Entrevista a Ana Jacinto

AHRESP defende mais imigrantes e "coragem para diminuir elevados custos fiscais sobre o trabalho"

21 fev, 2023 - 13:20 • Ana Carrilho

Secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal elogia algumas medidas adotadas, mas não deixa de criticar o Governo por desvalorizar a Concertação Social. 2023 ainda é um ano de incerteza e "todos os dias há empresas que nos dizem que não conseguem resistir", alerta.

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Os portugueses ainda continuam a ir ao restaurante, apesar do aumento dos preços, mas o que pagam não chega para cobrir o aumento das despesas de quem presta o serviço, diz a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), em entrevista à Renascença.

Para Ana Jacinto, o setor precisa de medidas que ajudem ao fortalecimento das empresas, especialmente depois de dois anos de pandemia. A revisão da fiscalidade sobre o trabalho é uma delas; outra prende-se com a necessidade de facilitar a entrada de imigrantes porque não há mão-de-obra suficiente.

Nesta entrevista à Renascença, Ana Jacinto elogia algumas medidas adotadas, mas não deixa de criticar o Governo por desvalorizar a Concertação Social.

Já conhecemos o desempenho do turismo em 2022, o INE divulgou também os dados do alojamento, com uma receita superior a cinco mil milhões de euros, superior à de 2019, que já era o melhor ano. São resultados acima do esperado na perspetiva da AHRESP, que também muitos associados nesta área?

São indiscutivelmente bons. Agora, temos de contar bem a história, porque na hotelaria os dados são bons, sobretudo, no que diz respeito aos proveitos, mas se olharmos para o número de dormidas e número de hóspedes, ainda estamos um bocadinho aquém de 2019.

E o que interessa é o que fica nas empresas, o saldo: se estamos a ganhar 100, mas gastamos 100, significa que não ganhamos nada. E é um bocadinho o que se está a passar neste momento nas nossas empresas, porque estamos com uma pressão inflacionista enorme e os custos crescem todos os dias. E é bom salientar alguns outros dados para percebermos do que estamos a falar.

Em janeiro, a inflação nos produtos alimentares ascendeu a 20,6%, para além da inflação dos custos energéticos e de outras matérias-primas. Se olharmos para a rubrica e para a classe dos restaurantes, tivemos uma inflação de 10,5%. Isto significa que os restaurantes é que estão a absorver o impacto destes custos todos. O aumento dos preços para o consumidor é evidente, mas para as empresas a receita não cresce na mesma proporção. Estamos com uma procura simpática, estamos a trabalhar bem, mas não estamos a crescer, que é diferente.

Sobretudo na área da restauração porque na hotelaria temos um crescimento de preços maior e, portanto, não há um impacto tão grande. Mas também há.

É bom ver esta realidade, somada ao facto de o setor vir de dois anos de pandemia, em que os seus balanços ainda não estavam equilibrados, ainda não tínhamos tesouraria suficiente para impactar esta pressão inflacionista, a subida das taxas de juros e agora, a perda do poder de compra, sobretudo dos portugueses. Tudo isso está a dificultar que as nossas empresas, sobretudo da restauração, consigam robustecer-se e crescer. É uma grande preocupação.

Se estamos a ganhar 100, mas gastamos 100, significa que não ganhamos nada. E é um bocadinho o que se está a passar neste momento nas nossas empresas

Ainda há muitas empresas em grandes dificuldades?

Todos os dias há empresas que nos dizem que não conseguem resistir. Acompanhamos as nossas empresas diariamente e temos trabalhado constantemente muito de perto com o Governo. Prova disso é o que foi anunciado há dias na Lisbon Food Affair de Portugal. É um trabalho que a AHRESP desenvolveu muito de perto com a Secretaria de Estado do Turismo, com o Turismo de Portugal e com o Ministério da Economia, para encontrarmos medidas de apoio às empresas que estão agora com dificuldades.

Isto é: o Governo anunciou o Consolidar+ para apoiar as empresas que recorreram às Linhas Covid e que agora tinham de liquidar os seus empréstimos. Mas era só para estas; todas as empresas que recorreram às linhas de microcrédito do Turismo de Portugal estavam de fora deste apoio. É o que acontece com muitas empresas associadas da AHRESP. Não podia ser a mesma Linha Consolidar+ e dissemos ao Turismo de Portugal que tínhamos de encontrar um mecanismo para ajudar estas empresas a aliviar a dívida, que começaram a pagar os empréstimos em janeiro.

