17 jul, 2017 - 07:55 • João Carlos Malta (texto), Joana Bourgard (imagem)
Pedrógão, um mês depois do inferno:
Ao andar pelas estradas dos três concelhos fustigados pelo fogo que há um mês matou 64 pessoas e feriu mais de 200, começa-se a ver nas beiradas da floresta o verde a despontar. Ainda tímido. É a vegetação rasteira que começa a contrastar com as milhares e milhares de árvores que o fogo pintou de preto. A natureza dá os primeiros sinais de recuperação. Um mês depois, também as pessoas começam a reerguer-se. Lentamente. Com dificuldades. Renascer das cinzas não é nada fácil.
A Renascença voltou a Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos para acompanhar a história de três pessoas que perderam. E a perda neste incêndio teve tantas e tantas formas. Demasiadas.
Maximiano ficou sem a mãe e o pai, depois de ter salvado a sua casa. Viu morrer pessoas na estrada, uma delas que tinha visto nascer. Debate-se, um mês depois, com pensamentos: podia ter feito mais?
“É chato pensar que se tenho ido mais cedo os podia salvar [aos pais] e eles tinham outro tipo de morte, sem tanto sofrimento. A partir daí, uma pessoa tem de fazer um dia atrás do outro”, diz.
Mas, pondo alguma razão nas opções que tomou naquele dia, convence-se de que fez o que tinha de fazer. “Se tenho lá ido buscá-los…. Mas um gajo lá pensa que vai acontecer uma coisa destas. Tinha lá ido logo às sete e meia”, garante.
Os verdadeiros heróis do autarca
O presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, faz um balanço positivo de um mês de auxílio às populações no pós-incêndio. A polémica dos últimos dias faz com que a visão do autarca esteja longe de ser consensual. Há muitos a falar de desorganização e de falhas no apoio às vítimas.
Mas há uma certeza: as cicatrizes vão permanecer. Muitos dos que viveram com mais intensidade o terror das chamas sentiram o abandono do Estado na hora da aflição.
“O grande sentimento das pessoas, e estavam muito afectadas por isso, era em relação à falta de homens e de carros de bombeiros. Isso foi uma realidade. É muito triste e é muito grave, mas o facto é que não havia maneira de lá chegar”, lembra.
Aproveita para fazer uma ode aos sobreviventes. “Para mim os grandes heróis e os grandes bombeiros foram essas pessoas que não tiveram carros de bombeiros, nem água, e conseguiram por outros meios, que eu nem imagino, proteger e salvar as suas casas”, enfatiza.
Sem tecto aos 79 anos
Ti Rosalina sobreviveu e agradece a Deus por isso. Mas não conseguiu que a casa, na aldeia da Figueira, em Pedrógão, ficasse de pé. Aos 79 anos tem agora uma nova provação numa vida já cheia de dramas.
Agora só quer que a casa que lhe está prometida esteja pronta tão rápido quanto possível. Não pede muito. “Só quero que me façam uma salinha, dois quartos e uma casa de banho”, enumera.
Mas até agora só promessas, ainda nada que se veja. O Presidente da República e presidente da câmara garantiram-lhe que no Natal já será passado na nova casa. Ela terá de esperar para ver.
Promessas, promessas
Do mesmo se queixa Sandra Carvalho. É gestora de uma das maiores empregadoras da região, a Serração Progresso Castanheirense, onde trabalham cerca de 50 pessoas.
Já por lá passaram comitivas de políticos e de técnicos. Já houve promessas. Mas “até agora nada”. “Estamos por nossa conta. Já houve várias reuniões e visitas, mas nada de concreto”, refere. Não sabe até quando se vão aguentar sem apoios.
Numa zona tão fustigada pela desertificação, o fogo levou vidas que se somam às dos que partiram para os grandes centros em busca de uma vida melhor. Tudo junto, as pequenas povoações dos três concelhos, segundo Valdemar Alves, já nem se podem designar como abandonadas. “São aldeias fantasma”, resume.
O autarca promete ainda assim que tudo isto vai servir para algo mudar. A começar pela floresta.
“A minha grande preocupação é a da reorganização das florestas para que não tenhamos uma floresta como a que tínhamos, que estava abafada e proporcionava a combustão. Eram pinheiros misturados com eucaliptos, com as acácias e outras árvores. Tem de haver faixas de segurança, doa a quem doer, nas estradas e nas casas, e sabermos o que vamos plantar”, defende.
A promessa está feita, mas só o futuro dirá que história se vai escrever depois da maior tragédia humana provocada por incêndios de que há memória em Portugal.
Pedrógão, um mês depois do inferno: