Joãozinho não falhou um minuto na I Liga e está livre para decidir o futuro

18 jun, 2019 - 12:45 • Eduardo Soares da Silva

Joãozinho deixa o Tondela, depois de um campeonato em que não falhou um único minuto. Em entrevista à Renascença, o lateral-esquerdo recorda as passagens prematuras por Braga e Sporting, o crescimento no estrangeiro e a breve passagem pela Premier League.

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Depois de duas temporadas com o objetivo cumprido da manutenção no Tondela, Joãozinho anuncia o adeus ao clube beirão. Aos 29 anos, o lateral-esquerdo é um jogador livre para decidir o futuro, com propostas na I Liga e no estrangeiro.

Joãozinho deixa uma herança de 68 jogos no Tondela. É um dos três totalistas do campeonato 2018/19, a par de Briseño, do Feirense, e do colega de equipa Cláudio Ramos.

Em entrevista à Renascença, o defesa recorda o salto da terceira divisão, no Mafra, para a I Liga, no Beira-Mar, as experiências precoces no Sporting e no Sporting de Braga, o teste na Premier League e o crescimento pessoal no estrangeiro, com as passagens por Moldávia, Roménia e Bélgica.

Três temporadas com a manutenção assegurada no Tondela. Balanço positivo?

Muito positivo, até porque conseguimos fazer história na primeira época, o clube nunca tinha ficado em 11º lugar. Foi uma época muito forte, com uma enorme família. Construímos muitas amizades e isso via-se dentro de campo. Esta época também começou bem, a fazer história com a passagem à fase de grupos da Taça da Liga, com uma vitória em Guimarães. Depois fomos uma equipa irregular, que não deu sequência às exibições e resultados. Sabendo que desciam três equipas, foi uma luta titânica. Muitas equipas só se safaram perto do final e nós foi até à última, mas conseguimos essa grande vitória que nos manteve na I Liga.

A manutenção foi alcançada com um goleada expressiva contra o Chaves, por 5-2, na última jornada. Aos 25 minutos, já venciam por 3-0. Esperava um resultado tão alargado?

Esperávamos um jogo difícil, competitivo, sabíamos que o Chaves ia jogar no nosso erro, porque o empate servia para eles. Sempre dissemos uns para os outros que seria melhor o Chaves precisar do empate, do que nós. No nosso subconsciente, numa final como esta, se fosse ao contrário, iríamos baixar muito as linhas, poderíamos sofrer primeiro e claudicar. Fomos à procura da vitória a todo o custo. Encarámos assim a semana e o jogo. Ninguém imaginava estar numa posição tão confortável aos 30 minutos, a vencer por 3-0. Nós próprios olhávamos uns para os outros e não percebíamos o que estava a acontecer. Nem nos melhores sonhos imaginávamos. Depois do jogo em Alvalade que empatámos e fizemos uma boa exibição, olhámos uns para os outros no balneário e dissemos que não iríamos descer, que íamos ganhar o último jogo, e assim foi.

Apesar da irregularidade, o Tondela conseguiu ganhar ao Sporting, em casa, empatar em Alvalade, e vencer duas vezes o Vitória de Guimarães…

Batemo-nos muito bem nos jogos contra as equipas grandes, mesmo quando perdemos com o Braga, FC Porto, por 1-0. No Estádio da Luz perdemos no fim. Contra o Sporting conseguimos fazer quatro pontos. Nos jogos contra as equipas do nosso campeonato, a equipa tremeu um pouco. Quando uma equipa é unida, as coisas acontecem com naturalidade. Quando as coisas estão um pouco divididas, como aconteceu este ano, fica mais complicado. Em muitos momentos, foi isso que aconteceu. Os jogadores mais velhos tentaram unir o barco para que a época acabasse da melhor forma.

Sobre essa desunião, alguns jogadores criticaram a atitude de outros, depois do último jogo da temporada. Concorda?

Inteiramente. Nós que estamos lá dentro e sentíamos como ninguém, sentimos muito isso ao longo da temporada. Nem todos estavam comprometidos pelo mesmo objetivo, e assim as coisas ficam mais difíceis. Isso tornou tudo mais saboroso no fim, fizemos um milagre, entre aspas, porque os poucos que queriam, conseguiram, foi um feito inacreditável para nós. No meu primeiro ano, éramos uma família e conseguimos o 11º lugar, e quando as equipas não são uma família dentro de campo, isso nota-se. A época torna-se mais complicada, e daí a nossa irregularidade, pode ter estado aí nesse pormenor, que se pode tornar num "pormaior". Sem união forte entre todos, pensa-se que se vai resolver no individual, e tudo fica mais complicado. Por isso concordo com o que eles disseram, falaram a quente, mas bem.

