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Entrevista a Mira Amaral

Maior exportador nacional faz 30 anos. Investimento público na Autoeuropa até “foi baixo”

25 nov, 2021 - 23:32 • Sandra Afonso

Em 30 anos no país, os números da Volkswagen Autoeuropa impressionam. No entanto, o desfile das estatísticas conhecidas nunca deixou cair uma pergunta: quantos apoios públicos já somou a construtora automóvel? Uma dúvida que nenhum governo explicou. À Renascença, Luís Mira Amaral, o ministro que trouxe o investimento para o país garante que as contrapartidas até foram “baixas” e defende que o futuro da fábrica passará obrigatoriamente pelo lítio.

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A Volkswagen, um dos maiores construtores automóveis mundiais, não chegou a Portugal sozinha. “Foi uma iniciativa minha”, diz à Renascença Mira Amaral, que garante ter convencido o administrador financeiro da empresa das vantagens de Portugal, num almoço em Genebra.

O antigo ministro da Indústria e da Energia de Cavaco Silva assegura que o país tinha concorrência, mas estava em vantagem: “estivemos em concorrência com outros países, por exemplo a Irlanda e a Espanha, mas conseguimos desenhar um pacote de incentivos financeiros e fiscais e oferecemos uma região magnífica, Setúbal, um caso único no contexto europeu, perto duma capital da Europa, com um magnífico clima e magníficas acessibilidades e infraestruturas”.

A Autoeuropa instalou-se em Palmela como uma joint-venture criada pela marca alemã e pela Ford, com o objetivo de “construir uma fábrica multimarca para a produção do Volkswagen Sharan, Ford Galaxy e SEAT Alhambra”.

Em julho de 1991 assinaram com o Estado um contrato de investimento que, garantem, ainda é “o maior investimento estrangeiro em Portugal”. Há números e dados que nunca foram revelados. Sucessivos governos têm sido questionados sobre os apoios concedidos ao longo do tempo e contrapartidas negociadas, sobretudo quando estão em causa decisões da administração menos positivas para a produção nacional ou os trabalhadores.

Questionado sobre as contrapartidas dadas ao gigante alemão e nunca divulgadas aos contribuintes portugueses, o homem que conduziu o negócio na altura é perentório sobre a ocultação destes dados: “mal estaríamos se os portuguese não percebessem que o investimento feito foi muito bem feito!” O antigo Ministro diz que não tem qualquer dúvida, foi um investimento “altamente produtivo”, aqui “não interessam valores absolutos, mas relativos”, e neste caso o investimento relativo até “foi baixo”.

No início de 1999, o Grupo Volkswagen assumiu a totalidade do capital social da Autoeuropa, que passa a chamar-se Volkswagen Autoeuropa. Hoje a fábrica produz os modelos T-Roc, Sharan e SEAT Alhambra, nos quatro níveis do processo de produção (Prensas, Carroçarias, Pintura e Montagem).

Em 2018 a fábrica passou a trabalhar em regime de laboração contínua, o que nunca tinha feito. Hoje saem diariamente de Palmela 890 carros, com destino aos mercados europeu e asiático.

Os números

Apesar das perdas registadas em 2020, o ano zero da pandemia, a Autoeuropa manteve a liderança das exportações nacionais. Hoje o grupo de Palmela é quem mais vende para o estrangeiro, mas até há pouco tempo, a posição foi ocupada pela Petrogal durante mais de uma década.

No ano passado, e pelo segundo ano consecutivo, a fábrica de Palmela foi a maior empresa exportadora de bens em Portugal, depois de ultrapassar a Petrogal em 2019, que liderava as vendas para o exterior há mais de uma década.

O último ano não foi fácil para o grupo. Com a pandemia, as exportações caíram mais de 10% e a produção automóvel caiu 23,6%, mas foi o terceiro melhor ano nas vendas ao exterior, de componentes automóveis.

Da Autoeuropa saíram 192 mil veículos em 2020, uma queda face aos 254.600 contabilizados em 2019. O impacto nas exportações foi menor, mas representou 4,7% e a empresa é responsável por 1,4% do PIB nacional. Além disso, a unidade de Palmela fechou o ano com 5282 trabalhadores. A tudo isto somam-se ainda os impactos indiretos.

Mira Amaral defende que “a Autoeuropa é um bom exemplo do investimento direto estrangeiro que devemos captar para Portugal. É uma empresa industrial exportadora que abre novos mercados, permite fazer formação no posto de trabalho de jovens quadros e é integradora, abre mercado para os fornecedores (indústria de componentes).”

A Volkswagen Autoeuropa lidera as exportações, mas não está sozinha. Oito das dez maiores exportadoras estão ligadas ao sector: Autoeuropa (1º lugar), Bosch (4.º), Continental (5.º), Faurecia (6.º), PSA (7.º), Visteon (8.º), Aptivport (9.º) e Eberspaecher (10º).

Este é o retrato do cluster automóvel português, “uma grande história de sucesso”, defende Mira Amaral. A partir da Autoeuropa, foi possível desenvolver no país a indústria de componentes, “que faturou em 2019 11,9 mil milhões de euros, este ano irá faturar cerca de 10,7 mil milhões, devido ao covid, é responsável por 5% do PIB português e 16% das exportações portuguesas e emprega 63 mil pessoas.”

O futuro

“Os sucessivos governos têm conseguido aguentar a Autoeuropa”, diz Mira Amaral, mas será preciso mais do que isso no futuro. O antigo governante lembra que este é um sector em profunda transformação e o governo devia “preocupar-se e muito”.

“Era crucial desenvolver toda a cadeia de valor, desde a extração e produção de lítio, em que Portugal tem as maiores reservas da Europa, até à refinação desse lítio e à construção de uma fábrica de baterias. Essa era uma tarefa em que o governo se devia preocupar para defender o nosso cluster automóvel da transição do veículo de combustão interna para o veículo elétrico”, explica.

Com todas as marcas automóveis a apostarem fortemente nos veículos elétricos, é de esperar que a Volkswagen siga o mesmo caminho. Portugal tem de novo a oportunidade de se apresentar como um país competitivo, tendo em conta que o país “tem lítio nas minas e os maiores recursos de lítio da Europa”.

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