27 abr, 2020 - 10:00 • Luís Aresta
Na clínica dentária de Jorge Teixeira, em Marco de Canaveses, existem três cadeiras onde, por estes dias, raramente se têm sentado pacientes. Para além dos três médicos dentistas, trabalham, no mesmo local, um protésico (técnico de próteses) e quatro assistentes, para receção e apoio às consultas.
“Estamos praticamente parados, exceção feita a algumas urgências porque, infelizmente, as dores de dentes não fazem quarentena”, diz, à Renascença, Jorge Teixeira, um dos dois irmãos Teixeira, ambos médicos e sócios gerentes desta clínica dentária. Jorge descreve a situação como “complicadíssima, porque não dispomos de faturação para suportar as despesas do momento”.
A questão, nesta como em outras muitas clínicas, prende-se nomeadamente com os contratos de “leasing” de equipamentos, que não são baratos, e que têm de continuar a ser pagos, mas também com o pagamento de salários ao fim do mês. Nesta fase, há um problema acrescido, faz notar Jorge Teixeira: “Com o valor dos ‘kits’ de proteção individual que temos de utilizar em cada consulta, chegamos ao fim e percebemos que o fizemos foi praticamente por carolice e para que os nossos pacientes não fiquem com mazelas”.
As clínicas e consultórios de medicina dentária, num plano estritamente económico, funcionam como micro ou pequenas empresas. Algumas recorreram ao “lay-off”, embora Jorge Teixeira reconheça que a situação “nunca ficou muito clara, porque, por um lado, os trabalhadores não podem trabalhar, mas, por outro, têm de atender casos urgentes”. Diferente, mas não menos preocupante, é o problema que se coloca aos proprietários que são simultaneamente sócios gerentes. Na prática, como explica Jorge Teixeira, “sócios dentistas; neste caso, eu e o meu irmão, os donos da clínica, estamos há dois meses sem salário”, faz notar.
Habituados a lidar com padrões elevados de proteção e higiene, para se salvaguardarem a eles e aos utentes, os dentistas adotaram um conjunto de medidas para reforçar essa vertente no decurso dos diferentes atos médicos.
"Todos passámos a ter uma roupa de trabalho específica para cada dia, a que juntamos uma bata descartável para aumentar a nossa proteção e fazemos uso de máscaras mais específicas para esta situação da Covid, óculos e luvas", explica Jorge Teixeira, complementando que "a Ordem aconselha a trabalhar com dois pares de luvas; o primeiro serve para retirar todo o equipamento de proteção usado e só depois se retira o segundo par de luvas".
Relativamente a outros aspetos da higienização, faz notar que "os médicos dentistas são as pessoas que mais lavam as mãos neste mundo, antes e no fim de atenderem cada paciente". Mas os cuidados não se ficam pelo médico dentista. "Sempre que os pacientes entram para a área clínica colocam 'cobre pés’, fazem a prévia desinfeção das mãos e são aconselhados a cumprir ao máximo as regras de etiqueta higiénica", diz.
Para reforço da segurança, o acesso às consultas em situação de urgência é precedido de um inquérito aos utentes, para "triagem prévia, num pequeno questionário, com algumas perguntas feitas sob orientação da Ordem (OMD) a que nós próprios decidimos juntar outras", refere Jorge Teixeira.
As perguntas são sobre "algumas viagens que tenham feito, experiências perto de pessoas ou ambientes infetados, sintomas relacionados com a doença, etc". Para além da triagem e de uma "menor aglomeração de pacientes na sala de espera, incluindo situações destinadas a próteses", esclarece este médico dentista, “há um cuidado maior na desinfeção mais frequente da área de espera; ao nível do consultório propriamente dito, a desinfeção entre consultas já se fazia e mantém-se", esclarece
Se ser médico dentista obrigava já a cuidados redobrados de proteção individual – a proximidade à boca dos doentes representa um risco devido aos aerossóis, à presença de gotículas e de sangue – a partir de agora esses cuidados serão a triplicar, face ao desconhecimento que continua a caraterizar a Covid-19.
