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Mesas separadas por acrílicos? Medição de temperatura aos clientes? Como vão funcionar os restaurantes pós-Covid-19

24 abr, 2020 - 08:00 • João Carlos Malta

Prepare-se para medir a temperatura à porta, para não pegar em cartas de menus e para o fim dos restaurantes lotados. Os contactos com os empregados também vão ser reduzidos. A dúvida é se todos vão conseguir adaptar-se às exigências das novas realidades. Dê um mergulho ao “admirável mundo novo” da restauração em Portugal.

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Imagine que entra num restaurante e que as mesas estão divididas por um acrílico de vidro a meio para evitar que qualquer gotícula ou aerossol expelido pela nossa boca se torne num potencial agente de contágio para quem connosco partilha a refeição. A imaginação pode ser realidade no Zé Pataco, em Canas de Senhorim, e é uma das soluções estudadas pela gestão daquele restaurante para combater o medo das pessoas, no regresso à atividade do pós-pandemia do novo coronavírus.

A publicação da imagem numa rede social, copiada de outro restaurante estrangeiro, foi ideia de Paulo Pataco, um dos líderes daquele espaço do distrito de Viseu.” A ideia é que se aquilo for o ideal para reabrirmos, será uma opção válida. Alguma coisa vai mudar, e temos de o fazer”, garante à Renascença.

“É prático e é viável. Agora se será aquela ou outra solução não sei, mas alguma coisa terá de ser feita para as pessoas não tenham tanto medo”, explica. O temor de contágio é imenso e “hoje em dia toda a gente desconfia de toda a gente”. “Temos de ganhar a confiança de quem nos visita”, reconhece.

O proprietário deste estabelecimento, com três salas e capacidade para 150 pessoas, está a pensar ainda em criar uma porta de entrada e outra de saída. “Assim, as pessoas não se vão cruzar. A porta de emergência será a nova porta de saída”, confessa.

A pandemia do Covid-19 está a ter efeitos brutais em toda a economia, mas se há setor especialmente vulnerável é o da restauração, em que a maioria dos espaços teve de fechar. E se alguns reconverteram os negócios para "take-away", durante a quarentena, a fase três de ataque a esta crise será a reabertura. E os restaurantes nacionais estão já a preparar o novo abrir de portas, que poderá acontecer em maio, com o recurso a uma pequena revolução.

Um olhar para o que aí vem

A PRO.VAR, associação empresarial que se dedica exclusivamente a este setor, já elencou um conjunto de medidas que os operadores devem aplicar de forma a recuperar a confiança dos clientes. Também a Zomato, plataforma que agrega restaurantes para reserva de mesa, elencou uma lista de mudanças a adotar. A lista agregada dá um total de nove medidas:

  • redução da limitação máxima de cada espaço de restauração para metade e, de acordo com o evoluir da situação, poder-se-á aumentar gradativamente a lotação;
  • disposição das mesas: garantir pelo menos um metro de distância entre cada mesa;
  • instalações higienizadas: garantir a limpeza / desinfecção frequente de pontos de alto contacto como mesas / maçanetas, etc;
  • alargamento do período do almoço e jantar, ficando os espaços de restauração obrigados à marcação prévia de mesa, de modo a assegurar que não haja aglomerados de clientes;
  • as empresas devem permitir um horário mais alargado para as refeições dos seus trabalhadores;
  • higiene alimentar: garantir a lavagem e limpeza de todos os ingredientes antes da sua confeção;
  • uso obrigatório de máscaras e/ou viseira por parte dos trabalhadores do restaurante;
  • obrigatoriedade por parte dos clientes na leitura de temperatura e desinfeção das mãos, à entrada do estabelecimento;
  • eliminação temporária das ementas e cartas, estando apenas expostas em local visível, evitando-se o contacto físico;

A restauração, segundo a PRO.VAR, é um setor vital para economia portuguesa que junta 40 mil empresas, emprega 280 mil pessoas e representa um volume de negócios agregado de oito mil milhões de euros anuais.

A mesma associação do setor da restauração defende o retomar da atividade ao “normal”, mas pede às autoridades que “enquanto estivermos perante o período de mitigação, que a abertura dos espaços de restauração, seja acompanhada de medidas severas, vertidas num rigoroso e exigente plano de contingência e que sejam acompanhadas pela entidade fiscalizadora, a ASAE”. E ainda oferece a disponibilidade de alguns associados para serem “cobaias”, neste processo.

"Vouchers" para dar liquidez à tesouraria

Também a AHRESP (Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal) defende que a reabertura da restauração só pode acontecer se forem garantidas duas condições: a definição de regras específicas nas áreas da saúde, higiene e segurança para clientes, trabalhadores e instalações, e a “disponibilização de apoios às empresas para a compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) e o controle de temperatura corporal”.

Para transmitir confiança aos consumidores, a AHRESP anunciou ainda que será criado um selo distintivo, que indicará que as regras de funcionamento estão em conformidade com as disposições legais, suportadas por um Guia de Boas Práticas elaborado pela associação.

