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Empresas que nasceram do confinamento

Criar uma agência de viagens em plena pandemia? Nuno e Isabel acreditam que é o ideal

21 set, 2020 - 08:05 • João Carlos Malta , Joana Bourgard (vídeo) e Joana Gonçalves (infografias)

Quando o mundo parou por causa da pandemia de Covid-19, um casal de Espinho achou que era altura de avançar. As fronteiras estavam fechadas e a mobilidade era (quase) nenhuma, mas estes empreendedores quiseram dar corpo a uma ideia de viajar que, acreditam, se adequa aos novos tempos. Durante esta semana, a Renascença publica um conjunto de histórias de empresas que nasceram entre 19 de março a 2 de maio, período em que o Governo decretou o confinamento do país.

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Criar uma agência de viagens no meio da Covid-19? Nuno e Isabel acreditam que é o ideal
Criar uma agência de viagens no meio da Covid-19? Nuno e Isabel acreditam que é o ideal

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Os números são tão grandes quanto aterradores: até junho deste ano, a chegada de turistas caiu 65% e as perdas em exportações foram de milhares de milhões de euros em todo o mundo. O setor do turismo embateu de frente com a Covid-19. Mas em Espinho, há um casal que não se amedronta com as dificuldades. Acha até que é o momento ideal para avançar com a criação de uma agência de viagens. Mas como?

A Covid-19 de certa forma só vem intensificar a necessidade deste tipo de conceito, e deste tipo de viagens. O turismo tem de mudar, há uma necessidade enorme, neste momento, de passarmos para um turismo sustentável. A palavra já está na boca do mundo há muitos anos, mas a verdade é que as pessoas não sabem o que significa”, começa por dizer Isabel Neto, de 33 anos.

Ao lado, Nuno abana com a cabeça em sinal de consentimento. O jovem de 34 anos garante que a ideia é a de criar uma alternativa ao turismo de massas, “preocupando-nos com o número de pessoas que levamos a viajar”.

“Os nossos 'tours' têm no máximo 12 pessoas. Temos de ter uma maior consciencialização da sustentabilidade do nosso negócio, criando um impacto positivo quer para o viajante, quer para as comunidades para as quais estamos a viajar”, acrescenta.

Assim, a 21 de abril deste ano nasce a Levartravel. É uma das 1.226 empresas que foram criadas em Portugal durante o período de confinamento do país, entre 19 de março e 2 de maio, apontam dados fornecidos à Renascença pela consultora D&B, com base em informação disponibilizada pelo Ministério da Justiça.

Os números de novos negócios revelam um decréscimo de 71% relativamente ao mesmo período do ano passado. A Covid-19 pôs fim a uma tendência positiva na criação de empresas de que os últimos anos foram exemplo. Os setores dos transportes e dos serviços foram os que mais sofreram desde que a pandemia chegou a Portugal.

A solução ideal?

Mais uma vez são dados que não atemorizaram o casal de empreendedores e Isabel explica porquê.

“Olhei para o nosso projeto e pensei: 'Tenho aqui uma solução'. É isto mesmo! O facto de a Covid ter parado o mundo não me assustou, pelo contrário, deu-me tempo para pôr as ideias em ordem e organizar melhor o projeto.”

Apesar de só há um par de meses a empresa estar formalizada, a verdade é que ela começou muito tempo antes. Há três anos, Isabel vivia em Londres, onde trabalhava como investigadora no afamado Imperial College of London, na área da "libertação controlada de fármacos". Uns meses mais tarde, Nuno juntou-se-lhe para trabalhar no departamento financeiro de uma multinacional norte-americana da área das rent-a-car.

A “vida louca” de Londres foi experienciada ao máximo, e os mais de seis aeroportos da cidade foram a ponte para dar asas ao gosto de viajar. Mas apesar de ambos estarem estáveis em termos profissionais, sentiam a idiossincrática saudade portuguesa, e mais cedo ou mais tarde sabiam que iam voltar ao país. Mesmo que isso significasse serem penalizados financeiramente, numa primeira fase.

