15 fev, 2023 - 18:00 • Ana Carrilho
Cristina Siza Vieira manifesta um otimismo moderado em relação ao ano turístico de 2023. A guerra ainda não acabou e há pressões inflacionistas, que cortam o rendimento aos portugueses e assustam os alemães. Em entrevista à Renascença, a vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) revela que, apesar do aumento dos preços de bens e serviços no setor, o saldo vai ser positivo, embora mais para umas empresas do que para outras.
O grande drama continua a ser a falta de mão-de-obra e, ao contrário do esperado, não estão a chegar imigrantes dos países da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Uma grande preocupação, às portas da Páscoa e das férias de verão, sublinha.
O ano de 2022 foi muito bom, com uma grande recuperação depois de dois anos de pandemia. Já temos resultados em relação à receita turística: 22 mil milhões de euros e um novo recorde. Cristina Siza Vieira, já há uma noção do contributo da hotelaria para este resultado?
São sobretudo ótimas notícias para o país porque, quando falarmos de receita turística a crescer, falamos de um país que está mais robusto do ponto de vista da sua economia e daquilo de que ela depende e muito, que é o turismo. Significa que o turismo voltou em força.
Também na hotelaria, os indicadores são muito positivos. Tivemos um crescimento das receitas também, porque o RevPAR [receita por quarto disponível] subiu. Não temos ainda os resultados nas empresas. Sabemos que uma parte importante se deve à inflação, que em 2022 fechou a 7,8%. Portanto, as empresas viram -se forçadas a aumentar todos os seus produtos, bens e serviços na justa medida em que tiveram de incorporar estes custos da inflação. Os salários também subiram, a logística, as comidas e bebidas, os custos de manutenção, a energia. Portanto, naturalmente, há uma parte muito importante desta subida de preços que se deve a estes custos.
Mas será que vai haver um saldo positivo?
Estou em crer que sim, mas não é igual em todas as empresas nem em todo o país. Em janeiro, o governador do Banco Portugal, numa apresentação que fez no Algarve dizia que a situação financeira do setor é mais frágil e a produtividade mais baixa quando comparada com o total da economia. Isto porque o tecido económico é maioritariamente composto por pequenas, médias e até microempresas.
É evidente que aqui está tudo agregado e o turismo é um bolo muito grande. Devíamos desagregar restauração e dentro da restauração, a meu ver, ainda a restauração coletiva que não tem nada a ver com a restauração turística. E ainda o subsetor hotelaria, porque de facto o tecido económico é diferente.
É importante referir que o INE [Instituto Nacional de Estatística] nestes resultados também dá nota que em dezembro, pelo menos 32% das unidades hoteleiras estiveram encerradas. Há que descascar um bocadinho melhor os números.
E justifica-se que tantas unidades hoteleiras estivessem fechadas? É expressão da sazonalidade?
É essa a questão. Porque é que estiveram 32% encerradas em dezembro? Atenção, que eu não sei o total do ano. Há uma parte que até pode ser férias do pessoal; há outra que ainda não recuperou da Covid e saiu do mercado. Porque é que saíram, foram adquiridas por outrem? Há realmente um mercado muito dinâmico e uma procura muito grande por unidades hoteleiras. E se vão reentrar no mercado, onde é que estão? Que tipologia? É preciso perceber melhor.
Por outro lado, há muitas assimetrias regionais. Nem todo o país teve o mesmo crescimento, o próprio INE o diz. Por exemplo, a Região Centro não teve estes resultados espantosos e as dormidas de não residentes ainda ficaram 13,1% aquém das dormidas de 2019.
Isso tem a ver com a grande dependência que o Centro tem de Fátima e com o facto dos peregrinos de mercados longínquos ainda não terem regressado?
Precisamente. De facto, na região Centro, que tem 100 municípios, um deles - Ourém, mas que é Fátima - representa em termos de turismo internacional 20-25%. E como dizia, a dependência é muito grande. O mercado do turismo religioso, sofreu o impacto mais forte de todos, a par com o turismo de negócios. E depois – como todo o Portugal, é muitíssimo dependente do transporte aéreo. Claramente a Região Centro/Fátima não recuperou. Valeu muito o turismo interno.
Por outro lado, registam-se os maiores aumentos no Porto e Norte, Lisboa e Madeira.
A Madeira tem um crescimento espetacular nas dormidas e os Açores também tiveram um resultado muito interessante. Nós sabemos que durante a pandemia foi o mercado interno (residentes que não são apenas portugueses) que aguentou muita da nossa hotelaria. E curiosamente, em 2022, as dormidas de residentes subiram 8,6% relativamente a 2019. O que é muito interessante. Portanto, continuamos a ter uma capacidade de atração do mercado de residentes.
