16 fev, 2023 - 23:59 • Ana Carrilho
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Os resultados do turismo bateram as melhores expetativas para 2022 e 2023 está a começar bem, mas as empresas ainda precisam de mais anos como este e apoios para recuperar dos efeitos da pandemia, diz o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP).
Em entrevista à Renascença, Francisco Calheiros afirma que a indecisão sobre o novo aeroporto de Lisboa está a custar quase 700 milhões à economia nacional e pede urgência ao Governo.
Cada vez vamos tendo mais dados que nos permitem afirmar que 2022 – ao contrário do que se previa – foi realmente um bom ano turístico. Já se sabia dos 22 mil milhões de receita e agora o INE revelou que só alojamento faturou mais de cinco mil milhões. 2023 também parece que começou bem. Subscreve a ideia que o Presidente da República deixou de que não há razão para não nos preocuparmos com o turismo, que está em velocidade de cruzeiro?
Eu acho que é importante reafirmar esses dados. 2019 foi o nosso melhor ano e a partir daí entrámos em pandemia e o setor do turismo foi claramente o mais afetado de todos, com quebras muito relevantes: mais de 60% em 2020 e 46% em 2021. E quando se falava de recuperação – ou seja de atingir os dados de 2019 - as previsões apontavam para 2023, 2024 ou 2025.
O ano de 2022, poderia rotulá-lo como “O ano do sorriso”. Em 2020 ou em 2021, ninguém poderia imaginar que em 2022 conseguíssemos atingir e até ultrapassar os volumes de 2019. Aliás, deixe-me salientar que Portugal foi o único país da Europa que conseguiu recuperar os dados de 2019 e por isso, estamos todos de parabéns.
É uma ótima notícia, mas eu nunca me canso de explicar que tivemos dois anos muito difíceis e portanto, ainda precisamos de mais alguns como este para que as empresas se possam capitalizar e voltar à boa saúde financeira que tinham em 2019.
Até porque falta saber qual é o resultado líquido. Vai ser positivo?
Sem querer estar a fazer de bola de cristal, eu diria que os resultados de 2022 vão ser extremamente positivos para as empresas. Vai ser uma recuperação financeira, boa para a tesouraria, para a sua situação patrimonial, mas ainda não chega para cobrir os prejuízos que tivemos.
E teme que a quebra de rendimentos que se faz sentir em Portugal e também noutros países, especialmente europeus, tenha repercussões nas escolhas de lazer, como o turismo?
Quando se fala de 2023, tenho dito que só há uma certeza que é a incerteza. Continuamos com esta guerra inacreditável que está a fazer um ano e com todas as consequências que tem agravado, quer no sentido do aumento dos combustíveis, da energia, nomeadamente da inflação e das taxas de juro. Por isso o que diz – e bem – é uma preocupação. O menor rendimento das famílias, como é que irá afetar a decisão de fazer férias ou não.
De qualquer maneira, deixe-me dar-lhe duas notas: Primeiro, ao compararmos o ano 2023 com 2022, vamos comparar o primeiro trimestre onde ainda estávamos de alguma forma sob o efeito da Covid. O primeiro trimestre não é o mais forte do turismo, mas nada como arrancar bem. Inclusive, tive acesso aos dados do movimento dos aeroportos em janeiro e subiu mais de dez cento em relação a 2019.
Há uma grande incerteza, mas acho que há condições para que em 2023 se repita 2022.
Um novo recorde?
Não, igual a 2022. E se assim for, acho que poderemos continuar com o sorriso do turismo.
Em entrevista à Renascença, presidente da Confeder(...)
E as expectativas ainda poderiam ser melhores, na sua opinião, se o problema do novo aeroporto já estivesse resolvido. Aliás, o contador da CTP está quase em 700 milhões de euros que já se perderam com a indecisão. Como é que está a ser calculada essa perda?
O aeroporto é uma questão que eu já nem sei rotular. Já lhe pus todos os adjetivos possíveis, de vergonha. Enfim, tudo o que é possível. Há inúmeros problemas do setor do turismo e não os podemos resolver todos. A situação do aeroporto não vai impactar em 2023, vai impactar em todos os anos que aí vêm, pelo menos nos próximos cinco. Há uma questão muito clara: os turistas não têm onde desembarcar.
Além de que as obras do Aeroporto da Portela, que deviam ser feitas para reduzir essa pressão, tanto quanto sei, ainda não começaram.
As obras do aeroporto da Portela são fundamentais, mas deixe-me chamar a atenção para o seguinte: vão facilitar, digamos assim, a melhor performance desse mesmo aeroporto, não vão aumentar a capacidade.
Mas para responder à sua pergunta do contador, o que nós tentámos fazer o ano passado foi não entrar na discussão de a localidade do aeroporto.
