Siga-nos no Whatsapp

Dúvidas Públicas

Agricultores ameaçam com novas manifestações e ficar de fora do Acordo de Rendimentos

21 set, 2024 - 12:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Em entrevista ao programa "Dúvidas Públicas" da Renascença, o secretário-geral da CAP apresenta as linhas vermelhas para assinar o Acordo de Rendimentos e as reivindicações para 2025. Luís Mira fala dos incêndios, do problema da imigração, da crise no vinho e da nova política europeia para o setor.

A+ / A-
Agricultores ameaçam com novas manifestações e ficar de fora do Acordo de Rendimentos
Agricultores ameaçam com novas manifestações e ficar de fora do Acordo de Rendimentos

O secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, ameaça com novas manifestações e também ficar de fora do Acordo de Rendimentos, à semelhança do que fizeram o ano passado a CIP e a CGTP.

Em entrevista ao programa "Dúvidas Públicas" da Renascença, Luís Mira apresenta as "linhas vermelhas" para assinar o Acordo de Rendimentos e as reivindicações para 2025, fala do problema da imigração, da crise no vinho e da nova política europeia para o setor.

Sobre os grandes incêndios da última semana, a CAP explica que ainda vai apurar os prejuízos no terreno e quer discutir com o Governo as melhores soluções.

Além das mortes, feridos e da perda de habitações e equipamentos industriais, em cinco dias já arderam mais de 120 mil hectares no norte e centro do país. A CAP já tem alguma ideia dos prejuízos para agricultores, produtores florestais e pecuária?

Não é ainda o tempo para isso, as pessoas ainda estão a recompor-se da tragédia. Mas, em concelhos onde ardeu 60% é impossível que não haja muitos agricultores e produtores florestais afetados.

Uma das características desta vaga de incêndios é que ardeu muito perto do litoral. As pessoas tinham uma ideia pré-concebida que só ardia o interior, que estava abandonado e sem pessoas a viverem lá. Não foi isso que aconteceu.

Se olharmos para as imagens das televisões, vemos carros ardidos, oficinas, indústrias, casas, alguma floresta. Ninguém está a coberto do fogo, num clima mediterrânico, num país que não aposta em três prioridades: a primeira a prevenção, a segunda a prevenção e a terceira a prevenção.

Conta com apoio do Estado? A CAP gostaria de ser ouvida no âmbito deste processo?

Quando é pedida uma opinião à CAP, nós vamos junto das pessoas no terreno. Neste caso, iremos reunir com as associações que estão nessas regiões para ouvir os afetados e tentar construir uma solução para esse problema.

É importante que estas respostas sejam articuladas e seja identificado exatamente o que é que está em questão, senão as soluções depois saem ao lado.

Isso quer dizer que a CAP deveria ser ouvida, enquanto representante dos agricultores?

Com certeza. Nós quando falamos não somos nós, são os agricultores que estão no terreno. A CAP ocupa 146 representações dos agricultores: no Ministério da Saúde, na RTP, no Conselho Económico e Social, entre outros. E aí o que vamos levar é a posição das pessoas que vivem no mundo rural.

"Declarações de Montenegro? Têm reduzida aderência àquilo que é a realidade dos fogos"

Já começaram a receber feedback dos proprietários?

Sim, há pessoas que ficaram sem estufas, sem olivais, sem vinhas. Há a ideia que só arde o eucalipto. Não, nestes fogos arde tudo, até ardem os carros, e as pessoas não se vão queixar ao fabricante.

Os especialistas disseram que com vento forte do Leste, temperaturas altas, humidade baixa, estão reunidas as condições para incêndios de grandes dimensões. Este é o problema. Ou a prevenção é feita estruturadamente para evitar incêndios de grandes proporções ou, como dizem os especialistas, quando atingem grandes dimensões já não se combatem, espera-se que as condições mudem para que se extinga. É assim em Portugal como é no Canadá ou nos Estados Unidos.