Então, o que falta para a região Centro recuperar?
Falta, efetivamente, recuperar os voos dos mercados de longa distância. Por exemplo, o mercado polaco tem estado a recuperar bastante bem e, como sempre, o nosso principal mercado é o europeu. E aqui a questão da conectividade aérea é fundamental. De facto, nós temos de agilizar, simplificar e tornar a experiência melhor, quer para quem nos visita, quer para quem quer promover novas rotas.
Efetivamente, é um bocadinho uma questão de tempo, na região Centro e no mercado religioso. É evidente que este ano temos um aumento de energia monumental com a Jornada Mundial da Juventude. Fátima fala por si, obviamente, está nos destinos top de turismo religioso em todo o mundo. Ainda assim, é sempre necessário promovê-la não apenas como destino religioso, mas como destino de cultura, de património, de natureza, etc. A diversificação é uma experiência que pode ser mais completa. A proximidade de Lisboa e de outras zonas do país, com muito património arquitetónico mas também gastronómico. Porque de facto, a Cultura está ligada à Religião e neste caso, Fátima tem muito para vender.
Associação da Hotelaria
Marcelo Rebelo de Sousa condecorou a vice-presiden(...)
E nestes resultados, qual é então o contributo destes mercados americano, canadiano, brasileiro, que são os novos mercados e que, pelos vistos, estão a regressar? Quer dizer, o americano a subir, o brasileiro a voltar e o canadiano é quase uma novidade, não é?
O brasileiro ainda não recuperou tudo. O americano, em 2021 já era o sexto mercado turístico de procura externa para o destino Portugal. E nessa altura, já se tinha registado um aumento de quase 150% no número de turistas e 65% nas dormidas. Nas receitas já se posicionava no 5º lugar, com uma cota de 5%. Lisboa é o principal destino turístico do mercado americano. Depois vão para o Norte, Algarve, Açores e Centro. É um mercado muito importante para nós hotelaria, porque 80% dos turistas americanos prefere ficar em hotéis e não noutro tipo de alojamentos.
E normalmente nos hotéis mais caros.
Exatamente, porque o dólar é forte. E portanto, em hotéis de 5 e 4 estrelas. É um mercado bastante grande para Lisboa e, portanto, também esse significado. Em 2022, o INE diz-nos que teve um crescimento espantoso, mais 327%. Tem um peso relativo de 7,5% e já estava a crescer. Em relação a 2019 cresceu 27% e portanto, é um mercado muito interessante. Mais uma vez, a conectividade aérea. As três principais companhias norte americanas abrem quase voos diários para Portugal, quer da costa Leste, quer da costa Oeste e de facto, não há outra maneira de cá chegarem.
Também com a TAP?
Também pela TAP. Há muito tempo que trabalha as rotas para os Estados Unidos, quando era pública, quando era privada.
Mas agora tem concorrência.
Agora tem a United Airlines, a American Airlines, tem a Delta. Houvesse mais slots e haveria, com certeza, mais voos para Portugal dos Estados Unidos. O Canadá também tem sido um mercado a crescer, mas não com a mesma pujança; ainda assim também é um mercado muito interessante.
Em entrevista à Renascença, o presidente da Entida(...)
E quais são as expetativas para este ano? Para a Páscoa já há muitas reservas?
Ainda não temos muito a noção, estamos a fazer o inquérito aos nossos associados, Balanço e Perspetivas e só lá para o início de março, lá pela BTL, é que conseguiremos ter alguma ideia.
Mas já há algum feedback?
Há um feedback, não sobre as reservas mas de como é que a operação está correr e quais são as perspetivas. É evidente que há nuvens no horizonte. Há um ano que estamos numa situação de guerra; andamos todos com um “ai Jesus” na boca à conta da inflação e das taxas de juro e dum espectro de recessão, apesar da maior estar afastada. Ainda assim, não há tranquilidade.
Depois há mercados fundamentais para nós, como o alemão, que é hipersensível a este tema: sempre que se fala em potencial recessão ou algum abrandamento económico, fecha imediatamente. Portanto, podemos ter alguns percalços ela frente.
No entanto, excluindo estes efeitos, com uma inflação relativamente controlada, com mercados como o britânico, que continua a ter uma excelente performance para Portugal, a nossa expetativa é que 2023 possa ser um ano igual a 2022. Embora também já tenhamos ouvido alguém recentemente dizer que há um abrandamento. Ou seja, 2022 foi o ano da explosão da procura comprimida e que de facto explodiu. É natural haver um abrandamento em 2023.
