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Os portugueses a caminho dos Jogos Olímpicos

"Quando vemos o atleta com a medalha e um sorriso de orelha a orelha, tudo faz sentido"

23 jul, 2021 - 06:00 • Inês Braga Sampaio

O selecionador nacional de judo garante que "as expectativas são as melhores" para Tóquio 2020 e que o objetivo é conquistar "uma ou duas medalhas". Em entrevista à Renascença, Pedro Soares admite que o medo da Covid-19 ainda está bem presente e que, nesta altura, perturbador para os atletas seria ter público nos Jogos Olímpicos. O futuro está prometido ao judo, à carreira de treinador e, espera, à seleção nacional.

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Quando Pedro Soares, selecionador nacional masculino de judo, vê um dos seus atletas receber uma medalha, sente que todas as peças encaixam no seu lugar. É precisamente isso que quer voltar a sentir nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

"Estes atletas passam grande parte do tempo fora de casa, longe das suas famílias, em estágios, em viagens, portanto é a soma de tudo isso que faz com que os atletas consigam lá chegar. Quando vemos que o atleta atingiu o seu objetivo, olhamos para trás, para todo esse processo de quatro ou cinco anos, e vemos que tudo fez sentido e que tudo valeu a pena", explica, em entrevista à Renascença.

Falando pelas seleções masculina e feminina, Pedro Soares assume que, dado o naipe de judocas que Portugal leva para Tóquio - entre eles Telma Monteiro, campeã europeia e bronze no Rio 2016, Anri Egutidze, bronze nos Mundiais, ou Jorge Fonseca, bicampeão mundial -, o objetivo é conquistar medalhas.

O selecionador admite que o receio da Covid-19 "está sempre lá escondido no cantinho de cada um". Por outro lado, ao fim de ano e meio a combater em silêncio, estranho seria, agora, ter os adeptos a gritar desde as bancadas.

No final de contas, o treinador não entra no tapete e, no momento de maior pressão e expectativa, pode apenas transmitir uma última mensagem ao judoca:

"Retirar da cabeça dele que aquela é a prova das provas. Passar a mensagem de que é tudo igual e que, se tiver a competência que teve em anos e provas anteriores, as coisas vão correr bem. Se o atleta vai lá para dentro a pensar que não pode falhar, já leva às costas uma grande pressão. Os atletas não podem ter medo de falhar."

Qual é a expectativa para os Jogos Olímpicos no judo?

As expectativas são as melhores, dada a qualidade do grupo, que é muito homogéneo. Atletas experientes, atletas medalhados em Campeonatos do Mundo, temos a Telma Monteiro medalhada nos Jogos Olímpicos do Rio, portanto as expectativas são boas. Mas não passam de expectativas e teremos de mostrar em competição que realmente estamos à altura daquele evento, que é o maior do mundo para todos estes desportos, incluindo o judo.

Vamos, então, ter de estar à altura para materializar a nossa qualidade e trazer medalhas, sabendo de antemão que, muitas vezes, a diferença, numa prova desta magnitude, entre ficar em quinto lugar ou em terceiro lugar é muito ténue. Não quer dizer que o atleta tenha estado mal ou tenha feito uma má competição.

Teremos de entrar com grande humildade e competência e, no fim, faremos o balanço da prestação dos atletas e veremos se realmente estivemos à altura de trazer as medalhas. E assumir a responsabilidade daquilo que foi feito dentro do tapete, como é evidente.

Qual é o sentimento com que a equipa chega aos Jogos Olímpicos?

É uma energia positiva muito boa, a nossa equipa é uma autêntica família, até porque, durante todo este tempo da Covid-19, nós organizámo-nos e passámos grande parte deste ano e meio em Coimbra, sempre fechados em bolha e a treinar todos em conjunto, o que acaba também por fortalecer as relações humanas entre eles.

Para além disso, a qualidade deles é muito alta, treinaram bem, prepararam-se bem e, portanto, o estado de espírito é muito positivo, muito otimista. Todos eles vão tentar dar o seu melhor e todos têm na sua cabeça a certeza de que podem lutar por uma medalha, que têm capacidades de lutar por uma medalha. E eu não tenho dúvidas nenhumas de que todos aqueles atletas entrarão no tapete para representar dignamente a nossa bandeira e tentar, de forma transversal, trazer o melhor resultado para Portugal.

Agora, sabemos que é um evento muito difícil e que todos os países do mundo se preparam para vencer. Vamos tentar ser otimistas e vamos aguardar e esperar que os resultados sejam os melhores e que possamos trazer uma ou duas medalhas.

O que é que costuma dizer aos seus atletas antes dos combates numa competição de topo como esta?