Quando regressaram, Nuno foi bombardeado com uma pergunta, conta o novo empresário do setor do Turismo à Renascença. “'O que vais fazer agora que vieste de Inglaterra?' Quando digo que é uma empresa de viagens, respondem sempre com uma pergunta: ‘Agora?’ E eu digo: ‘Sim, estamos convictos que sim’.”

Depois da estranheza inicial, Nuno Relvas revela que, à medida que a conversa avança com amigos e potenciais interessados, e ele e Isabel começam a falar do projeto, “ficamos lisonjeados, porque este é o assunto do momento", adianta. “As pessoas dizem que isso faz todo o sentido.”

Pensar local, agir global

O assunto do momento, na opinião dos novos empresários, é o da sustentabilidade. Isabel enumera o que vão fazer para o conseguir aplicar numa agência de viagens.

Nós queremos desenvolver os pequenos negócios locais, vamos trabalhar de uma forma um pouco diferente do que são as agências mais comerciais. Vamos dar importância e ênfase aos pequenos negócios locais, à restauração, ao comércio, às estadias. Vamos evitar ficar em grandes cadeias de hotéis e sempre que possível usar transportes públicos. Nem sempre é possível devido às distâncias e o tempo de viagem é limitado.”

A ideia é dar aos participantes nestas experiências um sentimento de autenticidade, algo que o turismo de massas não consegue fazer.

“As pessoas entram e saem dos autocarros e não têm oportunidade de contacto com os locais. Mas nós, como viajantes experientes, temos uma equipa de 13 pessoas, e estamos a recrutar mais, e cada uma delas conhece bem o local”, adianta Isabel Neto, adiantando que o tipo de experiências que querem dar aos viajantes é o de descobrir “o restaurante do tio Manuel ou ir à padaria da tia Maria”.

O conceito da empresa estrutura-se na ideia de ter líderes de viagem experientes, e de providenciar todos os serviços aos clientes no local de destino, a partir do momento em que este aterra.

O líder trata de toda a parte chata de pesquisa com que as pessoas, quando vão de férias, não gostam de se preocupar”, explica Nuno Relvas.

As primeiras viagens estão marcadas para o início do próximo ano. O destino? O Sri Lanka, durante 14 dias, em março de 2021, por 1.195 euros, sendo que o preço não inclui o valor do avião, nem da alimentação que não venha especificada no roteiro. Um mês depois, seguem-se os Estados Unidos da América, com as mesmas condições, novo roteiro, por uma quantia a rondar os 2 mil euros.

“Para este tipo de viagens penso que os preços são muito em conta”, acredita Isabel.

"Projeto levarT"

A ex-investigadora da área de Biomédicas revela ainda outro ponto muito importante para a empresa: o de contribuir para causas solidárias. “Temos uma vertente de solidariedade comunitária que é uma coisa que, desde que viajamos, sentimos a necessidade de fazer, principalmente nos países mais remotos”, declara.

O casal sentia dificuldade em saber quem e como ajudar, e, por isso, quer fazê-lo agora de forma estruturada. “Em cada viagem, haverá um dia que é dedicado ao “Projeto levarT” que é uma vertente de voluntariado. É um dia livre, e as pessoas não são forçadas a ir. Mas todos contribuirão indiretamente, porque nós vamos doar uma parte do valor do nosso lucro.”

Em relação ao futuro, o casal olha-o com confiança, apesar de a conjuntura ser adversa. Na totalidade do tecido empresarial português, registaram-se 1.392 novas insolvências desde o início de 2020 até ao final de julho, o que representa um crescimento de 4,2% face a 2019 (mais 56 casos).

Nuno Relvas crê que o crescimento da empresa não será imediato, mas não vê nisso um problema. O tempo, acredita, joga a favor do casal.

Estávamos cientes do tempo que ia demorar até termos algum retorno, mas por outro lado dá-nos tempo para pensar e pôr as ideias em ordem para conseguirmos reinventar-nos.”

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