Madalena Godinho Ramos. A portuguesa que a Forbes aponta como promessa das Finanças

27 mai, 2021 - 23:00 • António Fernandes , correspondente em Londres

Madalena Godinho Ramos vive em Londres e gere investimentos de muitos milhões. É um dos 30 nomes com menos de 30 anos mais promissores na área financeira destacados pela reputada revista Forbes. O regresso a Portugal não está nos planos no imediato. Mas ficar em Londres por quase nove anos também não estava.

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Eu era francamente mau aluno a Matemática, a Ciências, a Físico-Química. Quis a sorte, ou o destino, que a Madalena se sentasse à minha frente nas aulas e preenchesse os testes de uma forma que eu conseguia perceber pelo canto do olho.

A Madalena é Madalena Godinho Ramos, um dos 30 nomes com menos de 30 anos mais promissores na área financeira destacados pela reputada Forbes, na Europa, e lembra-se que as notas dos alunos à sua volta “subiam milagrosamente”. É para saber como foi de um ponto ao outro que falámos.

Na escola tinha dúvidas sobre se seguir Ciências ou Economia, percurso que os pais tinham feito: a mãe trabalhava num banco e o pai geria o próprio negócio. Quando a irmã mais velha seguiu para Medicina isso “acabou por me demonstrar que não era aquilo que eu queria”.

Existia uma paixão pelos números, pela Matemática e um interesse pelos negócios e já “gostava de tentar entender o que o meu pai fazia na altura e o que envolvia gerir o negócio”. Com as contas todas a bater certo, Madalena seguiu para a Universidade Nova de Lisboa, onde estudou Economia. Ainda durante o curso fez dois estágios, incluindo na empresa de consultoria McKinsey onde experimentou o caminho que “achava que ia seguir enquanto carreira”.

Apesar de lhe ter sido oferecido emprego, depois de acabar o estágio optou por mudar-se para Londres para fazer um mestrado. A ideia de estudar no estrangeiro já vinha de trás e tinha sido adiada da licenciatura para o mestrado, especializado em Finanças na Imperial College. O “bichinho” das Finanças começou no último ano do curso e não abrandou no mestrado.

Madalena chegou a Londres com planos para regressar a Lisboa ao final de um ano. Mas ainda antes de começar o mestrado teve um mês de preparação para o mercado de trabalho, porque “em banca o processo de entrevistas começa assim que se começa o mestrado” e isso quer dizer começar o mestrado em outubro enviando logo currículos para ter uma entrevista em dezembro.

E, de repente, “comecei a pensar: já que estou cá em Londres, se calhar gostava de fazer um estágio em banca de investimento”. Pensou e candidatou-se. Só que em vez de estágio foi-lhe oferecido um trabalho a tempo inteiro na multinacional americana Morgan Stanley e “então, logo em Dezembro, tive de decidir se queria fazer consultoria ou banca de investimento. E isso foi há nove anos, e nunca mais voltei [risos]”.

O que é, então, banca de investimento? Madalena explica: “Tipicamente fala-se em consultoria financeira, normalmente muito focado quando uma empresa quer comprar outra empresa, quando um fundo de investimento quer comprar uma empresa ou quando uma empresa quer ser listada numa bolsa. Esse é o tipo de consultoria financeira que existe na maior parte dos bancos de investimentos.” Mas no seu caso não foi sempre assim e na Morgan Stanley especializou-se em “aconselhar empresas com dificuldades financeiras ou à beira da falência, com o objetivo de tornar o negócio mais sustentável a longo prazo” com o objectivo de permitir que a empresa tenha “viabilidade e retenha os seus milhares de empregos”. No fundo, ajudar a resgatar empresas à beira do precipício.

Depois de sair da Morgan Stanley, Madalena juntou-se ao também americano Blackstone Group. Blackstone é um “fundo de investimento global que investe capital em nome de fundos de pensão, de grandes instituições, de indivíduos, com o objetivo de criação de valor a longo prazo”. Madalena trabalha na área de crédito e seguros, mas em vez de estar a aconselhar, como fazia na Morgan Stanley, está a investir numa empresa.

O processo de um investimento

Foi por esse trabalho de investimento, mais precisamente por estar envolvida numa transação de mil milhões dólares na Datasite, uma empresa “líder de 'data rooms' virtuais, ou seja, salas virtuais para guardar informação para transações”, que lhe valeu o destaque na edição europeia da Forbes. Em que consiste então esse processo de investir?