O Turismo de Portugal criou então uma moratória sobre 75% da dívida, que vai entrar em vigor no dia 1 de março e que é válida por um ano. Não é retroativo porque há empresas que já pagaram em janeiro e fevereiro. Isto é a prova que há necessidade de intervirmos e de apoiar as empresas porque estão com dificuldade de liquidar estes empréstimos. E o Governo tem estado atento e disponível para encontrar estes mecanismos.

Há empresários, sobretudo de micro e pequenas empresas, que, por vezes, não têm acesso a tanta informação e se queixam do excesso de burocracia para recorrer aos apoios. Isso foi impedimento para alguns pedirem ajuda?

Sim, ao longo dos últimos anos e durante a pandemia, essa questão foi recorrente. Este é um setor de atividade muito micro, com empresas muito pequenas, que tiveram imensas dificuldades em recorrer aos apoios e por isso, a AHRESP, desde o início não parou – obviamente, em diálogo constante com o Governo, de sinalizar a necessidade de encontrarmos mecanismos muito mais ágeis, céleres e descomplicados. E à medida que o tempo foi passando, foi acontecendo essa descomplicação. Mas era sempre muito tarde.

Há necessidade de intervirmos e de apoiar as empresas porque estão com dificuldade de liquidar empréstimos

Tarde demais para resistirem?

Muitos já não resistiram. E a AHRESP teve um papel determinante porque fizemos nós muitas candidaturas em nome de associados - e muitas vezes não associados, porque não deixámos de ajudar empresas que também não eram associadas, atendendo à situação que estávamos a viver. Fizemos muitas candidaturas, até as candidaturas junto do Turismo Portugal (TP), que do nosso ponto de vista foram as mais ágeis e mais céleres. As do TP e as das autarquias foram as que mais conseguiram ir ao encontro das necessidades dos nossos empresários em termos de simplicidade. Mas mesmo nessas, tivemos de os ajudar.

As medidas deviam ter um grau de complexidade adaptado ao tecido empresarial que temos. Ficaram pelo caminho muitas empresas que podiam ter tido apoio e não tiveram porque nem a AHRESP conseguiu apoiar todas.

Para 2023, quais são as perspetivas para a Hotelaria e a Restauração? Porque também já vimos que estes dois setores representados pela AHRESP são completamente diferentes. Teme alguma retração, que o menor rendimento disponível dos portugueses não chegue para o lazer?

Continua a ser um ano de muitas incertezas e desafios. O INE já nos começa a dar indicadores de alguma retração no consumo interno e tememos que, de facto, se acentue porque parece-nos que a situação das famílias se poderá agravar ainda mais. A inflação continua a não parar e, sobretudo, a alimentar; as taxas de juro continuam a subir e tudo isto tem impacto no seio familiar.

Dizer o que vai acontecer, não sabemos. Mas temos consciência que o mercado interno é muito importante para o setor e, portanto, estamos apreensivos e muito cautelosos. É por isso que a AHRESP tem dito que não podemos deixar de olhar para estes setores e tomar as medidas preventivas e não reativas.

Que medidas seriam essas?

Tem de se robustecer estas empresas com apoios à capitalização.

Há verbas do PRR para recapitalização das empresas.

E onde é que estão? Esses apoios já chegaram às empresas? Estamos a falar de um tecido empresarial muito micro que precisa que o dinheiro lhe chegue.

Eu dei alguns exemplos de apoios importantíssimos, mas estamos a falar de financiamento, de endividamento sem juros.

Ou seja, depois e pagar a dívida, é preciso dinheiro para prosseguir.

Exatamente. Que não fique a ideia de que não são medidas importantíssimas, mas não estamos a robustecer as empresas. E há outras matérias que também contribuem para que tal aconteça.

Se não trouxermos imigrantes, não vamos resolver a falta de trabalhadores

Por exemplo, a fiscalidade?

Há aqui uma questão que é absolutamente crítica, agora e para os próximos anos, e que tem de ser trabalhada em diversos ângulos: os trabalhadores. Somos um país envelhecido, portanto temos um problema demográfico.

Durante a pandemia, muitos dos nossos trabalhadores migraram para outros setores e agora não querem voltar porque descobriram que não têm de trabalhar sábados e domingos e à noite. É um mundo novo que se abriu.