O que nós fizemos, com a [consultora] Ernst &Young foi um estudo muito profundo, envolvendo todos os stakeholders (aeroportos, companhias aéreas, centrais de reservas, agências de viagens, hotelaria), para ver exatamente o que estávamos a perder.
Dizer “todos os dias” é um exagero, mas estamos frequentemente a recusar slots. Ou seja, estamos a recusar voos para Lisboa por falta de capacidade.
Sabe-se, em média que avião é que voa, quantos passageiros tem; quanto é que gasta, em média, cada estrangeiro em Portugal, até temos isso tipificado por nacionalidade.
presidente da Região de Turismo do Alentejo
Em entrevista à Renascença, o presidente da Região(...)
E foi esse estudo, feito durante seis meses que, no final, apresentou quatro cenários: dois numa perspetiva de recuperação mais lenta e dois numa perspetiva de recuperação mais rápida. O que está em cima da mesa é se temos uma estrutura aeroportuária daqui a quatro-cinco anos ou daqui a dez- doze anos.
O contador que pusemos é na melhor perspetiva ou a menos má, como se quiser chamar. Ou seja, se se decidisse hoje para acrescentar o Montijo, que é a situação mais rápida, o país já estava a perder quase 700 milhões de euros e mais de 20.000 postos de trabalho.
A decisão é política, para quê tantos estudos?
Neste momento, como sabe, há uma comissão de avaliação que está a estudar as várias hipóteses. Desde o início foram consideradas cinco alternativas, entretanto, já apareceram mais e estão a aparecer todos os dias. Cada vez que há uma nova, atrasa o processo.
E há outra questão que me preocupa. Nós, Confederação do Turismo, fazemos parte dessa Comissão de Acompanhamento e o que nos foi dito logo na primeira reunião é que a Comissão fará o estudo e a proposta, mas a decisão vai ser sempre política. Ora, se a decisão vai sempre ser política, porque é que vamos ter de passar por estes estudos todos? Não faz sentido. Acho que o turismo em particular, mas sobretudo o país, mereciam esta decisão.
O turismo tem sido o motor da economia– e não somos nós que o dizemos, é o INE, o Banco de Portugal, é o próprio Governo e a Oposição, a Comissão Europeia. Se atingimos o crescimento que atingimos o ano passado foi muito devido ao turismo e estar a coartar o seu crescimento por falta de decisão do aeroporto, é algo que, em nossa opinião, não faz qualquer sentido.
E na sua opinião, porque é que o Governo e António Costa não decidem?
É a pergunta do milhão de dólares. Era fundamental que houvesse uma decisão. O governo que está neste momento no poder tem maioria absoluta e, portanto, tem todas as condições para decidir.
E agora temos também a TAP envolta em grandes polémicas, mas com a certeza que vai ser reprivatizada. Deve ser a 100% ou o Estado deverá manter uma percentagem? E qual seria a razoável?
Eu tenho de começar por fazer uma declaração de interesses: eu sou um fã da TAP e por isso, provavelmente, a minha análise informará um pouco desta minha simpatia pela companhia aérea nacional. Nas minhas anteriores funções fui o maior cliente da TAP durante muitos anos e é difícil ver uma empresa que tenha sido tão maltratada por toda a gente.
Não é fácil gerir uma empresa que um dia é estatal, no dia a seguir é privatizada, a seguir a ser privatizada leva com uma pandemia e há quase um ano, com uma guerra. A seguir é anunciada a sua reprivatização e temos não sei quantas greves e um Plano de Reestruturação que demorou meses a ser aprovado em Bruxelas.
Em relação à privatização, é essencial que algumas questões fiquem previstas: Desde logo, o hub de Lisboa é fundamental, a questão das ilhas e do nosso mercado da diáspora.
É preciso estar dentro da negociação e perceber o que o comprador quererá ou não. Acho que é muito difícil uma companhia da dimensão da TAP sobreviver sozinha no futuro. Cada vez mais as global aliances estão a impor-se no mercado e na Europa temos três: O Grupo IAG, o KML/Air France e a Lufthansa. Portanto, acho difícil que uma companhia como a TAP, de um país pequeno periférico não tenha de estar inserida numa destas alianças globais.
O Estado deverá ficar ou não com uma cota, golden share? Depende. Se isso ajudar à privatização, seja ficar com a quota, seja privatizar a 100%, que seja. Acho é que, de uma vez por todas, teríamos de ter uma solução definitiva para a TAP porque a companhia, no passado, já deu provas que funciona.
A TAP é boa e já provámos que consegue dar a volta. Veja-se que segundo o que está anunciado, já em 2022, a TAP consegue dar resultados positivos. É com tudo o que a TAP tem passado, ainda consegue estar aqui e ser importantíssima para o turismo português. Portanto, o que eu desejo para a TAP é que se faça uma boa negociação porque a TAP é viável.
