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Inflação quando nasce não é igual para todos. Sete razões para os pobres sofrerem mais

05 set, 2022 - 06:30 • João Carlos Malta

O Governo vai apresentar esta segunda-feira um pacote de medidas de combate à inflação que, apesar de ter recuado em agosto, se mantém nos 9%. Há muitas dúvidas de como o executivo vai construir um "mix" para combater a escalada de preços, mas há certezas entre os economistas sobre quem mais perde.

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A inflação não tem o mesmo peso para todos e não atinge todos da mesma forma. É, em muitos casos, quase uma experiência pessoal, mas também há tendências que dividem os vários grupos socioeconómicos. Os pobres também neste domínio são os que mais perdem.

As experiências das pessoas com o aumento dos preços dependem de onde vivem, quanto ganham e como gastam.

Em abril, um estudo de um grupo de economistas da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), liderado por Susana Peralta, agrupou três categorias de consumo (produtos alimentares, habitação e transportes), e chegou à conclusão de que seria necessário transferir entre 220 euros e 545 euros por ano para cada agregado dos 20% mais pobres em Portugal, de forma a colmatar o aumento dos preços nestes bens.

Em resumo, os economistas são consensuais em dizer que as famílias com mais rendimentos sofrem menos inflação do que as famílias pobres. Mas porquê?

1 - Consumo pesa mais nos mais pobres

O consumo das famílias pobres, em termos de percentagem do seu ganho e do seu rendimento, pesa muito mais do que numa família rica, avança o economista da Porto Business School, Filipe Grilo.

“Pensamos, por exemplo, no pão. Não é por ganharmos 1.000 euros ou 5.000 euros que comemos mais pão. Portanto, o pão acaba por ter um peso maior nas famílias mais pobres do que nas das famílias mais ricas”, ilustra.

Em abril, Susana Peralta dizia que, se olharmos para alimentos como o pão e os cereais, as famílias que incluem os 20% mais pobres do país gastam 17% da sua despesa em alimentação apenas nestes dois itens (5% do orçamento familiar global). Nos mais ricos, o peso é de apenas 3,6%.

2 - Sem energia não há vida

A economista Susana Peralta, professora da Nova SBE, afirma que as pessoas “não podem viver sem energia”. Não há como fugir.

E como recebem menos, para os mais pobres é mais difícil de acomodar as subidas de preço.

3 - Sem margem de ajustamento

Susana Peralta afirma que, em geral, a inflação tem um efeito que é desigual do ponto de vista social, porque “há uma margem de ajustamento que as pessoas mais ricas têm e que as pessoas mais pobres não têm”. A isso chama-se poupança.

“As pessoas mais pobres não poupam e até têm, em muitos casos, poupança negativa”, sublinha.

4 - Descer na escala de preços

As famílias com maior rendimento podem começar a comprar versões mais baratas dos bens mais caros quando os preços sobem, e assim acomodar as subidas. Por outro lado, as famílias pobres, como presumivelmente já compram os itens mais baratos, não têm como gastar menos.

Ou seja, se eu beber o leite A, posso passar para o B mais barato. Se for pobre, à partida, a única solução é deixar de o beber.

“Os ricos conseguem ter maior capacidade de substituir os bens, baixando um bocadinho os standards na qualidade”, afirma Filipe Grilo.

Ou, como diz Susana Peralta, “as pessoas que têm padrões de consumo mais sofisticados conseguem também ajustar por aí, indo a marcas mais baratas”.

5 - Pobres consomem o essencial, e não têm margem

As famílias pobres gastam cerca de dois terços do que ganham alimentação, transporte, renda de casa, serviços públicos e comunicações. São dimensões de consumo a que não podem fugir, mesmo que os preços subam.

Em contraste, as famílias das classes mais abastadas gastam mais dinheiro em coisas que não são essenciais. Por isso, e de forma a fugir à inflação podem parar de comprá-los se os preços ficarem muito altos.

6 - Peso da casa

O peso dos gastos com habitação é também mais pesado para os mais pobres do que para os mais ricos, pelo que qualquer aumento se repercute de forma desigual.

Os custos das casas aumentaram acentuadamente desde a pandemia e os empréstimos estão agora mais caros, tornando a compra de casa inacessível para muitas famílias.

Como os possíveis compradores não podem adquirir casas, os proprietários passam a alugá-las. Um dos efeitos pode ser o aumento das rendas. Ora quem arrenda é normalmente quem menos dinheiro tem.

Por outro lado, os proprietários veem as casas aumentarem de valor e, muitas vezes, desfrutam de uma barreira às variações da inflação, porque muitos refinanciaram os empréstimos em 2020 e 2021, quando as taxas estavam mais baixas.

7 - Classe média baixa sofre

A classe média baixa pode em algumas circunstâncias ser quem mais vai sofrer.

“Vão ter muito mais dificuldades do que as pessoas mais pobres, porque as pessoas mais pobres já estavam qualificadas para ter um apoio total. A franja da classe média baixa, que poderá ter ainda mais dificuldades, poderá ser arrastada para o limiar da pobreza por causa da inflação”, avança Filipe Grilo.

O preço do pão não para de subir. A inflação explicada em regueifas
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  • Habitação
    06 set, 2022 Portugal 18:01
    A Habitação é um problema gravíssimo em Portugal. O maior problema dos portugueses. O mais fundamental. Raíz de quase todos os outros. Falta de estrutura, diminuição da natalidade. Desumanização. Desestruturação social e familiar. Gostaria de ver alguma força política e civil, e comunicação social seriamente empenhadas na resolução desta catástrofe.

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