“Já há aí uma série de empresas a querer faturar com equipamentos de renovação de ar, de aspiração de aerossóis e de todo o tipo de proteção”, observa Jorge Teixeira, que diz ter conhecimento de “colegas que já investiram em alguns equipamentos desse género”, fazendo ver, porém, que “na medicina dentária estamos sempre condicionados porque existe uma série de regras” e, de um momento para o outro, a alteração dessas regras pode ditar a alteração de equipamentos.
É por isso que defende que “o senhor bastonário já deveria ter explicado como é que as coisas se vão passar daqui para a frente”. O que esperam, no mínimo, diz “é uma lista completa dos equipamentos de proteção individual, de forma a não corrermos riscos e a não pormos os nossos pacientes em risco; isso é o primordial”, sublinha.
Concluir que a vida está complicada para milhares de dentistas não é um exercício de grau de dificuldade elevado, numa altura em que o regresso à atividade está repleto de incertezas.
“Esperemos que seja um regresso gradual, mas estou a ver a coisa muito mal parada”, diz Jorge Teixeira, para complementar que “a concorrência é muita, a forma como algumas seguradoras trabalham também não ajuda”, e que os dentistas estão com custos a rondar os 10 euros em equipamentos de proteção, por uma consulta cujo valor não ultrapassa os 40 euros. “Ou a Ordem começa a fornecer esses equipamentos - o que eu acho difícil porque fizemos um pedido e a quantidade ‘brilhante’ de máscaras que nos enviaram não chega para um dia de consultas – ou alguma coisa tem de mudar”.
Os dentistas estão preocupados com o futuro. “Aqui ao lado em Espanha, entraram em confinamento mais tarde do que nós e há vários dias que foi publicado um regulamento de funcionamento para os médicos dentistas”, assinala Jorge Teixeira, que adverte para a necessidade imperiosa do conselho científico da Ordem, em articulação com a Direção Geral de Saúde, dizerem de que forma devem passar a trabalhar os dentistas em Portugal. “Se não resolverem isto muito rapidamente, vejo a situação muito complicada, porque não é fácil sustentar uma empresa com sete ou oito funcionários, sem faturar” conclui.
No essencial, Orlando Monteiro da Silva, bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), partilha das preocupações que se abatem sobre clínicas e consultórios dentários, para as quais também procura soluções. Desde logo, a necessidade de definir as regras para uma retoma da atividade.
“A suspensão atual está ligada ao estado de emergência, a não ser que haja uma decisão em contrário”, diz, sem certezas quanto ao fim efetivo do atual quadro legal, restritivo da atividade. A expetativa de Orlando da Silva é que a retoma seja feita “sob orientação da Ordem, como é natural, quando tiver de ser feita, de forma faseada e com um plano que está em preparação para ser divulgado no momento oportuno”, sublinha numa entrevista à Renascença.
O bastonário confessa não ter uma solução imediata para o problema premente dos equipamentos de proteção individual (EPI), fazendo notar que “é necessário que as máscaras e todos os outros equipamentos de proteção que os dentistas usam nos consultórios estejam disponíveis a preços menos especulativos, coisa que não acontece hoje em dia”, assinala, concordando que apesar de “algum apoio do Infarmed" e de, a própria Ordem se ter empenhado nisso, "continua a faltar equipamento de proteção aos médicos dentistas".
Orlando da Silva, bastonário da OMD, sai em defesa dos profissionais do setor, fazendo notar que “estão a faltar apoios diretos para os médicos dentistas, para os gerentes de consultório, para os profissionais liberais”, apoios que situa “entre mil a dois mil euros, idênticos àqueles que existem para trabalhadores por conta de outrem, e que são essenciais para que as pessoas possam sobreviver em termos económicos, sem colocar em causa o futuro das suas estruturas”.