E por último, temos as questões da remuneração. As empresas já perceberam que têm, necessariamente, de pagar mais. Mais, porque não têm trabalhadores e, portanto, o mercado está a funcionar; pagar mais, por força de um Acordo de Rendimentos assinado pelas três confederações em que a AHRESP é filiada [Confederação do Turismo, Confederação do Comércio e Serviços e CIP] e portanto, apoiamos esta iniciativa, que só fortalece a Concertação Social.

Especialmente nas empresas do Turismo, que vivem de pessoas para pessoas, o seu capital são as pessoas e não há nenhum empresário que não queira valorizar os seus colaboradores. Agora, para pagar mais tem de ter um ambiente favorável à criação de riqueza. Vamos supor: se pagar mil euros, o trabalhador leva para casa pouco mais de 700, mas a empresa gasta 1.200 euros. Estamos a dizer que o Estado come uma fatia importante deste valor e não pode ser. Este é um setor diferente, de mão-de-obra intensiva e tem de ter uma condição diferencial. Enquanto não existir coragem para diminuir os elevados custos fiscais sobre o rendimento do trabalho, é muito difícil prepararmo-nos para os novos desafios.

Mas a questão dos trabalhadores não se resume aos salários. Se não trouxermos imigrantes, não vamos resolver a falta de trabalhadores. O ano passado foi feita uma alteração legislativa para criar condições à implementação do Acordo de Mobilidade com Estados-membros da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa], através da simplificação de procedimentos para a concessão de vistos de residência para procura de trabalho. Faltava publicar a portaria que aprova o modelo deste documento, o que parece que estará para breve.

A AHRESP saúda a publicação do diploma que permite a aplicação plena deste regime. Mas, agora, espera que os serviços públicos sejam mais ágeis nos procedimentos porque não podemos prever mecanismos mais simples de entrada e depois, depararmo-nos com decisões morosas do Estado. Os imigrantes acabam por estar no país em situação irregular, o que cria vários constrangimentos, designadamente quanto à sua integração no mercado de trabalho e inclusão na comunidade, assim como das suas famílias.

Por isso é que eu digo que esta questão dos trabalhadores tem de ser tratado sob vários ângulos. A AHRESP tem neste momento diversos projetos em curso que envolvem autarquias, empregadores, trabalhadores, embaixadas. Não é uma questão simples e ninguém pense que a resolve sozinho. Ou que o Estado a resolve sozinho. Tem de haver responsabilização de todos, mas todos têm de estar organizados e com o mesmo propósito.

E ainda agora estamos na época baixa. Quando se aproximar a época alta, este assunto vai voltar para cima da mesa de forma muito violenta porque as empresas vão sentir ainda mais a falta de profissionais para trabalhar.

Assinámos um protocolo com a Fundação JMJ para a criação de uma rede de restauração capaz de fornecer 3,5 milhões de refeições

Ainda por cima, este ano no pico de verão, temos a Jornada Mundial da Juventude, o maior evento que já foi organizado em Portugal. Mais de um milhão de jovens, milhares de jornalistas, as comitivas eclesiásticas e muitas pessoas que querem vir ver o Papa Francisco. Com todo este problema de falta de mão-de-obra, há capacidade para responder em termos de serviço, para que tudo corra minimamente bem?

Pois, é um grande desafio porque nesta altura há muitas empresas que já estão a trabalhar no limite e com muita deficiência. É evidente que se temos menos trabalhadores, corremos o risco da nossa qualidade de serviço ser posta em causa e isso é o que não queremos, de todo.

A AHRESP vai estar envolvida para ajudar a que tudo corra bem. Ajudou a organização da JMJ23 a criar uma rede de restauração capaz de servir 3,5 milhões de refeições. Como é que vai funcionar?

Assinámos um protocolo com a Fundação JMJ para a criação dessa rede de restauração, que vai funcionar com a ajuda de uma app. Os estabelecimentos dos concelhos pertencentes às Dioceses de Lisboa, Setúbal e Santarém que quiserem participar nos serviços de refeições – almoço e jantar – podem aderir gratuitamente à rede. E estando inscritos, também podem fornecer aos peregrinos toda a informação que eles precisam, incluindo a lotação para os dois períodos de refeição. O pagamento é suportado pela organização da JMJ e é liquidado no fim do evento.

E como é que todas estas questões têm estado a ser tratadas na negociação coletiva? Os sindicatos continuam a queixar-se, nomeadamente, os da CGTP.

A AHRESP sempre privilegiou muito a contratação coletiva. Sempre fizemos contratação e temos sempre a negociação atualizada. Fazemos contratação para três setores de atividade: restauração, alojamento e depois temos um terceiro setor com uma contratação específica, que é o das cantinas e fábricas de refeições.

Só há um contrato, das cantinas, que tem sido muito difícil atualizar com o sindicato da CGTP; com a organização da UGT já foi fechado.

Para 2024, o nível mais baixo (com poucas pessoas, estagiários) será de 815 euros (5 euros acima do SMN previsto) e para este ano de 2023, o aumento foi de 8%. Estes são os valores mínimos a nível nacional, mas depois, cada empresa pode ajustar como entender. E ainda estamos a negociar com os sindicatos da INTER.

Nos outros setores têm conseguido fazer acordos com os sindicatos, mesmo os dos CGTP?

Sim, mesmo da CGTP e são contratos iguais. Este ano, na restauração e alojamento ainda não está fechado, mas estamos a propor um grande aumento em todos os níveis. Mais uma vez, são valores mínimos, de âmbito nacional, mas depois os empresários farão o que entenderem e muitas vezes é bem acima porque não encontram mercado trabalhadores a aceitar aquele vencimento. A realidade do país é diferente e também se vão ajustando consoante o território.

O Governo aprovou recentemente a Agenda do Trabalho Digno e as associações patronais têm manifestado bastante desagrado com algumas das medidas. No entender da AHRESP, o que é mais penalizador e como é que vão lidar comas medidas, que agora já são Lei?

A questão mais penalizadora é a forma. A Agenda do Trabalho Digno foi discutida em Concertação Social, mas o documento aprovado tem pontos que não foram discutidos com os parceiros. O que nos parece totalmente desajustado porque estamos a esvaziar o conteúdo da Concertação Social. Ou a fortalecemos ou então, a Concertação não serve.

Quanto às normas, em si, há custos cada vez mais acrescidos para as empresas, há um exagero nas atribuições da Autoridade para as Condições, o que ainda se traduz em mais custos. Mas o mais relevante é a falta de respeito pelos parceiros.

Ao contrário do que aconteceu com o Acordo de Rendimentos, em que finalmente me parece que estamos a dar um passo. Nem tudo o que está no Acordo é fácil para as confederações patronais, pelo contrário. Há ali um conjunto de exigências, inclusive do ponto de vista salarial. É verdade que se não dermos estes passos, daqui a pouco não temos ninguém – é indiscutível – mas não deixa de ser um esforço enorme que devia ter sido compensado com a tal diminuição dos encargos fiscais. Está lá uma majoração de IRC, em determinadas condições, mas na prática, para as nossas empresas, não tem grande significado. Depois há lá algumas questões que até foram propostas pela AHRESP e foram consideradas, mas que têm um peso diminuto face ao das obrigações que as empresas têm de suportar.

Mas foi possível um Acordo. E, de repente, temos logo a seguir um documento que também é estruturante e em que se dá o exemplo contrário.

A Agenda do Trabalho Digno foi discutida em Concertação Social, mas o documento aprovado tem pontos que não foram discutidos com os parceiros

Estamos a poucos dias do início da BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa, em que a AHRESP tem sempre uma presença muito marcante. O que é que está previsto para este ano?

Nós pomos sempre o foco no que é mais diferenciador. Nós representamos o alojamento e a restauração e na BTL não faltam espaços para divulgar essas duas áreas. Não há tanta divulgação da gastronomia pura e dura e portanto, o que procuramos fazer é associar tudo isto. Já o fizemos o ano passado, correu muito bem e vamos repetir.

Portanto, vai ser um stand sempre em movimento.

Sim, com vários "chefs" a fazerem degustações e a apresentarem produtos. O nosso objetivo é potenciar dois grandes projetos que temos à volta da gastronomia: o Seleção & Vinhos e o Taste Portugal.

Vamos estar na BTL a promover estes dois programas, mas também a falar de tudo aquilo que temos feito nas áreas do alojamento e restauração. Temos vários programas a decorrer, sobretudo para o Alojamento Local, que são empresários mais pequenos, com mais dificuldades e mais desacompanhados.

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  • Sara
    21 fev, 2023 Lisboa 18:51
    Imigrantes para vocês encherem os bolsos, pagarem o devido por um trabalho a um português jamais, as empresas que continuam a potenciar este tipo de ordenados não pagando o justo e preferido assim os imigrantes deviam deixar de exercer actividade, se estão em Portugal é para Portugal querem dar trabalho a outros que coitados nos países deles não há trabalho, então vão para os países desses imigrantes, abram lá os hotéis e restaurantes, emigrem vocês

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