23 nov, 2024 - 08:00 • Arsénio Reis , Susana Madureira Martins , Lara Castro
Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas da Renascença, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados defende uma redução “agressiva” do IRC que se aproxime dos 15%. Para Paula Franco, esta decisão teria o efeito de “gerar mais receita” para o Estado.
Numa altura em que se começou a discutir a proposta de Orçamento do Estado no Parlamento, Paula Franco pede ainda cautela no modo como se irá utilizar a margem orçamental prevista pelo Governo, apelando a que se crie uma “almofada” para fazer face a necessidades que “possam existir”, um pouco ao estilo do "fundo Medina" previsto pelo anterior Governo do PS.
Nesta entrevista, Paula Franco diz-se ainda preocupada com os investimentos que foram feitos pelas autarquias à boleia da descentralização de competências sem que o Estado central tivesse feito a devida transferência financeira. A bastonária dos contabilistas reconhece que o que tem valido aos municípios é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Vamos começar esta conversa pelo Orçamento do Estado (OE), que temos em discussão no Parlamento e está a entrar na fase de especialidade. Que Orçamento é este? Não podemos dizer que seja expansionista?
Não podemos dizer que é expansionista, nem podemos dizer que seja um Orçamento que vá mudar muita coisa. É muito conservador, muito parco em medidas e, acima de tudo, vem prolongar ou melhorar medidas que já existiam. Se calhar as grandes discussões à volta deste Orçamento do Estado nada têm a ver com as medidas concretas dele, mas com questões políticas que têm pouco significado na vida das pessoas e das empresas.
Temos agora uma proposta, mas certamente daqui a umas semanas teremos uma proposta de OE muito diferente daquela que entrou e que vai para a votação final global. Há riscos, tendo em conta as alterações que vamos conhecendo?
Entraram muitas propostas, mas não me parece que vá ter essa influência. Aquelas que vão passar na especialidade vão ser pormenores. Serão questões políticas que à esquerda ou à direita se vão discutir. Espero que saia uma melhoria daquilo que a própria proposta já traz e que pode não ser conclusiva ou suficientemente esclarecedora para ser aplicável. Há muitas medidas emblemáticas que têm sido criadas, nomeadamente o Prémio Salarial, o IRS Jovem, que deixam sempre dúvidas, em que a letra da lei não é completamente clara. Espero, acima de tudo, que saia destas discussões uma clarificação e que aquilo que for aprovado seja aplicável às empresas e às famílias.
A Ordem fez contas sobre as implicações das propostas de alteração, como por exemplo o aumento suplementar de pensões?
Nós, acima de tudo, fazemos contas naquilo que é a aplicabilidade do Orçamento do Estado, por exemplo, das normas mais emblemáticas que já vêm dos outros anos. Do IRS Jovem, do prémio salarial. Estas normas que trazem expectativa para as empresas e para as famílias.
Este OE é bom ou é mau?
Precisa de clarificações. Não é um Orçamento bom, é um Orçamento que precisa de clarificações técnicas. Nesse aspeto não é positivo. Temos a norma do prémio salarial que já vinha, inclusivamente de governos anteriores, de outras cores políticas. Há a manutenção de normas, a tentativa de melhoria dessas normas e de alargá-las a um universo mais abrangente. Mas, ainda assim, este OE continua a falhar. E estas normas continuam a falhar, porque vemos aqui situações que não são completamente transversais a todas as empresas. Voltando ao prémio salarial, nós continuamos aqui com situações que não são de aplicação total à generalidade das empresas. Só se aplica às empresas que estão abrangidas pela contratação coletiva de trabalho. Não se aplica, por exemplo, às portarias de extensão e as portarias de extensão é que são muito mais abrangentes em relação à totalidade das empresas. Aqui vai excluir logo uma série de empresas da aplicação desta norma, o que não é justo, não é acima de tudo equitativo. Tem lacunas, continua com lacunas e era aí que se devia ter trabalhado.
"Margem orçamental? Com tantas pressões a todos os níveis, não sei se vai chegar para tudo"
Em relação às pensões, é preferível o aumento das pensões proposto pelo PS ou um suplemento entregue de uma vez, como defende o Governo?
Claramente, em termos mais estruturais é melhor um aumento que seja definitivo.
E em termos de contas?