Qual o balanço que faz do trabalho com o Pepa, depois de duas épocas juntos.

Só pode ser positivo. Teve dois anos e meio e conseguiu três manutenções. Fizemos resultados históricos, como ganhar na Luz, onde o clube nunca tinha conseguido, ficar no 11º lugar, quase com 40 pontos, o que era inimaginável para todos no início da época. As coisas correram bem e alcançámos os objetivos propostos por todos.

Joãozinho foi um dos três totalistas do campeonato esta época, para além do Briseño (Feirense) e do Cláudio Ramos (Tondela). Que avaliação faz deste registo?

É muito bom. Sendo defesa ainda é mais difícil, porque estamos expostos a cartões, ou ter de fazer uma falta de equipa e ser expulso. Já tenho 65 jogos consecutivos a titular e 90 minutos. Só o Cláudio Ramos tem mais, quase com 80 jogos. Para um jogador de campo, sem ser guarda-redes, é notável, ainda para mais pela posição. A jogar a lateral, apanho muitos jogadores rápidos e bons tecnicamente. Não é fácil acabar a época com os minutos todos.

No penúltimo jogo em Alvalade, todos os defesas que jogaram estavam em risco de suspensão e os meus três colegas foram amarelados e não iam poder jogar contra o Chaves. Chegou a uma fase do jogo em que tive de me encolher em várias situações para estar no jogo decisivo, porque queria muito estar nesse jogo. O caráter e a personalidade de um jogador vê-se quando se está com "a corda no pescoço", quando a equipa precisa. Seria fácil para mim receber o amarelo e mandar a "batata quente" para outro. O próprio treinador perguntou-me se queria que me poupasse em Alvalade por causa do amarelo e eu disse que não. Não era altura de poupanças, precisávamos de "meter a carne toda no assador" e dei-lhe a minha palavra como não levava cartão amarelo contra o Sporting, e cumpri.

Voltando ao início da carreira, esteve três anos na terceira divisão, no início da carreira, no Olivais e Moscavide e no Mafra, e salta diretamente para a I Liga, no Beira-Mar.

Foi uma transição que já ambicionava há muito, dei o salto diretamente para a I Liga e as coisas correram logo muito bem. No primeiro ano, fui eleito o jogador revelação pelos adeptos do Beira-Mar e tive propostas para sair. Eu próprio decidi que era melhor ficar na I Liga para ganhar traquejo e experiência.

Foi um salto positivo, até porque, antes, já tinha estado à experiência no Birmingham, tudo estava bem encaminhado para ficar e ser emprestado a um clube do campeonato português, mas o presidente do clube portou-se mal lá no país e até foi preso. Tinham grandes jogadores, como o Hleb, que vinha do Barcelona, o Obafemi Martins, antigo jogador do Inter de Milão. Tinham vários internacionais e gostei muito de lá estar. Em Inglaterra, tudo é diferente, na mentalidade e hospitalidade das pessoas. Queriam que voltasse à experiência e aceitei o que tinha em mãos, que era o Beira-Mar. Não podia voltar a dar um tiro no escuro, sabendo que as coisas poderiam não correr de igual forma. Aceitei o Beira-Mar, que era um grande desafio, porque passar da terceira divisão para a I Liga nunca é fácil.

Na segunda época de Beira-Mar é emprestado ao Sporting em janeiro.

Aconteceu pelo mau momento do Sporting. O Beira-Mar estava à frente do Sporting, que já tinha sido eliminado das duas taças e da Liga Europa, num grupo acessível. As coisas não estavam a correr bem no clube, internamente. Foi uma troca gigantesca e muito rápida, principalmente quando ainda não estás preparado para um clube assim. Era uma fase muito má, com a confiança da equipa em baixo e a pressão dos adeptos era muito grande.

Era um miúdo que um ano e meio antes estava a jogar um Mafra contra o Juventude de Évora e já estava a jogar um Sporting-FC Porto. Não estava preparado psicologicamente para uma pressão tão forte, como estava naquela altura.

O momento do clube trouxe ainda mais pressão?

O Sporting estava perto da descida a certa altura. O Jesualdo Ferreira conseguiu montar uma equipa que, por pouco, não chegou à Liga Europa. Na altura, o Jesualdo fez mais de 30 pontos. Bastava o clube ter feito 30 pontos na primeira volta e teríamos ido à Liga dos Campeões, em terceiro lugar. Não foi fácil para um jovem como eu. Fiz uma boa estreia, mas basta um erro para ter um mediatismo muito grande.