A questão do hub é muito importante. Aqueles três grupos também determinam o que é lhe pode acontecer.
Eu acho que que quem comprar a TAP vai querer manter este hub. Por esta questão periférica, mas também porque estamos mais perto da América. Não é fácil ou mesmo, eu diria, impossível a muitos países ou a muitas cidades do Brasil, quer da África, quer dos Estados Unidos, pela sua localização geográfica, fazer uma rotação diária, ir e vir no mesmo dia. Se formos, por exemplo, para o norte da Europa, essa situação já não é tão fácil porque estamos a mais de duas horas de caminho. Isto é uma situação real.
A TAP é a companhia que mais voou para o Brasil. Na gestão de Fernando Pinto - justiça seja feita - ele criou uma situação no Brasil com uma quantidade impressionante de voos em que se podia ir a segunda vir à terça, entrar pelo Rio, sair por S. Paulo, ir por Recife, voltar por Salvador, com uma grande quantidade de oferta. E era mais fácil para os clientes europeus viajarem através da TAP. Foi a altura em que mais brasileiros conseguimos ter em Portugal e a mesma história se repete com os Estados Unidos.
Praticamente não tínhamos voos para os Estados Unidos; hoje temos dezenas/semana. E se for ver as estatísticas, por exemplo aqui na Região de Lisboa, o turismo americano é, de longe, o que mais cresceu. Turista que todos os países querem: primeiro, porque tem uma pernoita maior e depois, porque é o que tem maior gasto médio. Era fundamental não perdermos esse hub.
E em relação aos outros mercados que é preciso ainda captar, onde é que a promoção de Portugal tem de investir mais para trazer turismo de valor acrescentado?
O maior mercado, daqui a uns anos, obviamente, vai ser o chinês. Vamos imaginar que uma companhia aérea chinesa queria começar a voar duas vezes por dia para Lisboa. Não pode, não há slot, não há onde aterrar.
Nós estamos muito sintonizados com o Turismo de Portugal e esse esforço de promoção tem sido feito nos últimos anos. Independentemente dos mercados tradicionais inglês, alemão, francês, italiano, as grandes apostas que surgiram foram exatamente o Brasil, Estados Unidos e Canadá. Ou seja, destinos de longa distância em que a pernoita é maior. Porque um turista dormir sete noites ou sete turistas dormirem uma noite parece que é igual, mas não é.
A aposta nos Estados Unidos tem sido um sucesso. Aquilo que se fez no fim do ano com o Ronaldo em Times Square foi extraordinário. O aumento de turistas americanos nos últimos meses é impressionante.
Sente-se desiludido com este governo, com a falta de decisões de que falou há pouco? E por outro lado, por fazer tábua rasa do que se discute e aprova na Concertação Social?
Quando saiu o resultado das eleições até houve quem não concordasse com o meu discurso da altura, mas acho que era o que fazia sentido. Ou seja, temos um partido com uma maioria absoluta; para mim é um sinal de grande estabilidade. Temos um governo que, ao contrário dos outros que governam quatro anos, irá governar qualquer coisa como quatro anos e dez meses por causa das eleições serem em outubro. E um governo com acesso a fundos como nunca houve. Na minha modestíssima opinião, no princípio do ano isto era a fórmula ideal para que as coisas corressem bem.
Passados menos de um ano, o que é que nós assistimos? Não vale a pena falarmos dos casos e dos casinhos, mas há que apontar que eles existiram e também atingiram o turismo com a substituição da Secretária de Estado.
São situações que obviamente atingem os vários sectores de atividade e, por exemplo, no que diz respeito aos fundos, o PRR é uma questão que está manifestamente atrasada, por mais que digamos que vamos fazer. Eu aqui vou seguir a opinião que o Presidente Marcelo também expressou: é completamente diferente, que o dinheiro entre na economia hoje ou que daqui a dois anos e portanto, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência tem de ser acelerada.
Por exemplo, as questões da capitalização das empresas estavam previstas no PRR. Há dias houve uma reunião da Comissão de Acompanhamento e no Relatório diz: medidas de apoio à capitalização – situação crítica. Não há pior classificação. A questão das agendas mobilizadoras também necessita de acompanhamento. A nossa Agência Mobilizadora do Turismo foi apresentada há meses e só esta semana é que foi assinada. A gestão hídrica no Algarve, fundamental para o turismo, é outra questão que precisa de muito acompanhamento.
Quando falamos e comentamos a burocracia do Estado, isto não é um papão, é uma realidade. Os processos são lentos.
Governo fez ponto de situação do Plano de Recupera(...)
O Governo desvaloriza a Concertação Social?
Em relação à Concertação e à Agenda do Trabalho Digno, o Conselho Nacional das Confederações Patronais pediu audiências ao Presidente da República e ao primeiro-ministro para explicar a nossa posição. Já fomos recebidos pelo Presidente e em princípio, reuniremos com o primeiro-ministro na próxima semana.
Em relação à Agenda do Trabalho Digno, foi algo que nunca tinha visto, levou a que as confederações patronais suspendessem a participação na Concertação Social. Temos a perfeita noção que o Parlamento é que é o órgão que delibera, mas ou existe concertação social ou não. E eu acho que ela é fundamental, como já se provou no passado, por exemplo, no período da Troika.
A verdade é que esta Agenda - que começou mal, não sei se hipotecada, se exigida pelo Bloco e pelo PCP - trazia bastantes problemas às empresas, razão por que não assinámos. Mas o pior foi que a seguir apareceram novas situações completamente fora da Concertação Social e que foram diretamente para o Parlamento. Estou-me a lembrar da questão da arbitragem, do reposicionamento do pagamento de horas extraordinárias e dos alargamentos, das compensações por cessação de trabalho. E suspendemos a participação.
O primeiro-ministro pediu esculpas publicamente às entidades patronais, depois precipitou-se a queda do governo, eleições e novo governo com maioria absoluta, com condições para haver estabilidade política.
A agenda do Trabalho Digno foi novamente para o Parlamento e ainda se acrescentaram mais medidas. Independentemente da bondade ou não dessas medidas – e foram várias – convinha tê-las levado à Concertação Social, o que não aconteceu.
Em entrevista à Renascença, a vice-presidente da A(...)
Relativamente ao Acordo de Rendimentos e Competitividade, foi muito discutido na Concertação. As entidades patronais deram um sinal de maturidade e assinámos esse acordo de Legislatura, até 2026.
Concordamos que é fundamental aumentar os rendimentos, é fundamental aumentar os salários. Aliás, vi na comunicação social, com grande agrado, que o maior grupo turístico nacional (Pestana) vai ter como salário mínimo 1.000 € e portanto, isto é uma prova do que nós estamos a fazer. Aliás, se vir as estatísticas de 2022, os dois setores que mais aumentaram os salários foram o turismo e as tecnologias de informação.
Agora vamos ser claros: os salários não são aumentados por decreto, também cumprem a lei mais antiga da economia que é a lei da oferta e da procura. Para haver aumento de salários, tem de haver aumentos de produtividade, não podem estar desligadas.
Havia uma série de situações que ficaram desde logo previstas. Por um lado, o aumento do salário mínimo, que já está em vigor desde 1 de janeiro, mas também, por exemplo, o fim do FCT [Fundo de Compensação do Trabalho] a partir de janeiro. Acabou em janeiro, acabou em fevereiro? Será que vai acabar em março? Estamos a falar de um fundo que já todos estamos de acordo que não faz sentido e onde estão 620 milhões de euros parados na economia. Era importante que se parasse o desconto para o FCT que, como sabe, é 1% da massa salarial, o que é importante para as empresas.
Isso não foi feito, mas os aumentos, por exemplo, foram. E nesse sentido, achamos que aqui também no Acordo Rendimentos e Competitividade há uma série de situações que têm de ser aceleradas, porque não podem ser só as empresas a incorporar aquilo que estava no acordo.
Um dos problemas com que o setor – e não só – se debate é a falta de mão-de-obra. É preciso recorrer à imigração, mas parece que os imigrantes estão com dificuldade em chegar a Portugal, por causa da emissão de vistos. Sabe o que se passa?
É um problema de facto complicado e não há dúvida que precisamos de imigrantes. Mas eles precisam da nossa ajuda e temos de nos organizar.
Não vale a pena, seja dos países da CPLP, seja dos países da Índia, com quem estamos a fazer um protocolo. Não vale a pena, pura e simplesmente, pedir que venham se as coisas não estiverem minimamente organizadas, a começar no consulado; quando chegam, nos Serviços Estrangeiros e Fronteiras.
E depois temos o problema da habitação, que é real. As pessoas vêm para cá à procura de uma vida melhor e nós fomos um país de emigração durante dezenas de anos, portanto sabemos bem o que isso é. Esta situação tem de ser preparada para que se sintam inseridos na sociedade.
Espera que a Agenda para o Emprego que o Secretário de Estado do Turismo prometeu apresentar em breve dê resposta a essas e outras preocupações?
Eu tenho sensibilizado muito, incluindo na Concertação Social, para esta questão. Está identificado que precisamos de umas dezenas de milhar de pessoas para mão-de-obra. E temos o nosso inverno demográfico que não será resolvido nas próximas gerações. Então, preparemos as coisas para os ajudar a virem para cá.