Quer dizer que não será outro ano de recordes?
De recorde, parece-me que não. Embora também já tenha ouvido o contrário, no sentido que a própria dinâmica de um verão marcado por alguns acontecimentos e mais uma vez, os festivais e a Jornada (Mundial da Juventude), podem favorecer um crescimento. Mas a expectativa é que seja, no máximo, igual a 2022. Se assim fosse, era excelente.
Teme uma retração dos turistas nacionais? As poupanças da pandemia já acabaram e o poder de compra, agora é menor.
Sim, mas por outro lado também captámos uma parte importante do mercado que viajaria para fora e que durante a pandemia descobriu um outro Portugal, até sofisticado e que repete a viagem. É um mercado que gasta mais.
O INE também revelou, no mesmo dia dos resultados preliminares do Turismo, os resultados do crescimento do PIB e há um crescimento generalizado em várias áreas económicas e os salários também sobem. Evidentemente, temos a subida das taxas de juro no crédito à habitação, mas ouvidos os bancos, eles têm dito que não há uma grande pressão. Também não sabemos muito bem como é que isto vai estabilizar. Eu acho que só no final deste primeiro trimestre é que poderemos ver se essa questão do crédito à habitação tem impacto neste tipo de opções das famílias portuguesas. Por enquanto, a expectativa é a de que o mercado nacional possa, de facto, ter algum abrandamento, mas com uma compensação do mercado internacional.
No início de agosto temos a Jornada Mundial da Juventude. Já se sabe que está tudo reservado na Área Metropolitana de Lisboa e Fátima. Não para os jovens, mas para a organização, membros da Igreja, comunicação social, etc. Os preços subiram muito para aqueles dias?
É importante dizer que hotéis, hotéis-apartamentos e pousadas, no concelho de Lisboa existem 257. Qualquer coisa como 24.000 quartos; na melhor das hipóteses são 60.000 camas. Na Área Metropolitana de Lisboa, temos 378 alojamentos, cerca de34.000 quartos com 80.000 camas. Mesmo que juntemos os 26.000 alojamentos locais registados, ficará muito aquém das necessidades. E, portanto, aqueles que procuram hotéis, hotéis-apartamentos e pousada já o fizeram já o fizeram com grande antecedência.
A ideia é que os preços dispararam.
Não acredito que tenham disparado. Primeiro porque as reservas já foram feitas há muito tempo. Para ter uma ideia, nós (AHP) reunimos com D. Américo no início de fevereiro do ano passado e portanto, quem sabia que vinha, tratou logo de reservar; outros, foram reservando. Em 378 hotéis, hotéis- apartamentos, etc, os preços que na altura não estabilizaram foram subindo por efeito da pressão do mercado. Como tudo na vida, como em qualquer outro evento.
Tem dito que ainda há muitas empresas do setor em dificuldades depois da Covid-19. Têm estado a aceder aos apoios que o Governo disponibiliza ou continua a haver um excesso de burocracia?
Bom, como sabe, foi agora aberto uma nova linha de 70 milhões de euros, só para as PMEs, para quem ainda tinha dívida a pagar. Admito que tenha havido recurso a esta Linha. O Banco de Fomento também abriu ou vai abrir uma linha para quem está com dificuldades na resposta aos custos de energia, logísticas e abastecimento. Mas ainda é cedo para saber como está a correr.
Uma certeza é a falta de mão de obra no setor, é o grande drama.
Mais uma vez, não é só no nosso setor e no nosso país; é em toda a Europa Ocidental e temos aqui um problema muito sério com que toda a Europa se tem de debater. Se não fossem os imigrantes, não sei como é que conseguiríamos prestar o serviço. Ainda não estamos a ver resultados dos acordos celebrados no âmbito da CPLP para uma facilitação dos vistos de trabalho.
Hora da Verdade
Em entrevista à Renascença e ao "Público", Carlos (...)
O que é que está a travar?
Não lhe posso dizer o que é que está a travar ou se inclusive, há algo a travar. Neste momento, pelo menos do que eu vejo nos nossos associados, não me parece que estejam a receber muitos trabalhadores destas comunidades, sobretudo daquelas com que já se fizeram os acordos e em que era suposto estar tudo mais agilizado. Não sei se ainda se passa algo a nível consular, ou se a articulação das empresas que foram fazer algumas apresentações não deu frutos. É algo que está na nossa agenda, brevemente, para medirmos o pulso aos acordos da CPLP.
