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Os portugueses a caminho dos Jogos Olímpicos

"Temos campeões do mundo". Presidente do Comité Olímpico confia que é realista sonhar com duas medalhas em Tóquio

19 jul, 2021 - 06:30 • Carlos Dias , Inês Braga Sampaio

José Manuel Constantino tem consciência do histórico nem sempre positivo e de que as restrições decorrentes da pandemia da Covid-19 podem levar a resultados surpreendentes. Porém, garante que Portugal tem "uma seleção forte", pelo que o objetivo definido com o Estado é alcançável. "Espero é que a ausência de público não adultere o valor desportivo da nossa missão", diz, em entrevista à Renascença.

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"Temos campeões do mundo". Presidente do Comité Olímpico confia que é realista sonhar com duas medalhas em Tóquio
"Temos campeões do mundo". Presidente do Comité Olímpico confia que é realista sonhar com duas medalhas em Tóquio

O presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Constantino, acredita que Portugal tem uma seleção forte e que o objetivo de conquistar duas medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, definido contratualmente com o Governo, é alcançável.

Em entrevista à Renascença, José Manuel Constantino salienta que, "se temos campeões do mundo, se temos atletas que têm em 2021 das melhores marcas mundiais, se temos posições de pódio em modalidades de forte competitividade internacional", então "é expectável" que esses indicadores sejam confirmados na capital do Japão.

No entanto, avisa presidente do COP, expectativas semelhantes já foram defraudadas no passado. O importante é manter um discurso equilibrado, mais ainda num contexto tão específico como o deste ano, em plena pandemia da Covid-19, que traz restrições e exigências a que os atletas nunca antes foram submetidos.

"Há um controlo restrito de toda a participação olímpica, obrigando cada um de nós a ter uma autodisciplina muito grande, sob pena de poder infringir regras e procedimentos que estão estabelecidos e pura e simplesmente ser afastado de participar nos Jogos ou ter de regressar ao seu país de origem", assinala.

José Manuel Constantino espera apenas que as circunstâncias não "adulterem" o valor desportivo da missão portuguesa nos Jogos Olímpicos.

O que mudou em termos de organizativo, para o Comité Olímpico de Portugal, o aumento deste ciclo olímpico para cinco anos?

Tivemos mais tempo para preparar a missão. Esse mais tempo correspondeu também a mais gastos, porque tivemos de sustentar uma estrutura que estava estimada para quatro anos e passou a ter cinco. Mas, sobretudo, tivemos de nos adaptar a uma situação que do ponto de vista operacional e logístico estava permanentemente a ser objeto de alteração e de modificação por força do quadro pandémico que se estava a viver e, admito eu, por força da perceção social que o povo japonês tem relativamente à oportunidade de realizar estes Jogos em total segurança.

Mas isto foram, digamos, circunstâncias que habitualmente não ocorrem na realização de uns Jogos Olímpicos e, apesar de nós termos uma estrutura técnica que está suficientemente treinada para as rotinas que a organização de uma missão olímpica envolve, naturalmente que foram agora postos perante desafios diferentes daqueles que conheciam e, sobretudo, uma necessidade permanente de adaptação ao quadro restritivo que a organização dos Jogos em Tóquio exige às delegações dos diferentes comités olímpicos nacionais.

O sentimento de quem já está no Japão, de quem já está a embarcar, quem está a preparar as malas… Sentem, pela vossa experiência, principalmente dos atletas, porque tudo está direcionado para a prestação deles, que há ansiedade, há apreensão?

Há, sobretudo, muita paciência, porque os tempos que são exigíveis do ponto de vista da saída do aeroporto, do acesso às bagagens, os controlos sanitários que têm de ser realizados… É uma carga de natureza operacional a que os atletas e os restantes membros da missão não estavam habituados. Mas têm de estar preparados para essa circunstância, porque, de facto, são exigidas pelo comité organizador.

Quem parte, mesmo estando vacinado, tem de apresentar testes relativamente a 96 e a 72 horas antes da chegada a Tóquio. Chega a Tóquio, tem de ser novamente testado, e diariamente é testado. Todos os membros da missão têm uma aplicação nos seus telemóveis — quem não tem telemóvel tem de adquirir a chegar ao Japão — onde vai ser monitorizada toda a movimentação das pessoas. Eu próprio tenho essa aplicação.

