20 abr, 2023 - 15:33 • José Pedro Frazão
A antiga deputada Helena Roseta admite que os portugueses estão cansados em relação à vida democrática, associando esse estado de espírito a “erros” cometidos em consequências visíveis aos olhos dos cidadãos.
“Sou uma pessoa com muita participação política, com muita experiência, com alguma cultura, com algum conhecimento. Eu ‘desligo os botões’. Não vejo, não quero ver, não estou para isso. Ora, se eu cheguei a este ponto, há pessoas que têm muito menos experiência política que também desligam”, confessa Helena Roseta ao refletir sobre o estado da Democracia em Portugal ao cabo de quase cinco décadas de regime, no programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que lança uma série de iniciativas que arranca com uma conferência esta quinta-feira em Lisboa.
Helena Roseta considera que há “descrença” na sociedade portuguesa “porque houve coisas falhadas, erros que foram cometidos sem qualquer consequência”, sobretudo desde 2008.
A antiga autarca considera que essa falta de confiança dos portugueses na política e na democracia é um fenómeno “muito generalizado”.
Para o politólogo Pedro Magalhães, não é caso para falar de uma “apatia” dos portugueses em relação à Democracia, mas existem estudos que apontam para uma “visão hiper negativa” da classe política pelos cidadãos.
O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa considera que ”do ponto de vista das atitudes“ não é caso para concluir que a democracia está em risco em Portugal.
“A ideia de que os políticos são todos corruptos e que se preocupam apenas com os seus próprios interesses é de facto extremamente alta em Portugal. Isto fornece oportunidades para forças e líderes ativarem isso como tema político, mesmo que depois não sejam capazes de fornecer nenhuma solução”, conclui o politólogo, sublinhando que este fenómeno já se observa em muitos outros países na Europa, “com particular intensidade naqueles em que estes sentimentos são mais fortes”.
Pedro Magalhães é um dos coordenadores do livro “Oxford Handbook of Portuguese Politics”, a par dos investigadores Jorge Fernandes e António Costa Pinto. A versão traduzida desta obra é agora lançada sob o título “O Essencial da Política Portuguesa”, numa parceria editorial entre a Fundação Francisco Manuel dos Santos e a Tinta-da-China.
Os investigadores constatam que existe uma “crescente predisposição“ do povo português para depender de “um líder forte” para resolver “problemas difíceis”.
No capítulo que analisa a relação dos cidadãos portugueses com a política, Pedro Magalhães recorda um estudo recente que mostra que Portugal é um dos poucos casos europeus em que o apoio incondicional dos cidadãos à democracia diminuiu nas últimas duas décadas.
O antigo deputado do CDS António Lobo Xavier acredita que os portugueses “são claramente a favor da liberdade”, mas imaginam que é possível compatibilizar a liberdade com formas autoritárias de governo “iluminadas por supostos técnicos inspirados”.
“Isto é um problema de conhecimento, de cultura e de formação. Isto não é possível, é um engano. Eles não são contra a democracia [mas] preferiam uma democracia a funcionar melhor. E ao olharem para um lado caótico da democracia, gostariam de um pouco mais de ordem”, alvitra o também comentador político.
A falta de lideranças de referência no panorama político é uma constatação unânime entre os participantes no debate do “Da Capa à Contracapa”.
Helena Roseta deteta um “empobrecimento das lideranças partidárias” que emerge num caos que leva à citada “descrença” dos cidadãos na Democracia. “Isto leva as pessoas a pensar que, mal por mal, então que venham gajos que ponham isto na ordem que eu estou farto”, exemplifica a fundadora do movimento “Cidadãos por Lisboa”.
Helena Roseta considera que as lideranças que faltam são compostas por pessoas “com a coragem de defender os seus valores, que não estejam constantemente a mudar de opinião, que sejam capazes de distinguir o essencial do acessório”.
A ex-deputada eleita pelo PS e pelo PSD lembra que algumas das grandes figuras da história da democracia portuguesa também foram atacadas e insultadas e acredita que ainda hoje existem estas personalidades na política portuguesa. “Mas não são as figuras que vemos todos os dias. É esta confusão de vozes com grande prioridade para a indignação, sem consequências diretas, a dizer para todos irmos embora. E isto não é bom, não é saudável”.
Com uma carreira política que atravessou toda a democracia, Helena Roseta reconhece que “é muito difícil governar hoje em dia” devido à “exposição extrema” de quem está em lugares de poder, “o que torna mais difícil que as pessoas que poderiam ser chamadas sequer aceitem [convites] “, porque “não é fácil estar disponível para ser caluniado e insultado”.
Roseta acrescenta que a democracia representativa “está num tempo de complexidade brutal, de grandes incertezas, de uma guerra e de globalização”, o que, a juntar às questões da exposição, torna muito difícil o exercício de qualquer cargo de poder.
“Tenho esperança, como muitos democratas, que a democracia possa ser mais forte. Mas ela não será mais forte se os democratas não se baterem por ela, por novas formas de a exercer”, avisa a antiga deputada e autarca.
Para António Lobo Xavier, os partidos estão dominados por “gente que faça, que leve os recados, que atenda os telemóveis, que vá colar os cartazes” que sustentam uma “nomenclatura que se vai formando em todos os partidos moderados” com base em pessoas “que não são relevantes do ponto de vista social”, ao contrário de perfis de pessoas como as que, por exemplo, dirigem instituições de solidariedade social.
O comentador político diz que os partidos preferem procurar “homens de contactos” do que mulheres, num sinal de uma desigualdade que também penaliza todas as que dedicam um tempo “brutal, assustador” a tarefas domésticas.
O politólogo Pedro Magalhães argumenta que as democracias estão a sofrer com a perda de uma intermediação entre as vidas política e social.
O investigador do ICS lembra que, nas democracias mais antigas da Europa, os partidos sociais-democratas e da democracia cristã emanaram dos sindicatos, dos proprietários e de ligações à Igreja, que intermediavam a ligação entre grupos sociais de interesse e as decisões políticas.
“Com a secularização, por um lado, e a pulverização do profissional e da vida sindical, por outro, era preciso encontrar outras instâncias de intermediação organizacionais na sociedade civil, entre os cidadãos e a sua vida e a política”, apela Pedro Magalhães no programa “Da Capa à Contracapa”.