Não é preciso dizer muito, porque eles sabem que trabalharam durante anos para aquele dia. É preciso também relembrar ao público que não está tão familiarizado com o desporto olímpico que todos estes atletas que vão entrar no tapete já passaram por uma primeira triagem e por uma primeira fase de grande competência, que é obterem os mínimos olímpicos, classificarem-se no "ranking" mundial entre os 25 primeiros lugares. Esta já é, de facto, uma grande prestação dos nossos atletas.

Respondendo objetivamente à sua pergunta, aquilo que um treinador mais tenta fazer neste momento é retirar dos ombros dos atletas alguma pressão inerente a uma participação nuns Jogos Olímpicos. Tentar retirar da cabeça dele que aquela é a prova das provas, tentar colocar o atleta com o pensamento circunscrito ao que se vai passar ali dentro. Tentarem fazer o seu melhor, de certa forma divertirem-se, estarem altamente concentrados, mas não colocar demasiada pressão no atleta.

Ou seja, passar-lhes a mensagem de que é tudo igual. O tapete é igual, os árbitros são os mesmos, os adversários são os mesmos, as regras são as mesmas e que, se eles tiverem a competência que tiverem em anos e provas anteriores, as coisas vão correr bem. Se o atleta vai lá para dentro a pensar que não pode falhar, já leva às costas uma grande pressão.

Basicamente, o que os treinadores da seleção tentam transmitir aos atletas é que não podem ter medo de falhar. Têm de arriscar, têm de tentar vencer e têm de esquecer, quando estão ali dentro, que isto é uma competição que se realiza de quatro em quatro anos. Ter o mesmo procedimento, o mesmo rigor, a mesma competência que tiveram nas outras provas, porque, no final, é tudo igual. De certa forma, é tentar desresponsabilizá-los e retirar-lhes alguma pressão da magnitude deste evento.

Já no pós-combate, qual é a sensação que tem ao ver um dos seus atletas receber uma medalha, especialmente uma das grandes medalhas?

Eu, recentemente, tive o prazer de acompanhar o Jorge Fonseca a ser bicampeão do mundo. Normalmente, quando estes grandes resultados se dão, nós não temos ainda uma consciência muito grande do feito que acabámos de fazer. Normalmente, costumamos dizer, passe a expressão, que ainda não caiu a "ficha". Passado um dia ou dois, quando começamos a ver o impacto em termos mediáticos destes resultados, é que nos começamos a aperceber, pelo menos eu como treinador, do feito que conseguimos fazer.

Mas, basicamente, é uma questão de realização pessoal. É nós sabermos que ficamos contentes, obviamente, por ver o atleta com um sorriso rasgado de orelha a orelha no pódio com a medalha e, depois, tudo faz sentido. Estes atletas de competição e os seus treinadores passam grande parte do tempo fora de casa, longe das suas famílias, em estágios, em viagens, portanto é a soma de tudo isso que faz com que os atletas consigam lá chegar.

A capacidade de sofrimento que tiverem, quanto maior, faz com que o resultado possa ser melhor. Portanto, quando nós vemos que o atleta atingiu o seu objetivo, neste caso concreto uma medalha nuns Jogos Olímpicos, nós olhamos para trás, para todo esse processo de quatro ou cinco anos, e vemos que tudo fez sentido e que tudo valeu a pena. Essa é a sensação que eu tenho quando vejo um atleta subir ao pódio numa competição desta dimensão.

Esta competição, excecionalmente, não vai ter público. O que é que muda, para os judocas em especial, nestas condições?

Há um ano e tal, os atletas estranhavam um pouco a ausência de público. Agora, é ao contrário. Agora, quando as provas voltarem a ter público é que eles podem estranhar, porque já fizeram uma dúzia ou mais de competições todas elas sem público, portanto neste momento este é o seu habitat normal: é entrarem para o tapete e saberem que não há ninguém nas bancadas.

Neste momento, eles estão mais familiarizados com a ausência de público do que com a presença, portanto isso vai ter pouca influência. O atleta está muito focado naquilo que tem para fazer e, por norma, quando está lá dentro, [o público] não tem uma grande intervenção na sua performance. Poderá ter um pouco.

Neste caso, até calha bem, porque a prova é no Japão, o público seria japonês e os japoneses, por inerência, são todos eles candidatos à medalha e muito fortes. Portanto, poderiam ter ali um acréscimo motivacional e não vão ter. Mas todos eles [judocas] já estão habituados a não combater com público nas bancadas, portanto será mais do mesmo.

Aliás, no futuro, quando o público voltar, até poderá ser um fator perturbador...

Será ao contrário, não é? Eles, neste momento, estão habituados a combater sem público. Quando o público vier é que eles vão estranhar e nós, infelizmente, ainda não sabemos quando é que isso irá acontecer.