Depende. Um aumento ou uma compensação extraordinária tem a vantagem de não se tornar um custo fixo para as contas do Estado. É preciso avaliar isso, porque há também a opção de o Governo querer a possibilidade de uma compensação extraordinária, precisamente para quando não condicionar e se houver condições, então atribuí-lo. Há nuances. Temos de ter em conta que, para o pensionista, claro que o aumento definitivo é com certeza melhor, pode não ser melhor em termos de IRS, mas em termos daquilo que é a sua expectativa, já tem algo do lado dele. Do ponto de vista das contas do Estado, é claro que, com as dúvidas todas que temos, com o aumento sucessivo das remunerações, isto aumenta muito as contas do Estado. As pensões, que também estão nas contas do Estado, também fazem a mesma pressão.
Compreende a cautela do Governo?
Há uma pressão enorme para tudo. Nós somos contabilistas, sabemos que, de um lado há receita e do outro lado há custos e que a receita não se torna elástica só porque queremos. É muito difícil, obviamente, conseguir que as receitas subam para fazer face a tudo isto, ainda que com excedentes, ainda que estejamos a verificar uma melhoria geral em termos da economia e daquilo que é a receita. Isso pode contribuir para trazer esses aumentos da despesa. Nada disto pode ser feito sem ponderação.
A margem orçamental revista por Bruxelas está nos 0,4%. Dá algum conforto nestas contas?
Dá conforto. Agora, com tantas pressões a todos os níveis, não sei se essa margem vai chegar para tudo. É que depois existem as outras pressões setoriais dentro do funcionalismo público.
"O PS anunciou que ia viabilizar o Orçamento do Es(...)
Como é que deveria ser aplicada essa margem em benefício do país e não em benefício só das pressões que o Governo está a sofrer?
Antes de pensarmos em utilizar essa margem, acho que que tem de ser cativada para situações que possam vir a ser relevantes, mais do que a utilizarmos. Nós não podemos utilizar tudo. O país tem de passar por uma reformulação dos gastos. Há a reestruturação dos serviços públicos, tem de se fazer o que é necessário para compensar também a necessidade de aumento salarial que existe em todo o país. E o Estado não pode ficar fora dela. Diria que esse 0,4 de margem orçamental se deve proteger para eventualidades que possam surgir.
Isso não está a ser feito?
O Estado tem de ser gerido, e deve-se gerir, como se gerem as empresas, como se gerem as famílias, isto é, a existência de almofadas é extremamente importante para se fazer face a necessidades que possam existir e ninguém consegue controlar completamente todas estas questões. Portanto, estas almofadas são necessárias.
Existir uma espécie de fundo Medina, como no anterior governo se falou?
Certíssimo, contas certas para permitir que depois tudo tenha um funcionamento. E esta questão do aumento dos custos salariais em Portugal e do aumento dos salários públicos, é muito impactante em relação às contas do Estado.
Este Orçamento seria muito diferente se o PS fosse Governo?
São ambos muito conservadores, quer o PS, quer o PSD. Não vemos assim tantas diferenças.
Por causa das contas certas?
São partidos conservadores, já estiveram todos no governo e, portanto, existe a responsabilidade política. Isto é muito bonito, quando não estamos no governo, dizer que gastaríamos muito, mas depois quando somos nós a ter de tomar as decisões e a equilibrar entre a receita e a despesa, é muito mais difícil de concretizar. Portanto, não acho que este orçamento seja muito diferente.
Talvez haja aqui uma diferença, que é na questão do IRC, que nem percebo porque é que há uma discussão de um ponto percentual. O resto são sugestões que quem está a governar e quem está a decidir, prefere ir por um caminho ou por outro, mas não me parece aqui que neste orçamento possamos dizer que é um orçamento de direita ou que é um orçamento totalmente direita, de uma direita mais conservadora, PSD e CDS ou do PS.
"Eu seria bastante agressiva na descida da taxa de IRC, uma taxa mais próxima dos 15% logo de uma vez"
Em relação ao IRC, é assim tão importante ter um corte transversal de IRC de um ponto percentual neste OE, como o Governo quer?
Acho que é importantíssimo descer o IRC. Sou defensora, sempre fui, já nos tempos do Governo do PS defendi isso. As empresas têm realmente de ter mudanças naquilo que é a sua tributação, portanto, acho que tem de fazer-se alguma coisa. As empresas estão muito sobrecarregadas. Há uma pressão nas contas das empresas que tem a ver com os custos salariais, que claramente têm aumentado, por via da falta de mão de obra, por via do aumento dos salários e há uma pressão muito grande nas empresas para melhorarem salários, porque senão as empresas não têm trabalhadores. É importantíssimo olharmos para as empresas como fonte de rendimento através também da criação de trabalho e não através deste IRC.