Nesse guia, além de algumas das recomendações feitas pela PRO. VAR e pela Zomato, a AHRESP junta a criação de um manual de procedimentos numa situação em que seja identificado um caso suspeito, e que passa pela criação de “uma zona de isolamento e plano de contingência” e “requisitos específicos para 'self-service' e bufetes, 'take-away', 'delivery' e 'drive-in'”.

Mas, segundo a diretora-geral Ana Jacinto, em declarações à Renascença, estas práticas só serão possíveis de serem aplicadas transversalmente se o Estado apoiar os operadores, porque as restrições que serão colocadas na altura da reabertura vão criar impactos na receita dos estabelecimentos.

“Tudo isto implica custos, gastos numa altura complicada em que a caixa registadora está parada há muito tempo”, explica.

As mudanças e a reorganização dos espaços, que terão menos gente, obrigarão a ter menos trabalhadores. Também aqui, Ana Jacinto, quer o suporte do Governo. “Sem eles esta reabertura não se faz, porque não há condições para isso”.

Noutra vertente, a AHRESP lançou uma campanha sob o lema “Juntos, Voltamos Já”. Trata-se de uma iniciativa que pede aos consumidores para comprarem "vouchers" junto dos estabelecimentos durante o encerramento forçado em consequência da pandemia Covid-19.

Assim, os clientes compram "vouchers" dos estabelecimentos registados e os estabelecimentos recebem o valor total dos "vouchers" adquiridos pelo consumidor, até três dias depois.

Após reabertura, segundo explica a AHRESP, o consumidor pode utilizar o "voucher" adquirido, que tem uma validade de seis meses. E no caso de os estabelecimentos não reabrirem, é garantido ao consumidor o reembolso pela totalidade do valor pago.

Esta é uma forma de dar alguma liquidez às depauperadas caixas registadoras dos restaurantes.

Este tipo de iniciativa está a ser implementado por todo o país, como, por exemplo, num restaurante do Marco de Canaveses, o "Bodeguita do Bom Retiro", em que se disponibilizam dois tipos de "vouchers". Um contempla as refeições diárias com desconto de 20%. São 10 almoços pelo valor de 60 euros. O outro foi criado à medida de cada um dos clientes, que pode comprar vales de 15, 20 e 25 euros. Ambos são válidos até ao final do ano.

“Estamos conscientes da gravidade que se assolou sobre as pessoas, vivendo-se agora um clima assustador! O setor da restauração está a ser devastado chegando já ao ponto de centenas de restaurantes optarem por fechar por vontade própria”, justifica a gestão do restaurante da sub-região do Tâmega e do Sousa.

No mundo dos chefes, um embate com a realidade a grande velocidade

O chefe Henrique Sá Pessoa que, juntamente com o sócio Rui Sanches, comanda um grupo de sete restaurantes (seis em Portugal e um em Macau), ilustra com uma imagem o que aconteceu à restauração com a Covid-19. “Isto foi como ir a 120 km/h numa auto-estrada e de repente esbarrar contra uma parede. Quando isso acontece, ficamos a ver se se partiu um chassi, se o 'airbag' rebentou, se o braço está partido, se a perna está torcida”, começa por dizer à Renascença.

Neste momento, por isso, “ainda não temos a perceção de que quais serão os gastos de um restaurante”. “O que sabemos é que temos de reduzir as despesas ao máximo”, garante.

Mas se a parte financeira preocupa, há outras dimensões para as quais Sá Pessoa tem de olhar quando se aproxima a data para voltar a abrir portas. Apesar de não haver certezas quanto às medidas a tomar, porque o Governo ainda não se pronunciou, há mudanças que vão inexoravelmente chegar.

“Por nós próprios, já temos consciência de que luvas, máscaras, desinfeção de sapatos nas entradas e saídas de cozinha, os funcionários colocarem a roupa dentro de um saco e colocarem-no dentro do cacifo, serão coisas que farão parte do futuro”, enumera, afirmando que já está a preparar um plano de contingência para fazer face a essas medidas.

Acredita que esta é a única forma de as pessoas se sentirem seguras. A medição da temperatura também antevê que será algo de comum.

“É básico e na China foi logo feito. Se um dos sintomas comuns da doença é a febre, e se podermos eliminar à partida tirando a temperatura de um cliente, que é feito através de uma pistola 'laser', eu como cliente sentir-me-ia seguro para ir a um restaurante que as medidas são essas. Se me pedirem para o fazer não vou ficar ofendido, vou-me sentir seguro porque sei que é um sítio em que todos os clientes não têm febre”, adianta.

E relação ao uso de máscara, Sá Pessoa crê que é mais difícil, porque “não sei até que ponto tirá-la e pô-la não pode ser um problema maior”.

Já os funcionários vão tê-las a proteger a boca e o nariz. “Sei que é uma realidade que faz alguma confusão. Mas penso que daqui para a frente, se entrarmos num restaurante e virmos toda a gente de viseiras e de luvas, não é algo que nos vá chocar tanto, se nos sentirmos em segurança, e se dentro da anormalidade sentirmos normalidade”.