Como é que isto se resolve?

Com prevenção, não com a solução que Portugal encontrou: legisla-se e aplica-se multas e empurra-se para as câmaras para resolverem o problema. E para as pessoas. Isto não é um problema dos rurais, é um problema de todos e só se resolve com a ajuda de todos.

Sempre que ocorrem estes grandes incêndios, surge a questão da lei não estar a ser cumprida e das matas e dos terrenos não estarem a ser limpos. Porque é que isto acontece?

A CAP diz, desde o princípio, que pode ser obrigatório, mas para isso tem de haver condições. A lei diz que se o proprietário não fizer, a câmara tem que o fazer. Mas as câmaras não têm meios nem dinheiro para isso. O proprietário também não tem, porque se eu tenho aqui esta faixa de terreno numa proteção de uma aldeia ou de uma vila, todos os anos tenho de gastar dinheiro para limpar aquilo. Mas, porquê eu? Porque não todos? Eu não consigo.

Com algum azar, como esse terreno arde de X em X anos, ele nunca retira daí nenhuma receita e todos os anos tem que investir.

Mas se não arder também não retira receita, porque ele não dá. As pessoas acham que em todo o território, em Portugal, eu posso pôr uma coisa qualquer no terreno e tenho rendimento. Não é verdade! Nós não temos um país que se caracterize por solos ricos. É nos estuários dos rios que estão os tais terrenos com maior riqueza para boas culturas. O interior e centro do país é pedra e solos sem praticamente valor do ponto de vista agronómico, não têm a possibilidade de ter água.

Hoje, com a tecnologia que existe, mudou tudo, através do conhecimento que os israelitas trouxeram com a rega gota-a-gota e com toda essa tecnologia que desenvolveram para resolver o problema deles no deserto. Mas o país não pode ser todo regado. Pode-se aumentar um bocadinho, mas ponto.

Qual é a solução para estas zonas mais secas?

Eu já estou farto de estratégias e de planos, já não aguento mais. É preciso investimento, é preciso ação. Agora, vamos ser também pragmáticos, esta semana é preciso mais dinheiro para os incêndios, a semana passada era para as prisões, antes era a escola e a saúde, quer dizer, não dá.

"Estou farto de estratégias e de planos, já não aguento mais. É preciso investimento e ação"

É suposto que quem governa faça opções e trace prioridades.

Com certeza. Mas todos querem tudo ao mesmo tempo. Deixa a Saúde para trás, para pagar a limpeza do proprietário? Esta é a questão. Vamos pôr os pés na terra, ver a disponibilidade que temos para isso e isto não é coisa que se faça num ano, é uma questão estrutural. A prevenção tem que ser feita continuamente e estruturadamente, se não for assim, também não serve para nada.

E eventualmente não carregar esse investimento sobre os pequenos proprietários, nem nas autarquias que não têm condições.

Retire a palavra pequenos. É nos pequenos, nos médios, é em todos.

Num dos últimos comunicados a CAP pede soluções estáveis e duradouras. O que é que o Governo pode fazer?

Primeiro, Governo e oposição têm de se juntar.

É preciso um consenso partidário?

É preciso um consenso nacional. Não é só o Presidente da República, o Governo e o Parlamento. São todos. Câmaras, CIMs e cidadãos. Temos que nos entender sobre a direção a tomar e daqui a dez anos vamos ver se temos que emendar o caminho, porque as circunstâncias também vão mudando. Isso nunca aconteceu. Os governos mudam e mudam as estratégias.

E em termos práticos, estamos a falar de que tipo de medidas?

Foram definidas faixas de proteção das aldeias e das vilas e têm de ser mantidas, suportadas pelo Orçamento do Estado. O ónus não pode ser do proprietário. As coisas têm de ser exequíveis, não é com a lei que eu vou obrigar a uma prática que é impossível.

