01 abr, 2019 - 07:00 • Tiago Palma com Joana Bourgard (infografia)
Podem apontar-se muitos defeitos a Theresa May – e a oposição trabalhista aponta-os, bem como a ala "eurocética" dos conservadores, que lhe apresentaram mesmo uma moção de censura em dezembro último. Mas não pode dizer-se da primeira-ministra britânica que não seja, no mínimo, resiliente. E que, dê por onde der, vai continuar a tentar ver aprovado o seu acordo para o Brexit.
A verdade é que, depois de o ter visto ser rejeitado em janeiro, primeiro, e novamente em março, a primeira-ministra britânica jogou todas as cartadas possíveis. Mas com estes três chumbos, elevou-se em força uma questão que não é nova: e agora?
Os deputados delegaram-lhe a responsabilidade e a primeira-ministra voltaria a Bruxelas para renegociar o acordo que a eles não chegava. E renogociou-o, nomeadamente quanto ao chamado "Backstop", trazendo de Bruxelas garantias mais atrativas sobre o mecanismo de salvaguarda para a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda – o novo documento dava garantias legais de que o mecanismo de salvaguarda, se viesse a ser aplicado, não poderia lá manter o Reino Unido indefinidamente. Não foi suficiente.
May pressionou os deputados, em sucessivos discursos e declarações, colocando sobre estes o ónus de todo o mal que venha a acontecer (e acontecerá, sabe-o Theresa May, Bruxelas, os deputados, todos os britânicos e todos os europeus) se o Brexit for concretizado sem um acordo, ou seja, de uma forma desordenada. Também não foi suficiente.
Chegaria, ainda na semana passada, a prometer que se demitiria (entregando os destinos da governação a outro conservador) se o próprio partido se reunisse em torno do seu acordo e garantisse a sua aprovação. Nem isso foi suficiente: na última sexta-feira, May apresentou novamente o mesmo acordo para aprovação no Parlamento. Uma maioria voltou a chumbá-lo.
John Bercow, líder da Câmara dos Comuns, reiterou, repetidas vezes, a necessidade de alterações “substanciais” para que o documento fosse novamente votado. Nada de substancial foi alterado pelo Governo. Então, e de modo a ultrapassar esta limitação de Bercow, foi levado à Câmara dos Comuns apenas o acordo de saída do Reino Unido – e não a declaração política sobre a relação futura entre Londres e a UE –, que não tem valor jurídico. O acordo não passaria por uma diferença de 58 votos: 344 deputados votaram contra a proposta e 286 a favor.
Face ao terceiro chumbo, Stefaan De Rynck, membro da equipa de negociações do Brexit, reconheceu ainda na sexta-feira que uma saída sem acordo é "um cenário realmente provável" tendo em conta a impossibilidade de o Parlamento britânico aprovar o que May negociou com Bruxelas.
Agora, Theresa May tem até 12 de abril para apresentar um novo plano de ação a Bruxelas. Essa é a nova data oficial para a saída, isto após o Parlamento britânico ter aprovado o adiamento do Brexit no final de março. Caso não o consiga, o Reino Unido vai mesmo abandonar a União Europeia nesse dia sem qualquer acordo.
Ainda assim, e derrotada uma vez mais, May não se dá como derrotada de vez: “A Câmara dos Comuns não nos permite sair sem um acordo, portanto vai ter de arranjar uma alternativa.”
Cabe pois, agora, à Câmara dos Comuns (que assumiu o controlo sobre o Brexit a 25 de março) discutir o que ela própria chumbou na sessão de votos indicativos que aconteceu na quarta-feira passada. Ou seja, opções para o Brexit.
Apesar da falta de consenso nessa votação, a proposta que recolheu uma menor diferença de votos foi a possibilidade de o acordo de Brexit prever a existência de uma união aduaneira entre Londres e Bruxelas (Michel Barnier, negociador-chefe da UE, já garantiu que Bruxelas não se oporá a negociar esta questão).
Nova ronda de votações
O debate está marcado para hoje. O que vai acontecer ninguém sabe, nem ninguém pode prometer ou augurar. Mas o organograma (acima) indica-nos caminhos, uns mais tortuosos que outros.