Quando errava, ia-me muito abaixo, não tinha estofo psicológico, como hoje tenho e adquiri. Quando tive o meu primeiro filho e saí para o estrangeiro, aí comecei a ganhar responsabilidade e traquejo psicológico. Culpo-me a mim próprio por as coisas não terem corrido tão bem como esperava.

Se pudesse voltar atrás, não tinha assinado pelo Sporting?

Não se trata disso. Eu é que não tinha uma estrutura psicológica para aguentar certas coisas. Hoje, o elogio e a crítica passam-me ao lado. Não quero saber do que escrevem, mas antes as coisas negativas mandavam-me muito abaixo.

Estou muito mais forte, imune. Vejo que a pressão faz parte, e tenho um conhecimento de futebol que antes não tinha. Hoje, com quase 30 anos, estou muito diferente, já nada me abala. O erro pode acontecer a quem jogar, se estiver no banco ou na bancada não vou errar. Se os melhores do mundo erram, porquê que não posso errar? Ficava muito fechado e perdia muita confiança, as coisas acabavam por não sair como eu queria. Foi uma fase dura, mas consegui ultrapassar.

Seguiu com o Jesualdo Ferreira para o Braga, na época 2013/14. Era um treinador que apostava em si?

Confiava em mim, mas eu sentia na altura que não correspondia ao que ele queria, pelo meu psicológico. Só quando saí para o estrangeiro é que que comecei a ganhar mais responsabilidade, tratar mais do corpo, descansar mais, a lidar melhor com o erro. Quando me libertei, as coisas sugiram naturalmente, e nestes últimos quatro anos, levo mais de 120 jogos oficiais. Estou bem comigo mesmo, de consciência tranquila, cresci e ganhei experiência. Se fores o melhor do mundo, mas a cabeça não estiver bem, as coisas não vão correr da melhor forma, e há muitos exemplos disso.

Na época 2014/15 é emprestado pelo Braga ao Sheriff, da Moldávia, e ao Astra, da Roménia. Não fez muitos jogos, mas foi importante nesse sentido do crescimento pessoal?

Muito. Comecei a jogar na Moldávia nas competições europeias, muito cedo, e fomos eliminados do “play-off” da Liga Europa pelo Rijeka. E aí só tínhamos o campeonato e a Taça para jogar. Era um clube que em 20 anos, ganhava 19 títulos. Não havia competitividade, que poderíamos ter se jogássemos a Liga Europa até dezembro, por exemplo. Nada fazia prever uma mudança, mas surgiu o Astra, da Roménia, um clube que já tinha mostrado interesse em contratar-me antes, e que me quis trazer para ser opção para a Liga Europa, ainda em agosto. Vi uma janela de oportunidade de jogar nas competições europeias, e aceitei.

Descobri é que o clube tinha problemas financeiros e salários em atraso. Fui no escuro, não me informei. No primeiro jogo que fiz na Roménia, marquei um golo e ganhámos 2-1, mas eles não pagavam. Estive até dezembro sem receber salário, e tinha um filho com três meses e a minha mulher a viver num hotel. Queria uma casa e o clube nunca me ajudou a procurar. Eu estava emprestado pelo Braga e não precisava de passar por aquela situação. Falei com um advogado, metemos o clube na FIFA por não pagar, e ganhámos a causa. Foi um ano de obstáculos, para me testar se estava melhor psicologicamente. Foi um teste, principalmente por ter um bebé de três meses no colo.

A adaptação no estrangeiro também foi difícil, depois de toda a vida feita em Portugal?

Não foi difícil, quando cheguei à Moldávia tinha 11 brasileiros, um argentino e um colombiano. Adaptei-me bem, e eu queria ir para longe de tudo e de todos. Nesse sentido foi muito positivo para me libertar e voltar a ser o jogador que era no Beira-Mar.

Passar de clubes da dimensão do Sporting e Braga para o estrangeiro era o objetivo?

Nem que fosse para o Cazaquistão. Eu queria desligar-me de Portugal, ir para longe e testar-me. E ajudou-me muito, e em termos financeiros também. Os clubes pagavam o que ninguém aqui em Portugal consegue.

Depois dessa temporada no estrangeiro, voltou a Portugal, para o União da Madeira, por empréstimo do Braga. Foi titular praticamente a época toda, mas a equipa desceu de divisão.