E o que é que os agricultores portugueses poderiam fazer para evitar este tipo de tragédias?

Os agricultores portugueses cumprem as leis, têm uma zona que têm que fazer um aceiro, limpar, só o facto de terem os terrenos em agricultura é das maiores proteções que existe contra o fogo. Quando sobrepõe as áreas que têm agricultura com as áreas ardidas, vê que o mapa é ao lado. Porque as pessoas estão lá, porque têm valor. Tudo o que tem valor, protege-se, o que não tem valor, ninguém quer proteger, nem o Estado. Aqui está o problema.

Mas a mata também tem valor.

A mata tem valor quando o próprio proprietário a gere nesse sentido. Porque é que as produções florestais, que economicamente geram valor, ardem muito pouco? Porque são protegidas, estão geridas. A questão de que é a espécie A ou a espécie B que arde mais, isso é um mito, agora ardeu tudo. O que tem gestão florestal e gestão agrícola, tem menor probabilidade de arder do que o que não tem.

A atividade agrícola, pelo menos historicamente, é pouco segurada. Mantém-se esse cenário? Porque é que isto acontece?

Nalguns riscos é, às vezes por dificuldade de definir objetivamente o sinistro. Uma seca, por exemplo, quando é que começa e quando é que acaba? Uma tromba d'água está definida. O risco contra incêndios também é segurável.

Mas são poucos aqueles que o fazem.

Aí já é outro problema. É como nos automóveis, o seguro é obrigatório, mas há uns que também não tiram. Também é preciso ver que muitos dos anúncios de apoios, olhando para trás, a União Europeia fala em milhões, depois vamos ver a elegibilidade, dessa verba utilizamos uma pequeníssima parte, porque não cumprem os critérios, os requisitos.

Para fecharmos o tema dos incêndios, o primeiro-ministro prometeu um combate aos criminosos e apontou para interesses particulares. Vê nestas palavras, que já causaram polémica, um ataque aos proprietários?

Não, vejo nisso uma declaração de um político numa situação de combate político, a tentar tapar o espaço de manobra política a outras forças.

Mas não se revê nestas declarações?

Não, não. Até porque o problema não está aí, está na questão que já tratámos, na prevenção.

Também já há dados científicos sobre todas essas questões em Portugal. Os especialistas explicam que não há interesses nenhuns no fogo, porque em 80% dos incêndios as ignições estão a dois quilómetros das casas onde as pessoas vivem. Se tivesse interesse dos madeireiros, eles iam pôr fogo era no meio das coisas, onde ardia mais. Do ponto de vista comercial, quando arde, o preço da madeira desce, não tem nenhum interesse. Há aqui sempre populismos.

Essas declarações, para mim, são no âmbito de um combate político e com uma reduzida aderência àquilo que é a realidade, infelizmente, dos fogos. Nós não fazemos os trabalhos de casa e depois queremos passar com distinção.

"Acordo de Concertação? Ou as direções regionais voltam à tutela ou não contem connosco, assinam com quem quiserem"

Estamos a menos de um mês da apresentação do Orçamento do Estado para o próximo ano. O que é que considera absolutamente essencial e prioritário para a agricultura?

Primeiro, que haja Orçamento do Estado.

Se não houver, o que é que acha que deve acontecer? Deve ficar o Governo a governar em duodécimos?

Deve acontecer a situação que trouxer a maior estabilidade ao país. Todos estes períodos de instabilidade para os investidores, para quem tem empresas, é o pior que há porque a pessoa espera, na dúvida não avança.

E quanto às medidas?

Do ponto de vista agrícola, eu ligo aqui a ação da CAP no Orçamento do Estado com o Acordo de Concertação, porque é aqui que as coisas se juntam. Como sabem, fazemos parte da Comissão Permanente de Concertação Social, onde está a ser discutido o salário mínimo. O Governo também já deu sinais que queria aumentar o Acordo de Rendimentos, que está nos 855 euros.