Abaixo saiba quais são as propostas que vão a votos no Parlamento britânico esta segunda-feira, quando faltam 11 dias para o prazo de saída:
Moção A (apresentada pelo conservador John Baron)
Pelo direito unilateral a abandonar o mecanismo "backstop", esta emenda prevê alterações ao acordo negociado por May em Bruxelas para que o Reino Unido possa acabar com essa solução para a fronteira irlandesa sem precisar do aval de Bruxelas.
Esta é uma medida há muito defendida pelo European Research Group (ERG, composto por conservadores pró-Brexit) e pelos Unionistas da Irlanda do Norte (DUP, que seguram o Governo minoritário de May).
Contudo, a UE mantém que não vai reabrir as negociações do acordo, pelo que é improvável que seja posta em prática mesmo que uma maioria dos deputados a aprove.
Moção B (apresentada pelo conservador John Baron)
Esta moção propõe que o Reino Unido abandone a UE a 12 de abril, como está previsto, sem qualquer acordo. As fações pró-Brexit do Partido Conservador e do Partido Trabalhista apoiam esta possibilidade, mas chegada a hora de aprovar essa opção há uma semana, 400 membros da Câmara dos Comuns votaram contra ela e apenas 160 lhe deram luz verde.
Moção C (apresentada pelo conservador Ken Clarke e pela trabalhista Hilary Benn)
Os dois deputados propõem que o acordo de retirada do Reino Unido da UE inclua a criação de uma união aduaneira permanente e abrangente para acautelar as relações económicas entre Londres e os Estados-membros da união.
Theresa May não apoia este chamado "Brexit suave", ainda que tenha sido esta a moção que mais consenso angariou nas votações da semana passada: 264 deputados votaram a favor da emenda e 272 votaram contra, uma diferença de apenas oito votos.
Moção D (apresentada pelo conservador Nick Boles e pela trabalhista Lucy Powell)
Esta moção levaria a que o Reino Unido voltasse a integrar a Associação Europeia de Livre Comércio bem como a Área Económica Europeia. Na prática, o Reino Unido continuaria a integrar o mercado único e a permitir a livre circulação de cidadãos europeus no seu território, a par da livre circulação de britânicos em toda a UE.
A opção foi amplamente rejeitada na quarta-feira passada, tendo sido apoiada por 188 deputados contra 283 que a chumbaram.
Moção E (apresentada pelo trabalhista Peter Kyle)
Propõe-se com esta moção que qualquer acordo de Brexit que venha a ser aprovado no Parlamento seja levado a referendo para que os eleitores tenham uma palavra final a dizer.
Dezenas de deputados apoiam esta moção, que tem estado a crescer em popularidade junto dos decisores políticos. sobretudo depois de a liderança do Partido Trabalhista ter decidido apoiá-la publicamente.
Na semana passada, a proposta foi chumbada por 295 deputados contra 268 que votaram a favor dela. Sendo uma margem pequena, a balança poderá pender para o lado contrário desta vez.
Moção F (apresentada pelo trabalhista Graham P. Jones e pelo conservador Dominic Grieve)
Semelhante à moção E, prevê que o eleitorado britânico possa votar o acordo de Brexit em referendo.
Moção G (apresentada pela escocesa Joanna Cherry)
A deputada do Partido Nacionalista Escocês (SNP) sugere que o Governo peça uma nova extensão do prazo a Bruxelas se nenhum acordo tiver sido aprovado na Câmara dos Comuns até dois dias antes da data de saída, ou seja, até 10 de abril.
Sob esta moção, e se a UE não aceitar o adiamento, os deputados poderão debater e votar duas opções: sair sem acordo ou revogar o artigo 50, na prática suspendendo o processo do Brexit.
Se os deputados escolherem revogar o artigo 50, o Parlamento dará início a uma nova fase de negociações sobre que relação pretende manter com a UE, e em que moldes, assim que a saída se concretizar.
Ao contrário das anteriores, esta moção é uma novidade e, se for aceite pelo presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, será a primeira vez que é levada a votos.
Moção H (apresentada pelo conservador George Eustice)
Semelhante à moção D, propõe que o Reino Unido possa voltar a aderir à Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o que efetivamente manteria o país no mercado único mesmo depois da saída.