Orlando da Silva acentua que está em risco o futuro de “cinco ou seis mil clínicas e consultórios por todo o país, estruturas viáveis, que prestam um serviço público de proximidade e que obviamente vão ter grandes problemas de sobrevivência. Algumas vão mesmo encerrar, deixando de dar apoio às populações”, o que, declara, “seria absolutamente lamentável”, até porque, faz notar, “há aqui uma responsabilidade do estado, que nunca providenciou um rede de cuidados de saúde oral, desde a fundação do Serviço Nacional de Saúde”.
Rede essa que tem sido assegurada pelos privados. "Temos de estar estamos preparados. Não podemos é estar falidos e encerrados porque ninguém cuidou do interesse de preservar estas clínicas e consultórios", sublinha o bastonário Orlando da Silva.
Desde 15 de março que a atividade dos médicos dentistas está confinada a situações comprovadamente urgentes e inadiáveis, por força do despacho publicado pelo Governo, após consulta à Ordem dos Médicos Dentistas e à Ordem dos Médicos. Em linguagem simples, aquilo que os médicos dentistas podem fazer é acudir a “hemorragias, dentes partidos ou fraturados, fortes dores dentárias, abcessos, próteses que possam estar a causar dano na boca ou biópsias com suspeita de cancro oral”, explica o bastonário da OMD.
“Estamos com a atividade suspensa, estas urgências têm de ser programadas por telefone e têm vindo a avolumar-se com o passar do tempo”, num sinal de que as necessidades da população se estão a acumular e que há doentes cujo estado de saúde está agora pior.
“Não tenho dúvida absolutamente nenhuma de que a saúde oral dos portugueses sai comprometida desta fase por força da necessária suspensão da atividade”, diz Orlando Monteiro da Silva, fazendo notar que os médicos dentistas querem “recuperar a atividade para ajudar a restabelecer ou melhorar a saúde oral dos portugueses, que se degradou neste espaço, na medida em que o leque de urgências é muito estreito” e a resposta é muito limitada nesta fase.
“Já estamos em período de suspensão há mais de um mês e há coisas que se tornam insustentáveis a vários níveis. Estamos cheios de vontade de voltar ao trabalho e a expetativa do bastonário é defender os médicos dentistas, a medicina dentária e a população, com todos os dentes que tem” conclui.
A exposição à Covid-19 decorrente da prática dentista, tanto para médicos como para pacientes, levou a que por todo o mundo os consultórios tivessem ordem de fecho, exceto para situações de urgência. Mas já há países em que, dentro de regras mais apertadas, os dentistas voltam a abrir a porta.
A Dinamarca, um dos territórios que mais cedo fechou fronteiras, foi dos primeiros a permitir a reabertura. Holanda e Noruega também já levantaram restrições, e na Suíça os consultórios reabrem esta semana. Seguem-se Alemanha, Áustria e Islândia.
Espanha mantém os consultórios fechados, exceto para os casos de urgência, mas já definiu regulamentação, que visa, sobretudo, um reforço do equipamento de proteção dos médicos e auxiliares, e higienização do espaço. Todos os instrumentos terão de estar protegidos por película aderente, terá de haver gel desinfetante para as mãos e spray para desinfetar os sapatos, logo à entrada. Antes do procedimento, é medida a temperatura do paciente. Até 36,7º não há problema.
Mas as medidas também abrangem outras áreas do consultório. Na sala de espera, há recomendação de decoração minimalista, sem mesas de apoio, quadros, folhetos, revistas ou jogos para crianças. O Conselho Geral dos Dentistas espanhol define, ainda, regras para as casas de banho de serviço, desde logo proibindo a lavagem dos dentes. Os dispensadores de papel, toalhas e secadores das mãos têm de ser retirados.
A regulamentação em Espanha está pronta, mas, por agora, só aplicada em casos de urgência. Os profissionais aguardam por deliberação governamental para terem horário de funcionamento.