Restaurantes fechados, fruta por apanhar e obras por fazer. Falta de mão-de-obra ameaça economia

23 fev, 2022 - 06:30 • Henrique Cunha

Restauração, agricultura e construção são três setores de atividade que reclamam trabalhadores. A falta de mão de obra é mais um fator negativo a ter em conta na caminhada para uma retoma económica que se pretende duradoura.

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Os restaurantes que se dedicam à cozinha tradicional portuguesa estão em "grave risco de desaparecer" por falta de cozinheiros. A Associação Nacional de Restaurantes revela grande dificuldade de recrutamento de mão de obra, em particular cozinheiros e empregados de mesa.

Em entrevista à Renascença, Daniel Serra da, PRO.VAR - Promover e Inovar a Restauração Nacional, fala de uma "situação critica" e alerta para a necessidade de “se preservar a cozinha tradicional portuguesa”.

O responsável afirma que “o grande problema neste momento tem a ver com a cozinha tradicional portuguesa, dado que os restaurantes que são a base da nossa oferta em Portugal estão em grave risco de desaparecer por força de não existir mão-de-obra especializada, neste caso os cozinheiros”.

Daniel Serra admite que para “trabalhar na cozinha ou na copa como ajudante, que são atividades menos exigentes, normalmente os empresários vão procurando soluções fora do país e tem-se conseguido algumas soluções em países asiáticos”, mas relativamente à parte dos cozinheiros e dos empregados de mesa, que é uma atividade mais exigente, porque os cozinheiros têm que ter essa formação e essa responsabilidade, aí é uma situação crítica".

“Há muitos empresários que já estão a optar por alterar contratos de trabalho colocando esses trabalhadores na quota das empresas para os motivar”, adianta, antes de avançar com o alerta: “é absolutamente crítico um cozinheiro num restaurante, é preciso encontrar soluções e hoje são praticamente inexistentes no mercado”.

“Há aqui uma dificuldade tremenda, e muitos restaurantes estão fechados porque não existe este tipo de trabalhador que é fundamental para a casa, no caso o cozinheiro”, sublinha.


"Muitos restaurantes estão fechados porque não existe este tipo de trabalhador fundamental, o cozinheiro"

Por outro lado, Daniel Serra chama a atenção para um outro problema que, na sua opinião, pode “pôr em risco a cozinha tradicional portuguesa”. O responsável diz que, “perante as dificuldades, muitos empresários estão a abandonar esta atividade, e os restaurantes acabam por fechar, reabrindo mais tarde, mas com cultura diferente, de outros países e por vezes com apostas na fast-food”.

É por isso que Daniel Serra afirma que, neste momento, “a falta de mão-de-obra especializada, coloca em risco a cozinha tradicional portuguesa”. “Está em grave risco de desaparecer por força de não existir mão de obra especializada, neste caso os cozinheiros”, reforça.

Daniel Serra quer que se aproveite o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para se apostar na formação de novos cozinheiros. A ideia é “procurar pessoas no fim de carreira, perto da reforma e que possam aproveitar o seu tempo mais livre para formar novos cozinheiros e novos chefes, para não se perder esta cultura e esta identidade”.

“A cozinha portuguesa não é fácil e, se não houver este esforço por parte do Governo, vamos perder algo que é considerado património imaterial português, que é a gastronomia”, remata.

Construção procura 80 mil trabalhadores

No setor da construção faltam cerca de 80 mil trabalhadores. Os números são avançados pelo presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). Reis Campos garante que as necessidades de recrutamento do setor continuam a aumentar, e adianta que depois de 2019, em que se falava na necessidade de 60 mil trabalhadores, hoje apontamos para a necessidade de mais de 80 mil trabalhadores para o setor”.

“Não compreendemos que sendo hoje divulgado pelo INE que existem neste momento inscritos no Instituto de Emprego cerca de 356 mil trabalhadores, dos quais 30 mil são oriundos do nosso setor, possa existir esta situação em que há pessoas a querer trabalhar e as empresas continuem com problemas de falta de trabalhadores”, sublinha.

Reis Campos afirma que os problemas de falta de mão-de-obra criam problemas na concretização dos contratos, e na própria mobilidade dos trabalhadores.

O presidente da Confederação da Construção quer, por isso, que se aposte na reorientação da formação profissional e revela já ter dito “ao Governo que esta é uma oportunidade para o desenvolvimento da formação nesta atividade, potenciando a captação de jovens, promovendo a reconversão de alguns desempregados que são oriundos de outros setores e, por outro lado, é preciso ir buscar trabalhadores a outros países”.