Em termos de Concertação Social, para a CAP, há uma linha vermelha, que tem a ver com a parte económica dos agricultores, que é o bom funcionamento do Ministério da Agricultura. Se o Governo não cumprir o que prometeu na campanha eleitoral e colocar as direções regionais sob a tutela do Ministério da Agricultura, nós não assinamos acordo nenhum.

Manter as Direções Regionais da Agricultura no Ministério da Coesão é o mesmo que para o Ministério da Administração Interna as polícias estarem na CCDR. Não funciona. A tutela do Ministério da Coesão não tem nada a ver com a Agricultura.

Já receberam algum sinal positivo por parte do Ministério da Agricultura?

O problema não é com o Ministério da Agricultura. O ministro da Agricultura está desejando que isso aconteça também. É uma condição nossa, para assinarmos o Acordo de Concertação, é uma condição da CAP, ou as direções regionais voltam à tutela, de onde nunca deviam ter saído, ou não contem connosco, assinam com quem quiserem.

Houve uma promessa eleitoral nesse sentido?

Uma promessa do primeiro-ministro, feita pelo Dr. Montenegro na campanha eleitoral, que isso era para reverter. Eu quero acreditar que a promessa é para cumprir, mas já passaram seis meses. Temos reuniões marcadas com as nossas organizações para o final deste mês para, se isso não acontecer, fazermos manifestações no país. Nós só temos uma palavra, e se esta solução não era boa com o Governo socialista, não é boa com este Governo.

Estamos a falar, outra vez, de tratores nas ruas?

As manifestações têm várias formas. Podem ser umas de uma maneira, podem ser outras de outra, mas sim, obviamente, estamos a falar de tratores nas ruas. Isto para nós é uma linha vermelha.

Em relação ainda à Concertação Social, já receberam alguma proposta com valores do Ministério do Trabalho?

Temos mantido reuniões bilaterais com a Sra. ministra do Trabalho e com o ministro da Agricultura. Há uma intenção do Governo em apresentar um valor, deve acontecer na próxima semana.

Que outras contrapartidas foram apresentadas pela CAP, além da transferência das Direções Regionais?

As ajudas pagas pelo orçamento comunitário em Portugal representam 50%. Os espanhóis têm 82%, os franceses têm 86%. Não me parece, num país onde toda a gente sabe que as compensações de Bruxelas são menores do que noutros países, que o Estado venha a recolher milhões de euros de impostos desses pagamentos.

Pedimos que haja isenção nas ajudas 100% comunitárias, que são pagas diretamente por Bruxelas aos agricultores portugueses, e que não sejam tributadas em IRC e IRS.

Pedimos ainda isenção fiscal para as equipas de sapadores que fazem o trabalho de prevenção durante todo o ano. O Estado cobra IVA sobre os equipamentos de proteção, sobre o gasóleo, que podia ser gasóleo agrícola. O Estado dá com uma mão e tira com outra. Essas equipas são pagas pelo Fundo Florestal Permanente, se queremos mesmo ajudar e que haja mais prevenção, então temos de ser consequentes.

Outra questão tem a ver com os trabalhadores estrangeiros. O Estado tem uma taxa liberatória de 25% sobre os rendimentos destes trabalhadores. É inaceitável que um português e um nepalês trabalhem lado a lado e que, até ao ano passado, o português levasse para casa a totalidade do dinheiro e o nepalês ficasse sem 25%. O nepalês não está isento e o Estado português não consegue atribuir um visto de residência, uma forma de passar a ser tributado da mesma forma que o português.

O que está em vigor agora e o que querem alterar?

Hoje, nas horas extraordinárias e em tudo o que está acima do salário mínimo, o nepalês é tributado em 25%. Pedimos uma isenção fiscal desta taxa liberatória, pelo menos, até aos mil euros.