O IRC é pouco significativo, tem ganhado alguma expressão agora nestes últimos anos, por causa do aumento da sustentabilidade das empresas, que têm aumentado também os seus lucros. Isso é muito positivo porque são as empresas que criam riqueza e é esta riqueza que tem de ser incentivada. São as empresas que depois criam o trabalho e que criam também a receita, que pagam os seus impostos para existir receita. E os impostos podem não ser diretamente o IRC. Sou sempre defensora que o IRC deve, efetivamente, diminuir e quando falo do IRC não falo só da taxa do IRC, também falo das tributações autónomas.
E nessa redução, qual é a diferença entre reduzir em 2 pontos ou 1 ponto?
Acho que deviam ser os 2 pontos. Até acho que devia ser mais. Em termos do significado que tem para a receita, eu seria bastante agressiva na descida da taxa, uma taxa mais próxima dos 15% logo de uma vez.
Porque acha que isso teria um efeito?
Acho que teria um efeito, é uma coisa que não está testada, mas acho que teria o efeito de gerar mais receita para o Estado. Tornar as empresas mais competitivas traz mais receita para o Estado. Descer o IRC não significa perder receita.
Uma redução do IRC do género que é proposto pelo Partido Socialista, ou seja, um corte seletivo e associado à competitividade das empresas e dos salários, seria mais benéfica ou não? Ou diferente?
É diferente. O PS tem defendido muito associar [o IRC] a benefícios fiscais, mas os benefícios fiscais, depois, têm problemas que, normalmente, são as suas condições. No tal prémio salarial, o problema não é a medida, é as condições que se põem para a aplicação da medida que depois a torna um pouco elegível e que a maior parte das empresas não a pode aplicar. E os benefícios fiscais têm exatamente isso, ou são muito claros, objetivos e simples ou a maior parte das empresas não os aplica.
Estamos a criar camadas de burocracia que depois ninguém consegue aplicar?
Exato. E depois temos também a questão da Autoridade Tributária (AT) que se foca pouco na competitividade das empresas e que as empresas utilizem estes benefícios fiscais. Isso acaba por trazer, muitas vezes, interpretações tardias sobre a sua aplicação. Quando estamos a falar de benefícios fiscais, temos de perceber que depois temos uma entidade que vem interpretar, às vezes tardiamente, de forma completamente diferente daquela que as empresas aplicaram. E isso é que é perigoso na aplicação dos benefícios fiscais.
Não haveria uma medida preferível ou mais benéfica para a economia do que este corte da taxa de IRC?
Sou defensora do equilíbrio das duas, isto é, os benefícios fiscais também têm vantagens. Os benefícios fiscais a única dificuldade é terem restrições que depois, do ponto de vista da sua aplicabilidade, os tornam inaplicáveis e ainda por cima com o risco de virem a ser interpretados pela AT de forma diferente. A descida do IRC acompanhada com os benefícios fiscais é o equilíbrio correto. Por um lado, não é necessário o IRC ser tão alto para as empresas, por outro os benefícios fiscais mudam comportamentos, beneficiam comportamentos que se pretendem para a economia.
Economia
Situação alemã “deve preocupar bastante” os portug(...)
Em relação ao IRS, o caminho definido acha que é o correto, aquilo que no fundo vai estar refletido no OE?
Todos os últimos OE se focam na diminuição da tributação de IRS e este OE mantém esse caminho e este é um caminho que tem de se fazer, as taxas de IRS subiram muito, principalmente para a classe média, aliás, brutalmente e ainda não se conseguiu regularizar isso. Nunca nenhuma redução de IRS consegue ser muito substancial para os bolsos de todos os contribuintes, porque não há margem para conseguirmos descer de forma impactante. Agora, para um Governo que está a decidir diminuir qualquer percentagem de receita em termos da generalidade da população ativa, claro que é impactante e, portanto, é um equilíbrio que se tem de fazer. Vejo uma continuidade, uma política iniciada pelo PS, e ainda bem que sim, de continuarem a descer as taxas de IRS.
Vamos falar de dados económicos, tendo em conta que a inflação não está a começar a baixar. Já podemos respirar de alívio ou ainda estamos naquela fase de apneia a ver o que é que isto dá?
