50 mil milhões. Economia paralela daria para pagar mais de cinco anos de salários da Função Pública

08 mar, 2023 - 08:12 • André Rodrigues

Vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude admite que a atividade não registada representa mais de um quarto do nível da economia oficial. "Diria que rondará mais ou menos 50 mil milhões de euros por ano", diz Oscar Afonso. Extrapolando esse valor para o custo mensal atual dos funcionários do Estado, 50 mil milhões poderiam pagar 66 meses de remunerações nas Administrações Públicas.

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A economia paralela em Portugal poderia dar para pagar mais de cinco anos de salários da administração pública.

A Renascença fez as contas a partir do valor estimado da atividade económica que escapa aos impostos.

O vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OEGF) admite que, todos os anos, as atividades que escapam aos impostos correspondem a, pelo menos, 25% do total da economia.

“Eu creio que até será mais”, corrige, de imediato, o economista Óscar Afonso.

Mas, afinal, quanto é que isso vale? Segundo este especialista, que estuda o impacto da economia não registada, “em 2015, o peso da economia não registada no PIB rondava os 44 mil milhões de euros. Atualmente, tendo em consideração que o peso da inflação não diminuiu muito – apesar de ter havido um decréscimo – eu diria que rondará mais ou menos 50 mil milhões de euros, por ano”.

Os dados mais recentes da Pordata, atualizados a 31 de dezembro de 2021, revelam que a remuneração base média mensal de um trabalhador da Função Pública é de 1.027,5 euros.

Os mesmos dados sobre Trabalhadores e Salários apontam para um universo de, aproximadamente, 734 mil trabalhadores nas Administrações Públicas.

Multiplicando a remuneração média mensal pelo número de funcionários públicos, o Estado português gastará qualquer coisa como 754,2 milhões de euros todos os meses com salários da Função Pública.

Considerando que a economia não registada lesa o Estado em cerca de 50 mil milhões de euros, isso significa que a receita fiscal que, anualmente, escapa aos cofres públicos dará para pagar 66 meses de salários na Função Pública. Qualquer coisa como cinco anos e meio.

No entanto, a sucessão de crises – com uma pandemia entre 2020 e 2021 e uma guerra desde fevereiro de 2022 – teve como consequência a subida da inflação e o aumento generalizado do custo de vida.

Óscar Afonso avisa que, quanto mais dificuldades sentirem as famílias, maior será o risco: “nós temos uma carga fiscal brutal, que não diminui, e temos aumentos salariais de 2% na função pública e de 4% na atividade privada e, ainda, a taxa de inflação de 8%. Tudo isto está a representar uma austeridade que, se formos a fazer bem as contas, é superior à que tínhamos no tempo da troika. Portanto, não tenho dúvidas nenhumas de que a economia não registada está a aumentar”.

Evasão fiscal lidera

Questionado sobre qual a parcela dominante na economia paralela, o vice-presidente do OEGF diz não ter dúvidas de que “quem lidera é a fuga à carga fiscal. Os chamados biscates são uma rubrica importante, ‘grão, a grão, enche a galinha o papo”. Mas mais significativo do que isso, ou do que o trabalho doméstico não declarado, o crescimento da economia paralela está mais relacionado com os casos de corrupção que vamos assistindo, porque aí os montantes são sempre muito significativos”.

Declarar trabalhadores domésticos? “Não vai dar em nada”

Na semana passada, o Jornal de Negócios avançava que a não declaração de trabalhadores domésticos à Segurança Social, tanto por empresas, como por particulares, vai passar a ser crime punível com uma pena que pode ir até aos três anos de prisão.

Os diplomas foram apresentados no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, aprovada no mês passado pelos deputados, e que o Governo pretende ter em vigor no início de abril.

A questão é: como e quem vai fiscalizar as novas regras?

“Confesso que não estou a ver como é que se pode fiscalizar. Pode ser a denúncia? Certo. Mas não sei, sinceramente, como é que estão a pensar fazer. Honestamente, acho que é foguetório legislativo que não vai dar em nada”, antecipa Óscar Afonso.

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