Porque é que a CAP se está a meter nisto? Repare, o que é que o nepalês vai pensar? Ou qualquer trabalhador imigrante. Que o patrão está a roubar. Não pode pensar de outra maneira. Como é que eu vou explicar a um nepalês que não sabe português correto, como é que o vou convencer que faz o mesmo que um português, ganha o mesmo, mas recebe menos?

A CAP é ainda intransigente sobre as condições de habitação. Se não há instalações condignas nas explorações agrícolas é porque a administração portuguesa não permitiu. Houve empresas que quiseram construir casas de cimento e tijolo e não deixaram, remeteram para os contentores, para não se criarem guetos.

"40% da mão de obra assalariada é estrangeira. Mas qualquer dia já nem os asiáticos querem vir"

Em que medida é que a agricultura portuguesa depende da imigração?

No setor agrícola, 40% da mão de obra assalariada é estrangeira. Desses, 60% são asiáticos. Como temos condições tão más de pagamento, os que vinham do Leste vão agora para a Alemanha, vão para França, que pagam muito melhor do que nós. Qualquer dia já nem os asiáticos querem vir. Sem mão de obra estrangeira não conseguimos crescer, do ponto de vista económico.

Com estas alterações das regras de entrada, está mais difícil encontrar mão de obra? Ou aumentou o trabalho informal?

Não, isso acho que está na mesma. Não melhorou foi nada e o objetivo era melhorar. Há umas centenas de milhares de pessoas que têm a sua situação para resolver. Isto só se resolve com uma ação de choque e com o reforço das capacidades de emissão de vistos nos consulados.

O Nepal não tem nenhum consulado. O Bangladesh não tem nenhum consulado. Nós precisamos dessa mão de obra, mas depois não criamos condições. E nem custavam dinheiro ao Estado, porque esses vistos são pagos.

Tem ideia de quantos trabalhadores estrangeiros vamos precisar na agricultura nos próximos anos?

As pessoas não são sempre as mesmas. Há cerca de 23 mil estrangeiros a trabalhar na agricultura. Quantos é que eu mantenho cá para o ano? Se saem 10 mil preciso de mais 10 mil? Mas eu acho que vamos ter necessidade de crescer. Se houver limitações na utilização de água, que começa a haver, as empresas não conseguem crescer e algumas já estão a sair do país.

Ainda sobre o IVA zero, em que houve um esforço para conter os preços e estavam previstos apoios aos agricultores. Já estão saldadas as contas?

Não, não estão.

Faltavam 20 milhões de euros há uns meses atrás.

Eu acho que esses 20 milhões nunca mais vão ser pagos. O Estado não é uma pessoa de bem, nunca foi. E esse é mais um exemplo.

Chegou a dizer que a anterior ministra da Agricultura nunca foi bem ministra. Como é que é a relação da CAP com o atual ministro, José Manuel Fernandes?

É uma relação boa, de trabalho. É uma pessoa que trata as coisas com as organizações, não é só com a CAP. Há até ao momento uma relação de confiança.

Sente que ele tem mais peso político do que a anterior titular?

Sinto, mas o peso político da Agricultura é um dos problemas que existe no setor.

Os deputados da zona interior, desde Bragança até ao Algarve, são menos do que os do Porto. Enquanto o sistema democrático português não corrigir a falta de representatividade das zonas rurais, a agricultura nunca poderá ter o peso que verdadeiramente tem.

"Crise no vinho? Nos últimos anos, temos importado mais do que aquilo que precisamos"

Há especialistas que alertam para a possibilidade de uma crise sem precedentes no setor vitivinícola. Este ano há de novo a necessidade de destruir vinho. O que é que está a acontecer?

Primeiro, tenho de identificar aqui o Douro e a Casa do Douro. Aquilo que o Governo e os políticos fizeram, colocar de novo a Casa do Douro com todas as funções, com inscrição obrigatória. Se for viticultor no Douro, quando este processo estiver concluído, sou obrigado a inscrever-me, ou pago ou vou-me embora. Isso não existe numa Europa com os valores que defende para todos os cidadãos.