No caso de Madalena, estando na divisão de crédito isso quer dizer um empréstimo simples, como um banco faria, mas muitas vezes pode ser um empréstimo com investimento de capital próprio. Em comum têm serem “situações complexas, para os quais um banco típico não emprestaria”, ou seja, Madalena e a Blackstone surgem “quando o banco não está lá, seja porque o negócio é complicado, porque o investimento tem de ser feito muito à medida ou simplesmente porque o tempo disponível é muito limitado e o processo de bancos é um bocadinho mais demorado que o nosso”.

São situações complexas, que precisam de soluções rápidas. Mas os campos de ação variam muito. As empresas de portfólio de Madalena - aquelas em que já investiu - vão de produtos de consumo do dia-a-dia, de manufatura, produtos financeiros, ou empresas tecnológicas como a Datasite. Se por um lado pode ser um desafio conhecer as especificidades de cada área de negócio, por outro, com o tempo, Madalena diz que acaba por ganhar esses conhecimentos através de outros negócios.

Para além disso, procura sempre ver se “na Blackstone temos alguém que já tenha trabalhado em empresas semelhantes”, principalmente em setores muito técnicos é importante tirar “vantagens da plataforma que temos e das pessoas que temos na empresa”. Apesar de ser sempre preciso adquirir algum conhecimento técnico, de como a indústria funciona, para perceber como é que a empresa se pode desenvolver, há um aspecto que é comum a todos: “quando há uma oportunidade de investimento a forma como se analisa o negócio acaba por ser semelhante. Por exemplo, o aspeto comercial: quão forte é o modelo de negócio, qual é a sustentabilidade da indústria, quais são os fatores que poderão ter um impacto nessa indústria? E do lado financeiro, se gera lucro e o que eu acho que são as expetativas de performance da empresa”.

E como surgem as oportunidades de negócio? “Nós procuramos muito oportunidades de mercado, mas é uma combinação”. Por vezes encontra-se através de pesquisa. Depois há reuniões, contatos regulares. Muitas vezes uma empresa precisa de capital e "fala connosco via algum tipo de consultor, de banco de investimento com quem nós temos relações, e que nos liga com essa oportunidade”.

Oportunidades que chegam pelo próprio poder da marca, diz, mas também por manter contatos regionais pela Europa. “As pessoas ligam-nos e, às vezes, há uma oportunidade única”. Por mais que as reuniões se acumulem "é importante ter reuniões regulares com esses fundos de investimentos para que quando as oportunidades surjam eles se lembrem de nós."

Investir neste caso, claro, não é propriamente como estar na bolsa. É um trabalho que demora tempo. Um investimento pode ir de um a seis meses - caso do negócio Datasite - e nem todos vão do princípio ao fim. Até porque Madalena olha para vários investimentos ao mesmo tempo. Olhar é analisar o investimento, começando por “investigar, ler relatórios, ter um entendimento da indústria, ir a reuniões com a equipa de gestão, começar a preparar apresentações - todo este trabalho é feito em equipa.”

Uma equipa de três a quatro pessoas que lida com cada investimento de milhões e olhando para vários em simultâneo. Mas a análise não fica por aqui: também se vê quem são os concorrentes de mercado e “olhamos para o passado para perceber como pode evoluir no futuro, porque exemplifica como é que esse negócio reage a certo tipo de choques económicos, cíclicos e isso pode ter impacto quando analisamos o futuro da empresa.”

Um trabalho que pode ser exigente, principalmente quando “estamos prestes a fechar” um negócio, mas noutras alturas é preciso recuperar o fôlego porque, relembra Madalena, o mundo de investimento é uma maratona e não um sprint.

30 Under 30 da Forbes

Antes de a lista ser tornada pública, Madalena já sabia que estava nomeada para a lista dos mais promissores da Forbes. Essa nomeação é feita de forma privada e os nomeados notificados, tendo de responder a algumas perguntas. O destaque deixou-a feliz, mas tenta não pensar muito sobre isso, ainda que ache que possa ser “benéfico em termos de trabalho, de criar mais relações com outros nomeados atuais e futuros.”

Desde que se mudou para a Blackstone, Madalena começou como analista e é agora Principal, com três promoções e mais responsabilidade pelo meio. Na divisão onde trabalha, os investimentos variam entre os 100 milhões e mais de mil milhões, e o peso da responsabilidade desses montantes “sente-se sempre”. “Tenho plena noção de que quando estou a investir capital estou a investir capital que não é meu, é de empresas, de fundos de pensão, de indivíduos”. No final de um investimento “estamos felizes, queremos criar valor, mas há sempre um risco envolvido”.

O regresso a Portugal não está nos planos no imediato, mas, diz, ficar em Londres por quase nove anos também não estava. Deve, no entanto, permanecer por lá, até porque a paixão de Madalena pela banca de investimento não passou, e a City de Londres e o seu mercado financeiro continuam a ser o palco dos grandes investimentos. apesar dos receios criados pelo Brexit.

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