A inflação está a descer e ainda bem que sim, era necessário para haver aqui algum equilíbrio. Mas o custo de vida dos portugueses não está a diminuir ou a ser equilibrado. Ainda não se refletiu. Acho que é isso que está a gerar aqui também alguns problemas sociais. Perdeu-se o poder de compra, continua a perder-se, os salários têm aumentado, mas não conseguem cobrir esse aumento da despesa, ainda que a inflação esteja a contrair.
Quando é que acha que isso pode ser atenuado?
Os preços em Portugal foram muito baixos durante muito tempo e não há agora margem para se continuarem a manter e por isso qualquer um de nós vê que as suas despesas do dia-a-dia aumentam consideravelmente. O cabaz, os detergentes, as pastas de dentes, subiram desmesuradamente. Agora, há um equilíbrio aqui, que são os preços da energia que desceram e que vieram trazer algum equilíbrio e se calhar por isso é que a percentagem e a inflação estão a ser controladas por isso. No bolso dos portugueses isto reflete-se de forma diferente e a verdade é que todos os custos dos serviços em Portugal têm aumentado consideravelmente. E isso não gera, obviamente, do ponto de vista do rendimento disponível dos portugueses, conforto.
Não há volta atrás?
Não há volta atrás e ainda bem. Era preciso este abanão. A inflação tem aspetos positivos e negativos. A verdade é que o aumento salarial também era necessário. O Salário Mínimo aumentou e isto espoletou tudo. A verdade é que isso era necessário e isso também leva a que a inflação aumente. Tudo isto tem uma razão de ser e tinha de acontecer em determinada altura. Aconteceu e é para depois trazer o equilíbrio. Agora, ainda não chegámos a esse equilíbrio completamente, apesar de a inflação estar a descer consideravelmente e de a previsão ser de 2%, o que é bom.
O Governo prevê 2,1% de crescimento económico em 2025. Com a incerteza que vivemos neste momento, há duas guerras que estão a marcar a política internacional. Vê esta meta com cautela ou ainda não está preocupada?
A conjuntura geopolítica, obviamente, traz-nos preocupações a todos. É transversal, é preocupante, não sabemos ainda o que vai trazer. independentemente disso, os países têm a sua forma de crescimento. Obviamente, que estamos sempre a falar numa base de expectativas e a expectativa é, de acordo com os dados que conhecemos hoje, esta expectativa parece-me perfeitamente realista. Se a situação se complicar em relação às guerras existentes, quer na Europa, quer no Médio Oriente, pois claro que pode ter uma influência completamente diferente.
Uma recessão na Alemanha, por exemplo?
Uma recessão já anunciada. Sim, pode afetar bastante toda a economia da Europa. Nós estamos com indicadores positivos.
O que é que nos falta para o salto económico?
Faltam-nos duas coisas que são muito importantes. Competitividade e escala. Escala é difícil, apesar de o mundo ser global, é muito difícil nós virmos a ter escala. E a competitividade também é difícil num país que acaba por estar muito condicionado com medidas fiscais e sociais e laborais. Este é o equilíbrio que tem de encontrar-se. As empresas têm de ser mais sustentáveis, mais competitivas. Por isso é que eu sou defensora da descida do IRC, porque apesar de tudo, é um imposto que não é tão relevante para as contas de Estado.
É a principal alavanca que vê para darmos um pequeno salto?
Sim, um pequeno salto.
Pedro Nuno Santos, o líder do PS, tem defendido os apoios do Estado a setores específicos da economia, em vez de seguir um modelo de apoiar projetos e empresas. O crescimento económico passa por aqui?
Pode passar por aí. Claramente, o crescimento económico não está como gostaríamos todos. As empresas portuguesas precisam de muito mais, de criar riqueza, precisam de ser mais autónomas, não depender tantos de subsídios e de auxílios. Agora, os auxílios e os subsídios obviamente que podem vir a ajudar em determinadas áreas em que se sinta que aquela área vai reestruturar, vai melhorar toda a competitividade e o crescimento económico. E aí percebe-se essa opção de Pedro Nuno Santos dizer ‘vamos investir em determinados setores, determinadas atividades’, porque eles é que vão ser o motor para o resto. Agora, ninguém sabe se essa é a medida certa. É uma das medidas. Transversalmente, também pode ter vantagens, porque há uma distribuição equitativa.
É preciso mudar também a mentalidade dos nossos empresários?