Os estatutos que lhe arranjaram, contratação coletiva, promoção, gestão do cadastro. Faz tudo!

A quem serve esse faz-tudo da Casa do Douro e esse anacronismo como está a dar a entender?

Este anacronismo só serve aos políticos e foi uma forma de municipalização das instituições, como era a municipalização da agricultura, neste caso dos serviços agrícolas. Só pode servir a esses. E as pessoas estão desesperadas, confunde-se o problema da crise no setor do vinho com a Casa do Douro, que vai resolver o problema. Não vai resolver nada.

Relativamente à crise no setor do vinho, Portugal tem um consumo de cerca de 600 milhões de litros. Mas, de 2022 para 2023, esse consumo diminuiu 50 milhões, o que é muito. Produzimos cerca de 700 milhões de litros, ainda temos que importar cerca de 120 para as exportações, ou o vinho não chega. Portanto, não produzimos vinho em excesso, precisamos sempre de importar.

Nos últimos anos, temos importado mais do que aquilo que precisamos. Isso levou, com a diminuição do consumo, a que haja stocks em todo o sítio. Resultado: o preço baixou e estamos em crise.

Como é que se resolve?

Eu diria, basta diminuir as importações ou aumentar as exportações. Não podemos fechar as fronteiras. Qual é o caminho? Proteger mais a produção nacional. Posso pôr um vinho de uma região com uma percentagem de vinho da União Europeia. Para a União Europeia, isso é um pouco indiferente. Se o vinho é português, ou se é espanhol, ou se é francês, é da União Europeia.

Ainda a questão da escassez de água, um problema permanente em Portugal. Devem ser repensadas as culturas de regadio no país? Ou repensada a gestão?

Voltamos à mesma questão. A água é um fator limitante da produção. Em Portugal, 14% da área agrícola é de regadio. É preciso água para o país todo, não é só para as culturas de regadio. É preciso uma rede nacional da água, investir estruturalmente, no nosso país chove mais água per capita do que em Espanha. Nós deixamos a água correr para o mar.

As maiores perdas de eficiência da água estão nos canais públicos. O agricultor já faz uma gestão da água gota a gota. Não é aí que está o problema.

Nem todos.

Temos de dividir os agricultores em dois grupos. Os que vendem para o mercado e para os consumidores, que exigem um conjunto de regras e de situações de bem, e os outros. Cada vez vai ser maior a diferença entre os dois, os primeiros vão ter digitalização, robótica, tudo. Mas têm que existir os dois, Portugal terá sempre que ter agricultores pequenos e de manutenção.

Mas a agricultura já não se resume ao idoso de enxada na mão. Os agricultores são sensores, conhecimento tecnológico, a decisão é do programa informático que analisa 60 parâmetros para me dizer quando e o que vou semear.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu apresentar nos primeiros 100 dias do novo executivo comunitário a estratégia para a agricultura. O que é que defende que deve mudar na PAC?

Muita coisa. Umas vão ser possíveis, outras não. Essa intenção da presidente da Comissão Europeia é boa, é positivo o documento, mas os agricultores não vivem de intenções. O que é que mudou? Até agora nada.

O que é que tem de mudar? Primeiro, estabilidade. Cada vez que há uma reforma da PAC, muda tudo, a PAC vai no segundo ano e em Bruxelas já se discute outra reforma. Tem sido assim todos os anos.

Segunda questão, a simplificação. Terceira questão, não podemos exigir aos agricultores na Europa que cumpram regras muito apertadas do ponto de vista ambiental e dos medicamentos que usam e depois importar produtos que não cumprem nada disso. Aí o consumidor já come tudo e não há problema nenhum. Isso vai matar a agricultura em toda a Europa. Essa é uma das razões dos últimos protestos.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+