Para todos os presentes dos Jogos Olímpicos, independentemente da função?

Para todos os presentes. O que significa que, diariamente, é obrigatório colocar lá a temperatura corporal e sinalizar quais são os movimentos que em Tóquio, ou nos outros locais que acolhem competições dos Jogos, as pessoas fazem.

Portanto, há um controlo restrito de toda a participação olímpica dos 11 mil atletas, dos mil e tal voluntários, de toda a estrutura que vai estar presente nos Jogos, obrigando cada um de nós a ter uma autodisciplina muito grande, sob pena de poder infringir regras e procedimentos que estão estabelecidos e pura e simplesmente ser afastado de participar nos Jogos ou ter de regressar ao seu país de origem.

Isso poderá, também, fazer com que, em termos desportivos, olhemos, depois, para as classificações e se possa ter alguma ou algumas surpresas positivas? E outras negativas, naturalmente.

Vamos ter de aguardar para verificar se, de facto, os resultados alcançados nos Jogos Olímpicos, e refiro-me aos resultados desportivos em termos gerais, não apenas à missão olímpica nacional, tiveram ou não alguma influência pela circunstância de a competição se desenvolver em contextos não habituais, designadamente com a ausência de público. Vamos ter de aguardar.

Aquilo que eu espero é que essa circunstância não adultere o valor desportivo da nossa missão, parte do qual foi adquirido em competições que no último ano se realizaram já sem público. Portanto, digamos que o contexto de competição que os nossos atletas vão encontrar, para a generalidade deles, não é estranho, no sentido em que vão competir sem a presença de público.

Naturalmente, para aqueles que têm experiência olímpica e que já participaram em anteriores edições dos Jogos Olímpicos, tudo o que vai acontecer é muito diferente daquilo a que estavam habituados. Só podem estar na Aldeia [Olímpica] cinco dias antes e têm de sair dois dias depois da competição, quando a Aldeia era o palco, por excelência, dos contactos, da partilha, da festa, da alegria, dos relacionamentos entre atletas de todo o mundo. Tudo isso, agora, vai estar limitado a um conjunto de práticas em que as pessoas vão ter regras muito restritas relativamente à forma como podem estar na Aldeia e como podem sair dos quartos para ir aos refeitórios ou para passear nos espaços adjacentes à própria Aldeia. Tudo isto vai ser muito diferente.

Obviamente que, nos planos que são feitos, há sempre a expectativa de qualificar o maior número de atletas e modalidades possível. Estes 92 atletas e 17 modalidades fogem muito às expectativas? Para cima, para baixo?

No que respeita ao quantitativo, os 92 ultrapassam as nossas expectativas. Nós tínhamos balizado a nossa missão entre 70 a 80 atletas. A grande surpresa, positiva, foi o apuramento do andebol. Do ponto de vista de ficarmos aquém do nosso objetivo, tínhamos estabelecido como objetivo participar em 19 modalidades, mais três que o Rio, e vamos participar apenas em 17. Houve aqui duas modalidades, de um conjunto de três, quatro — o futebol, o karaté, o golfe — em que esperaríamos ter algum apuramento e, infelizmente, isso não ocorreu. Portanto, ficámos aquém nesse objetivo.

Mas havia outros objetivos intermédios que também preenchemos, designadamente um maior equilíbrio entre a participação masculina e a participação feminina.

São quase 40% de participação feminina.

Estamos em 39-qualquer-coisa, portanto digamos que, não tendo o objetivo sido alcançado na sua plenitude, está umas décimas abaixo daquilo que estava estabelecido.

Tivemos também outro objetivo que é menos percetível do ponto de vista da opinião pública, mas que para nós é muito relevante, que tem a ver com termos aumentado a percentagem dos atletas que, tendo sido apoiados ao longo dos cinco anos para participar nos Jogos Olímpicos, conseguiram essa qualificação. Ou seja, a taxa de não aproveitamento dos apoios é percentualmente mais baixa do que aquela que tivemos em edições anteriores. Isso é também um objetivo que foi atingido.

E agora, as classificações. Há contratos com o Estado e nos contratos, que foram celebrados, os definitivos, em 2017: duas medalhas; 12 diplomas, ou seja, oito primeiros classificados; e 26 posições até ao 16.º lugar. É possível?

Creio que sim. Nós temos cinco, seis modalidades em que temos atletas que podem disputar posições de pódio. Temos um quadro de participação desportiva 2020/21, ainda que muito limitado sobretudo em 2020, por força da situação pandémica, em que houve resultados de excelência em competições desportivas mundiais, que é, digamos, a competição mais próxima de uns Jogos Olímpicos. Tivemos aí resultados muito relevantes, com posições de “top”, inclusive de campeões do mundo.

A nossa esperança é que uma parte significativa deste valor se possa transferir para o contexto da participação olímpica e que, em Jogos Olímpicos, os nossos atletas possam evidenciar o valor desportivo que já evidenciaram em contextos competitivos similares.

Pese embora a circunstância de termos, também, no nosso histórico de participações olímpicas, situações próximas daquela que estamos a viver atualmente, ou seja, termos uma delegação com muitos atletas ou campeões do mundo ou tendo as primeiras posições nos “rankings” mundiais e que depois não conseguem traduzir, no palco dos Jogos Olímpicos, esses indicadores. Portanto, temos de ser prudentes.

Eu tenho muita dificuldade na forma como tenho de fazer a gestão da minha comunicação, nesta matéria. Porque se, por um lado, não posso, publicamente, ter expectativas abaixo das expectativas dos atletas, por outro lado, tenho de ter a perceção de que há um histórico que nem sempre nos correu bem e não posso, perante a opinião pública, elevar um quadro de expectativas que, depois, não tem tradução prática. Por outro lado, aquilo que é objetivo é que temos um contrato feito com o Estado para o financiamento da preparação olímpica e, por força dos dispositivos normativos a que estamos obrigados, tivemos de estabelecer objetivos de carácter desportivo.

Pelo menos duas posições de pódio, pelo menos 12 posições até aos oitavos lugares… Portanto, a minha expectativa realística, neste momento, face à missão que temos, é que esses objetivos são alcançáveis. Se eles forem superados, naturalmente que fico muito feliz e muito satisfeito. Se ficarmos aquém dos objetivos que estabelecemos, naturalmente que a responsabilidade é do Comité Olímpico de Portugal, porque foi quem contratualizou com o Estado estes objetivos.

Telma Monteiro, Jorge Fonseca, Pedro Pichardo, Auriol Dongmo, Fernando Pimenta, Patrícia Mamona… E há mais. Isso também faz com que este discurso dos treinadores das respetivas federações, no fundo, tenha razão de ser? Temos, realmente, uma seleção forte?

Sim.

Até comparando com outros Jogos, lá está. As expectativas, a preparação e, depois, os resultados.

Eu acho que temos uma seleção forte. Se temos campeões do mundo, se temos atletas que têm em 2021 das melhores marcas mundiais, sobretudo nas disciplinas métricas, sobretudo no atletismo, se temos posições de pódio em modalidades de forte competitividade internacional, como o caso da canoagem, acho que é expectável, é desejável, que esses nossos representantes possam, no palco dos Jogos Olímpicos, confirmar estes indicadores. Portanto, a minha esperança é que as coisas nos sejam favoráveis, que haja alguma sorte, porque nestas coisas ela também conta, que nos ajude a não desvirtuar o valor desportivo dos nossos atletas.

Eu não estou com a expectativa de que possam ser atingidos objetivos diferentes daqueles que têm sido alcançados, mas, se conseguirmos confirmar aqueles que já foram alcançados em competições desportivas internacionais, designadamente em Campeonatos do Mundo, se conseguirmos confirmar as posições cimeiras de “ranking” internacional que alguns dos nossos representantes têm, naturalmente que nos poderemos dar por muito satisfeitos.

Em traços gerais, quanto é que estes cinco anos custaram, para termos esta seleção pronta a competir?

Vai custar à volta de 21 milhões [de euros] em cinco anos. Foi aquilo que o Estado português conseguiu disponibilizar para a nossa preparação olímpica. E se eu, na altura em que assinei o contrato com o Estado, não me queixei do valor que estava a ser atribuído, é óbvio que também não me vou queixar pelo facto de os resultados serem os que forem, justificando isso com a natureza do financiamento.

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