De todos e dos empresários também. Mas é preciso ter coragem para se ser empresário em Portugal. Os empresários lidam com muita burocracia. Se as empresas mantivessem o IRC como está, mas lhe tirassem imensa burocracia, que consome recursos, seria muito mais produtivo para as empresas.
"Alguma das áreas da economia sente o funcionamento do Banco de Fomento? Eu diria que não"
E a reindustrialização do país é uma ideia que faz sentido?
Não sei se conseguimos. Em determinados setores, sem dúvida, aliás, temos dado cartas, nos têxteis, sapatos. Um país tem que ser um bocadinho autónomo, ter indústria é fundamental para essa autonomia e para esse crescimento. Agora, não é por decidirmos de repente que Portugal pode ser um país mais produtivo do ponto de vista industrial que vai acontecer de repente, demora tempo a consolidar. Dependemos muito da exportação. Há economias que já são mais atrativas do que a nossa, e, portanto, em termos de custos, porque quem vai depois comprar a esses setores olha para o fator custo e Portugal já não é tão competitivo. Temos a tal qualidade que é muito importante. Se, realmente, nos focarmos muito em ter novas áreas de indústria, ou melhorar as que temos, tem de ser com base na qualidade.
E como é que se financia a economia? E qual o papel do Banco de Fomento?
Na altura que o Banco de Fomento foi lançado eu disse que não percebia a sua necessidade. Há um banco que sendo mais autónomo não deixa de ser do Estado.
É redundante em relação à Caixa Geral de Depósitos?
É redundante sim. Alguma das áreas da economia sente o funcionamento do Banco de Fomento? Eu diria que não.
Porquê? Foi mal desenhado? É um projeto que não faz sentido?
É um projeto que, no fundo, é um intermediário. É um intermediário que em vez de ser, se calhar, por entidades já existentes, passou a ter ali uma entidade definida. Eu não lhe vejo resultados, confesso.
E a razão de existir?
Aí não posso ser tão crítica, porque a razão de existir, com certeza que quem o idealizou não estava a criar algo que fosse só um monstro burocrático. Mas, acima de tudo, os resultados. Eu acho que em tudo nós temos de ser exigentes com os resultados. Ter ideias todos podemos ter, mas o que é difícil é ter resultados. E os resultados é que devem ser exigidos por todos nós, enquanto cidadãos, que existam resultados, que se vejam resultados.
Se é um elefante branco, como nós estamos aqui a concluir, a conclusão, qual é que deve ser? Se calhar, repensar a sua existência?
Provavelmente. Posso estar a ser muito injusta, mas confesso que não sinto, nem na economia, nem nas empresas, nenhum resultado.
Vamos avançar para os temas em torno das autarquias e também do Programa de Recuperação e Resiliência. Há uns meses o Governo anunciou que uma nova lei das finanças locais só deverá entrar em vigor com o OE para 2026, já depois das eleições autárquicas do próximo ano. Os municípios aguentam esperar tanto tempo?
Lançámos agora o anuário financeiro dos municípios e fizemos uma análise económica ou financeira das contas de 2023 de todos os municípios. Uma das conclusões a que se chegou foi precisamente essa, que é a preocupação com o aumento do investimento que existiu nestes últimos dois anos, investimentos que se vão realizar ainda em 2025 e 2026, mas depois como é que vão ser os recursos destes municípios para gerir e manter estes investimentos. Existiram essas delegações de competências, mas não existiu ainda aumento das comparticipações que os municípios têm. E isso é preocupante. O custo com o pessoal aumentou imenso em todos os municípios. Há que fazer face a isso. Com os investimentos em novas escolas, novos centros de saúde, vai ser precisa mais receita. As receitas próprias são cada vez mais e já estão todas muito exploradas, portanto, a comparticipação aqui do Estado Central é fundamental.
"O Governo está a preparar medidas, designadamente(...)
E que consequência tem isso nas contas das autarquias? Pioraram substancialmente?
Não, as contas melhoraram e estão bastante estáveis. O problema é que estes investimentos necessitam, tal como quando se constrói uma casa ou quando se constrói uma nova empresa, tem de ter recursos depois para a levar para a frente e para a fazer funcionar.
O que se reflete no anuário financeiro é um aumento considerável do investimento de novas infraestruturas por causa do PRR e agora é preciso dar capacitação ao poder local para poder gerir essas novas infraestruturas.
