos gestores, que não se esqueçam de que o ativo principal das empresas são os trabalhadores e, se não tiverem os melhores, também não vão ter as melhores empresas.
As empresas para serem competitivas não podem explorar fatores que são medíocres e abusar de uma posição dominante. Não acredito numa forma de competitividade das empresas por pagarem baixos salários.