Cheguei ao clube já na ponta final da pré-temporada. Antes, estive a treinar sozinho, que foi mais uma situação para testar os meus limites. Cheguei à Madeira, e uma semana depois tivemos o dérbi com o Marítimo, na abertura do campeonato, e ganhámos o jogo. Na Madeira, correram-me bem as coisas. Coletivamente, houve problemas internos entre treinador e direção, que mexeram com o grupo, mas em termos pessoais foi positivo. Quando acabou a época, fui o primeiro a fechar contrato com outra equipa. No início de junho já tinha assinado com o Kortrijk, que foi um reflexo do que tinha feito bem.

O regresso ao estrangeiro no Kortrijk foi a afirmação total?

O meu meu tempo na Bélgica foi fantástico. O clube era incrível, com uma mentalidade fantástica. O futebol belga tem uma mentalidade muito boa, só se fala de futebol. Os adeptos são muito familiares com os jogadores. Até fevereiro estavamos a fazer uma época muito boa. Uma vez, perdemos um jogo, se não me engano, por 3-0, em casa, e os adeptos conviveram connosco no final, até parecia que tínhamos vencido. Até me questionava se seria possível em Portugal, mas claro que não. A minha família ia ao futebol na Bélgica com máxima segurança. Nos jogos entre equipas de meio de tabela, nem sequer há polícia. As famílias vão ao estádio à vontade, com bebés e crianças. Impossível em Portugal.

Foi uma passagem fantástica, até março era o jogador mais utilizado da equipa, mas infelizmente tive um contra-tempo familiar que me fez abdicar do segundo ano de contrato, e pedir para regressar a Portugal. A minha filha nasceu prematura e tínhamos de voltar de urgência a Portugal. Soou o alarme, a minha filha precisava de ficar cá pelo menos até dezembro para ser vigiada, e eu não podia ficar longe quando a família mais precisava. O clube foi fantástico nesse sentido, no início poderiam pensar que estava a passar a perna para trocá-los por outro clube belga, só me deixavam sair a custo-zero se assinasse por um clube em Portugal. Até lhes agradeci publicamente por terem acedido ao meu pedido. Não faria sentido eu estar na Bélgica.

Foi nessa altura que surgiu o convite do Tondela.

Sim, o Tondela e outro clube da I Liga, que até pagava melhor, mas eu queria ficar numa cidade mais perto de Lisboa, para que a minha mulher pudesse deslocar-se rapidamente, caso a minha filha precisasse de alguma coisa. Quando fui apresentado no Tondela, frisei isso mesmo.

Anunciou a saída do clube, não vai renovar contrato. Sentiu que era a altura de colocar um ponto final neste capítulo.

Foi um ciclo que se encerra. Nas redes sociais, já tinha dado a entender antes do último jogo que iria sair, para não dizerem que estava a abandonar o clube porque descemos. Para mim, faria sentido continuar com o presidente que me foi buscar, e não com outro. Em relação a esta troca de presidentes, espero que corra tudo bem, mas em Portugal, em muitas situações já se viu que uma SAD estrangeira não foi a melhor solução. O meu presidente era Gilberto Coimbra, e não faria sentido continuar num projeto sem ele. Cada ciclo tem o seu início e fim, e eu senti que era um ciclo bonito que findava.

O que reserva o futuro? Já tem propostas?

Tenho algumas abordagens de clubes portugueses e estrangeiros. Estou a gozar das minhas férias e ainda não é a altura certa de decidir. Estando livre, seria precipitado se decidisse já. Não me quero vir a arrepender e aceitar a primeira coisa que aparece. Vou sentar-me com a minha família e analisar as propostas. Decidirei com calma e frieza, para não decidir ao pontapé, como quando fui para a Roménia. A prioridade é aceitar um bom projeto, onde possa ser feliz, seja no estrangeiro ou em Portugal, não tenho restrições.

Hoje é um jogador diferente do que aquele que passou pelo Sporting e Braga?

Muito mais maduro e experiente. Já não ligo às opiniões, redes sociais. Não me importo com o que dizem de mim. Passa-me tudo ao lado. Cresci muito, é preciso dar uns tombos para nos levantarmos, e foi isso que aconteceu. Estou preparado para o que vier.

Joãozinho celebra a manutenção com Delgado. Foto: CD Tondela
Joãozinho celebra a manutenção com Delgado. Foto: CD Tondela
Foto: CD Tondela
Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela
Tondela celebra manutenção. Foto: CD Tondela

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