Até porque o facto dessas pessoas não chegarem vai certamente dificultar a atividade. A Páscoa está aí e logo a seguir, o verão. E têm de ser preparadas. Como é que se presta um bom serviço se não há mão-de-obra suficiente?
Esse é o ponto crítico, mais do que o hardware, mais do que do que o estado das nossas instalações, é o serviço. É que efetivamente, a experiência e a qualidade da experiência é o mais palpável, aquilo que apreciamos. E de facto, não é apenas na hotelaria, mas na hotelaria, é crítico.
O ano passado até ouvimos vários casos, absolutamente de rutura. Por exemplo, no housekeeping porque não era possível assegurar a limpeza e a manutenção dos quartos em condições. Mas não é só isso, depois tudo atrasa, no abastecimento no serviço de refeições e bar, nas cozinhas, com tudo atrás. É um mau serviço que é muito difícil de compensar enquanto houver algum problema de estrutura.
Ou seja, para prepararmos para o verão temos de recrutar e depois a formar as pessoas, porque umas terão formação específica, mas falta-lhes a escola da casa, digamos assim. Outros nem formação específica têm.
O secretário de Estado do Turismo prometeu, para breve, uma Agenda para o Emprego.
Venha essa Agenda porque é evidente que nós precisamos de ter mais fatores de atração para a nossa área. É uma parte importante. Ou seja, as empresas podem oferecer melhores condições quando o custo de trabalho, por exemplo, não tenha a carga que tem hoje.
O acordo de médio prazo de rendimentos e competitividade, assinado na Concertação Social, estabelece contrapartidas: as empresas garantem um aumento salarial entre 2023 e 2026 e muitas outras medidas na ótica dos rendimentos dos trabalhadores, mas com compromisso do Estado aliviar uma série de custos que estão associados ao peso que o aumento de salários e destas vantagens para os trabalhadores trazem para as empresas.
É por isso que é necessário atualizar o valor de isenção do subsídio de alimentação, que é preciso aumentar a progressividade do IRS para que o desagravamento fiscal sobre os rendimentos trabalho aconteça e a pessoa, com o aumento não suba de escalão. Enfim, há uma série de medidas que estão previstas Acordo e que têm que ser cumpridas para levarem as empresas a valorizar os recursos humanos por via das melhorias salariais.
Em entrevista à Renascença, Cristina Siza Vieira e(...)
Queria ainda pegar aqui numa questão que tem a ver com as taxas turísticas. A AHP não gosta mas os municípios do Algarve preparam-se para avançar com uma taxa turística a partir de 2024. E ao que parece, há um consenso entre as autarquias, a Região de Turismo e as duas principais associações hoteleiras. Como é que vê esta situação?
No caso das associações, não sei se foi de consenso, se de conformação.
O objetivo é que uma parte sirva para criar um fundo para o desenvolvimento do Turismo.
Eu acho que estamos aqui a cavalgar uma onda um bocadinho absurda, porque as taxas turísticas existem noutros países e noutros destinos onde há pressão turística, nomeadamente nas cidades.
No Algarve também há uma grande pressão turística.
Não é em todas as zonas. Sagres não tem a mesma pressão que Albufeira, que tem Tavira ou Olhão e outras regiões. De qualquer maneira, já se banalizou. É um meio fácil e errado porque a taxa turística era uma forma de contrabalançar a pegada turística. Nalgumas cidades fará sentido se tiver retorno para o turismo.
Como é que se prolongam as estadas? O mercado americano é muito interessante porque é de estadas longas.
Com certeza que não é a taxa que os vai inibir.
Não, é isso que estou a dizer. Se for para converter as viagens, mesmo na Europa em viagens mais longas porque há atrativos, justifica-se. Por isso é que Lisboa é uma experiência muito interessante. Há um Fundo de Desenvolvimento Turístico em que a taxa é alocada a investimentos no Turismo. Não serve para outras coisas. Tem situações de exceção em freguesias onde o turismo é de tal maneira pesado que foi preciso, por exemplo, reforçar a recolha do lixo, mas na maioria dos casos é para criar novos interesses, novas experiências, novos museus, novas rotas.
Não sei muito bem o que é que vai acontecer no Algarve, parece-se que é uma medida que é tomada “porque sim”. Trabalhou-se para que se usasse um bocadinho o modelo de Lisboa, de alocar a um Fundo em que 10% é para promoção internacional, que a Região de Turismo já faz e, portanto, também se reforça. Não sei bem o que é que vai acontecer no Algarve.