Mas Reis Campos insiste em particular na “reorientação da formação profissional”, lembrando que existem “centros de formação de excelência - o CICCOPN na Maia e o CENFIC em Lisboa - e não estão neste momento a cumprir o papel para que foram criados que é qualificar a nossa mão-de-obra”, pelo que “é preciso colocar estes centros de formação na dependência do Ministério do Trabalho e não sob a tutela do Ministério da Educação”.

Reis Campos afirma que a falta de mão-de-obra “cria problemas na concretização dos contratos, e na própria mobilidade dos trabalhadores”.

Fruta desperdiçada por falta de mãos

Também a agricultura se depara com dificuldade de recrutamento. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), diz que o problema maior está relacionado com o setor das colheitas.

O responsável adianta que “a agricultura confronta-se com dificuldade de contratação de pessoas em diversas categorias profissionais”, mas, “geralmente, aquelas situações relacionadas com a colheita de produtos hortícolas ou de frutas são as situações mais problemáticas”.

Eduardo Oliveira e Sousa revela que, em 2021, "houve muita fruta que foi desperdiçada por não haver pessoas suficientes" para fazer a colheita. “O ano passado houve perda de colheitas parcial de alguns produtos que ficaram nas árvores, ou que caíram para o chão e que deixaram de ter qualidade para serem levados para o mercado por falta de mão-de-obra para colherem esses mesmos produtos. Dou-lhe o exemplo de alguma pera, nomeadamente pera rocha, algumas azeitonas”, indica.

Por outro lado, o presidente da CAP sustenta que a crise na Ucrânia também está a dificultar o recrutamento dos países do leste europeu. Eduardo Oliveira e Sousa diz que “o momento muito complicado que a Europa está a atravessar é um momento muito complicado para a importação de pessoas que vinham da região do leste da Europa, em particular da própria república da Ucrânia”.

Agora, “a região da Índia, do Nepal, do Bangladesh está a ser a área para onde se vislumbra poder haver mais pessoas a virem para Portugal e os serviços diplomáticos estão a desenvolver esforços no sentido de agilização do processo de legalização desses trabalhadores.”

O presidente da CAP refere que estão a ser feitos esforços para recrutar mão-de-obra em países de língua portuguesa, como Brasil, Angola, São Tomé ou Cabo Verde.

Turismo do Algarve antecipa problemas no golfe

No setor do turismo, a região do Algarve antecipa dificuldades de recrutamento de pessoas no futuro próximo dadas as perspetivas de forte retoma.

Ainda assim, João Fernandes, presidente da Associação de Turismo do Algarve, lembra que “ainda há cerca de 25 mil desempregados” no setor.

“Há uma necessidade de ajustamento entre a procura e oferta de emprego, mas aquilo que nós sabemos é que num futuro próximo, dadas as perspetivas de uma retoma forte nos próximos meses, que o stock de recursos humanos não é suficiente para suprir as necessidades, até porque eles não estão apenas disponíveis para um só setor e, portanto, vamos ter aqui necessidade de recrutar pessoas de outros países”, adianta.

O problema, no imediato, está relacionado com a área do golfe, onde o período de maior procura de turistas é entre março e maio.

“As expectativas é que tenhamos uma procura semelhante àquela que tivemos em 2019, que foi o ano recorde de números de voltas de golfe no Algarve. Existe a perspetiva que tenhamos casa cheia, e para isso é necessário reforçar os recursos humanos e nessa mão-de-obra que é necessária já há alguma dificuldade”.

O empresário lembra “que, apesar de tudo, há cerca de 25 mil desempregados inscritos nos centros de emprego e o primeiro exercício é dar oportunidade a estas pessoas e suprir as necessidades através destas pessoas que também precisam de emprego e também encontram na região essa resposta”.

Comentários
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  • José Ferreira
    23 fev, 2022 Famalicão 18:44
    Deixem de pagar rendimentos mínimos e assim as pessoas vão trabalhar
  • digo
    23 fev, 2022 eu 14:50
    Paguem salários dignos, que as pessoas aparecem.
  • digo
    23 fev, 2022 eu 14:50
    Paguem salários dignos, que as pessoas aparecem.
  • Ivo Pestana
    23 fev, 2022 RaM 11:30
    Nada de novo. Uma das causas, além dos salários, é a loucura dos governos pelo ensino superior. Todos para a Universidade e depois ninguém para estes empregos...por alguma razão acontece assim.

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