Neste âmbito, sente, hoje em dia, os seus atletas ansiosos com a Covid-19 ou sente que isso já passou?

Não, não sinto que passou, sinto que é uma preocupação diária. Sinto que é um medo que está sempre lá escondido no cantinho de cada um de nós. Não só os atletas, como também os treinadores, equipa médica, dirigentes.

Porque uma coisa é apanhar ou ter apanhado o vírus a três ou quatro meses dos Jogos. Temos consciência de que temos tempo para recuperar e voltar a testar negativo para poder voltar à nossa atividade e poder ir para Tóquio descansados. Outra coisa é contrair o vírus nesta reta final quando provavelmente já nenhum deles teria tempo de recuperar, dar negativo e poder competir.

Nesta fase final, essa ansiedade, esse medo e esse receio é muito maior, porque será, passe a expressão, a "morte" do artista. Provavelmente, o atleta já não vai ter tempo para recuperar e para dar um teste negativo e ficaria impedido de poder participar nestes Jogos Olímpicos.

Partindo para um campo mais pessoal, disse numa entrevista, já há uns anos, que se casou como judo quando vestiu o fato de treino da seleção nacional. Quando é que se casou com a ideia de ser treinador?

Olhe, eu não tinha muito mais opções. Dediquei toda a minha vida ao judo enquanto atleta e a transição para treinador foi normal e natural. A ideia de que esse seria o meu futuro para o resto da vida foi crescendo à medida que os resultados positivos foram aparecendo. Eu fui crescendo enquanto treinador e os resultados foram acompanhando e tal como o atleta se vai motivando com os resultados, como treinador é exatamente a mesma coisa.

Eu, hoje, trabalho muito mais e tenho muito mais dedicação à minha carreira de treinador do que aquela que tinha há 15 ou 16 anos, quando a iniciei. Tenho tido a felicidade de ter excelentes atletas do meu lado, que têm proporcionado momentos inesquecíveis de alegria.

Posso dizer que me casei com esta ideia de ser treinador há mais de 10 anos, quando não tinha resultados da dimensão que tenho hoje, porque os meus atletas ainda eram muito jovens, mas já tinha uns resultados de relevo e não tinha qualquer dúvida de que é nesta magia do desporto, é nesta magia da alta competição, é nesta magia dos resultados, deste desporto que eu vivi a minha vida toda que eu quero continuar a viver até aos últimos dias.

Dando aqui um exemplo, repare: o Jorge Fonseca, no Campeonato da Europa de Lisboa, era apontado e candidato ao pódio, neste caso até ao lugar mais alto do pódio, até por se realizar em Lisboa. Acabou por ficar em sétimo lugar. Foi uma enorme desilusão, uma enorme frustração, nós não estivemos bem. Passado um mês, ele é bicampeão do mundo arrasando toda a gente, sendo o melhor atleta da prova.

É esta magia que eu sei que existe no desporto, nomeadamente neste desporto de alto nível, que eu quero continuar a viver e a rever-me, porque é só aqui que eu me sinto bem.

Pedro Soares, selecionador nacional de judo. Foto: Sofia Freitas Moreira/RR

Falou agora do caso do Jorge Fonseca. Como é que se lida com a desilusão de um resultado desses?

Olhe, vai-se lidando, vai-se digerindo. Um resultado negativo, para um atleta do nível do Jorge, não é uma coisa que se possa digerir em 24 horas. É uma coisa que fica cá dentro e leva algum tempo. O que tem de bom é que existe sempre um próximo objetivo, existe sempre uma próxima etapa. Portanto, a frustração de um mau resultado vai sendo digerida à medida que o próximo objetivo se aproxima, porque a cabeça do atleta e do treinador começa a focar-se muito mais no próximo objetivo, e em tentar ter um bom resultado no próximo objetivo, do que naquele que já passou e que realmente correu mal.

Isto é um ciclo vicioso, as coisas vão andando, o tempo vai passando e nós vamos andando para a frente, e vamos aprendendo a lidar com essa frustração, que faz parte do desporto. Ninguém ganha sempre, ninguém consegue ganhar sempre. Quando as derrotas vêm e os nossos adversários foram melhores, há que aceitar e há que trabalhar para o próximo objetivo.

Falando em andar para a frente, podemos continuar a contar com o Pedro Soares na seleção nacional após os Jogos Olímpicos?

Isso é uma pergunta que tem de fazer ao presidente da Federação [risos]. Se me pergunta se é o meu objetivo e a minha ambição, sem qualquer dúvida que eu quero trabalhar ao mais alto nível o maior número de anos possível. Eu penso que sim. Da minha parte, estou completamente disponível e parece-me, também, que, provavelmente, até 2024 a minha posição na seleção nacional irá manter-se.

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