O que tem valido às autarquias é o PRR?
Neste momento, em termos de investimento, sim.
E a execução do PRR é preocupante?
Não sinto muito o PRR na economia, portanto, sentimos nessas infraestruturas públicas, obviamente, mas não se sente nas empresas, nem se sente na economia.
Mas era suposto que se sentisse, foi prometido que iria sentir-se.
Sim, a forma como foi vendida a todos nós, foi que a bazuca era algo que era uma alavanca para o desenvolvimento económico, mas não sentimos isso.
Mas não se sente porque foi muito dirigido para grandes infraestruturas públicas e menos para as empresas, ou não se sente porque de facto esse dinheiro não está a chegar à economia?
Acho que pelos dois motivos. Foi muito direcionado para o investimento público, mas mesmo o investimento público devia fazer-se sentir-se na economia e sente-se pouco. Tem vindo de forma muito gradual e isso põe em causa a sua execução. Depois, acredito que tem muitos sérios riscos de execução em algumas situações e tem a velocidade com que tudo se faz em Portugal, que é tudo muito lento.
A burocracia mais uma vez?
A burocracia mais uma vez. Admito que as entidades públicas também têm os problemas todos de contratação pública que se tem falado. O problema é que os processos são tão burocráticos, não se consegue fazer nada em Portugal, qualquer dia o país está todo bloqueado.
Esta semana foi promulgado um diploma do Parlamento para a simplificação da contratação pública dos projetos do PRR. À boleia da preocupação em acelerar os processos de contratação pública, a tendência pode ser a do aumento da corrupção?
Tem de haver um equilíbrio. Neste momento o que estamos a viver em relação à contratação pública, bloqueia tudo.
Os meios justificam os fins?
Os meios não justificam todos os fins, mas mais uma vez temos de olhar para a parte procedimental. É um processo burocrático, é um processo que demora muito mais tempo do que um processo ágil e eu acredito que existam soluções que se continuam a combater a corrupção e o abuso de poder, sem ser com este nível de procedimentos e de burocracia que não nos levam a lado nenhum e que bloqueiam o país.
O Governo apresentou alterações à legislação laboral, há mexidas na marcação de férias, há alterações também às regras dos pré-avisos de greve. Era preciso fazer alguma coisa?
É uma resposta ao que alguns dos serviços estão a viver e aquilo que nós, enquanto cidadãos, sentimos do serviço público. Veja-se as questões dos hospitais, por exemplo, na parte da maternidade, que tem sido uma discussão há vários anos. A questão da greve também tem a ver um bocadinho com a questão do INEM, portanto tudo isto tem a ver com resolver casos concretos que precisam de ser resolvidos.
Também aqui é preciso um equilíbrio entre direitos e o funcionamento do Estado?
Exatamente. Não se pode ter só direitos e não se ter obrigações. Portanto, isto é um equilíbrio que tem de existir. Ainda bem que vivemos num país com imensos direitos sociais, mas que tem de haver o equilíbrio depois com o cumprimento e com o que é que cada uma das entidades, seja pública, seja privada, tem perante o seu cliente, porque o Estado também tem clientes, que somos todos nós.
Esse equilíbrio pode chegar à flexibilização dos despedimentos?
Uma economia precisa sempre de alguma flexibilidade. Lá está, empresas, produtividade, crescimento da economia, são questões que depois não são muito compatíveis de equilibrar. Nós não conseguimos ter uma economia que seja competitiva com outros países que têm outras flexibilidades, embora a Europa toda esteja neste mesmo universo comum de regras e deveres. Mas a verdade é que se nós queremos tornar a economia mais competitiva, se queremos tornar as empresas mais produtivas, flexibilizar aquilo que não põe em causa nem os direitos dos trabalhadores, nem os direitos das empresas, é fundamental.
Essa deve ser uma questão a discutir e é mais fácil neste momento com um governo de centro de direita?
Eu acho que é igual. O facto de nós acharmos que um governo de centro de direita, isto é a minha opinião, obviamente não sendo política, favorece mais as empresas e prejudica mais os trabalhadores, não é exatamente verdade. Pode ser exatamente ao contrário. Nós queremos empresas saudáveis para produzirem postos de trabalho saudáveis, competitivos e boas condições para os trabalhadores. A receita é sempre esta. É algo que tem a ver precisamente com as políticas que se criam.
Dúvidas Públicas
Em entrevista à Renascença, a bastonária da Ordem (...)