As entregas em casa e o 'take-away' são duas tendências que a quarentena trouxe, que os próximos meses deverão sedimentar, mas o chefe Sá Pessoa não tem ilusões. “Não vai ser com isso que a restauração vai sobreviver. Não é viável”, argumenta.

Um mundo digital, sem contacto

Também as plataformas 'online' de restaurantes como a Zomato já procuram estratégias para enfrentar o “novo normal” dos tempos que se avizinham, porque, defende aquela empresa, a “interação diária em espaços públicos e entre pessoas passou a ser regida por fortes limitações”.

Segundo a Zomato, “a indústria da restauração irá sofrer alterações profundas, e algumas permanentes, na sua forma de funcionar”.

Por isso, apela a que todos os restaurantes repensem a forma como funcionam para garantir que vão ao encontro das exigências dos clientes. “Para a indústria da restauração, o ritmo de recuperação será determinado pela rapidez com que consigam restabelecer a confiança dos clientes”, argumenta aquela plataforma.

Para isso, criou o Zomato Contactless para minimizar o contacto com objetos que são normalmente manuseados por várias pessoas, ao remover a sua necessidade de utilização nos restaurantes.

Para isso, pede aos clientes para imaginarem uma experiência digital quando se vai a um restaurante:

  1. menu digital: basta fazer o scan de um código QR na mesa para explorar o menu do restaurante com sugestões e harmonizações;
  2. pedido digital: Pedido através da app (sem necessidade de comunicar com diferentes pessoas para fazer ou modificar um pedido);
  3. pagamento digital: no final, basta pagar a refeição através da app.

Paulo Pataco, do restaurante Zé Pataco, diz que esta ideia é boa, aliás o pagamento digital é algo implementado há muito tempo, mas o menu e o pedido digitais vai gerar, na sua opinião, alguns problemas.

“Num local tipo snack-bar é fácil, agora num restaurante é mais complicado. O prato é fixo, mas um bife pode ser bem ou mal passado, a pessoa pode querer com ou sem sal, e isso são possibilidades que não estão na aplicação. Isso vai ser pior”, remata.

Também Henrique Sá Pessoa pensa que não é uma solução fácil de adaptar “a uma realidade de milhares de restaurantes a usufruir de um serviço desses”.

“Se agora em casa temos problemas de estar ligados a uma rede, e há falhas graves na internet, imagine restaurantes ligados a uma rede e de repente ela inviabiliza o funcionamento”, equaciona.

O mesmo chefe crê que a única certeza dos próximos tempos é a incerteza e dá o exemplo de Singapura, em que os restaurantes abriram e, passadas duas ou três semanas, voltaram a fechar. “Não sabemos o que vai acontecer. Se o vírus se voltar a alastrar temos de nos isolar outra vez”, reconhece.

Mas uma garantia que pode dar a todos é a constatação de que o mundo que conhecíamos já não é o mesmo. “Quem não tem por esta altura consciência disso não percebeu nada. Temos de perceber que até haver uma vacina ou um tratamento que seja viável a nossa vida vai mudar”, remata.

Comentários
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  • Filipe
    28 abr, 2020 évora 13:16
    Não funciona , já existem estudos que basta um tossir ou espirrar que o ar condicionado encarrega-se de espalhar a nuvem de partículas carregadas de vírus para além de 9 metros . Os filtros do A/C são tuneis abertos para o vírus , não retém .
  • Lia
    27 abr, 2020 Torres novas 19:26
    E os cafés ? Como vai ser? E os horários ? Medir a temperatura não é opção pois onde só há um empregado e o cliente entra e sai ! O empregado não consegue fazer tudo ao mesmo tempo !
  • Sonia
    27 abr, 2020 Sabugueiro 01:01
    E os cafés,bares e companhia ... Como vamos funcionar... Será preciso acrílico no balcão? Ou basta desinfetar.... Seria muito bom a medição da febre dos clientes à entrada pois seria mais fácil de controlar... Vai ser um regresso difícil...
  • Lorena
    25 abr, 2020 Corroios 19:11
    Esta separação em acrílico faz todo o se tudo realmente. Principalmente porque no caso desta fotografia claramente estamos mais expostos ao desconhecido que se senta ao nosso lado do que a pessoa que conhecemos e que fica a nossa frente para jantar LOL. Faria sentido se houvesse um ou dois lugares laterais livres! Isso assim é só burrice e desperdício de plástico
  • Vanessa Teixeira
    24 abr, 2020 Portimão 13:55
    Não faz sentido a separação em acrílico pois depois da refeição tudo o que o cliente tocou terá que ser desinfectado, toalha trocada mesa, cadeira, se foi a cada de valho a mesma tem de ser limpa etc e isto implica a todos os clientes ora a cada de banho terá que ter um empregado a tempo inteiro
  • Bruno
    24 abr, 2020 Lisboa 11:47
    Bom dia, gostaria de saber se os horários dos funcionários de restaurantes vão se manter? Obrigado

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