Andrés Malamud

"A Venezuela enfrenta dois problemas: o primeiro chama-se Maduro, o segundo é o Governo dos EUA"

25 fev, 2019 - 15:49 • José Pedro Frazão

À Renascença, o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa lembra que "Portugal também está refém do que acontecer na Venezuela".

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A Venezuela já está fragmentada, mas se for alvo de uma intervenção militar dos EUA deixará totalmente de ser um país. Assim defende Andrés Malamud, um reconhecido académico argentino especializado em política da América Latina.

Em entrevista à Renascença, o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa diz que essa possível intervenção externa no país "é o pior" que pode acontecer neste momento.

Para o especialista, a ameaça dos EUA e do autoproclamado Presidente interino do país, Juan Guaidó, tem como objetivo criar um fosso entre Nicolás Maduro e as forças armadas venezuelanas. Uma jogada de risco se se considerar que "é muito difícil pensar que um Governo como o de Trump fará uma coisa subtil".

Qual é a sua expectativa em relação à reunião do denominado "Grupo de Lima", formado em 2017 para abordar a situação crítica na Venezuela?

É pouca. O Grupo de Lima demonstrou uma certa impotência. Pode apoiar Juan Guaidó e tentar conter Donald Trump. A Venezuela enfrenta dois problemas. O primeiro chama-se Nicolás Maduro e o segundo é o Governo dos Estados Unidos, onde os chamados "falcões" do lado republicano, situados na Flórida e no Texas, querem uma intervenção militar. Estão a publicar no Twitter as imagens de Muammar Kadhafi na Líbia antes e depois de ter sido assassinado. Isto é o que de pior pode acontecer numa Venezuela que já está numa situação horrível e cujo destino é pouco luminoso.

Na Venezuela todos os cenários são negativos. A intervenção militar é o pior, porque acabaria definitivamente com o Estado como o conhecemos. Ficaria apenas uma zona na qual há máfias que controlam diferentes porções de território. Sabemos, pelo caso do Norte de África, no que tudo isso resulta: cada vez mais milhares ou milhões de refugiados que vão levar os seus problemas aos países vizinhos.

O pior cenário em caso de intervenção militar é mesmo uma fragmentação da Venezuela?

É isso. Que fique claro que a Venezuela já está fragmentada. Quem está a operar com controlo militar do território nas fronteiras da Venezuela já são as máfias. Mas as forças armadas da Venezuela ainda conseguem estruturar o país e manter um certo monopólio da força nas principais regiões do país. Sem as forças armadas - que seriam totalmente desestruturadas por uma intervenção militar dos EUA - a Venezuela deixa de ser um país.

Porque é que Juan Guaidó coloca todas as opções em cima da mesa ?

Porque ele precisa de "mudar a equação" dos militares. Precisa que os militares venezuelanos desertem de Maduro e passem para ele. E a única maneira de o fazerem é ameaçar com uma intervenção militar que Guaidó não quer que aconteça. De facto este é o problema. Os Estados Unidos e Juan Guaidó têm que ameaçar uma intervenção militar para a poder evitar e para conseguir a deserção dos militares. Se falharem e eles não desertarem, então restam apenas duas possibilidades: reconhecer o fracasso ou intervir.

Isso quer dizer que Maduro está muito mais sólido entre os militares do que alguns pensavam?

Quem conhece a realidade venezuelana nunca teve demasiadas ilusões em relação a uma transição pacífica para a democracia. Esse é o cenário mais desejável e o mais improvável.

A maioria dos militares está mesmo com Maduro?

A enorme maioria dos militares está com Maduro e não porque gostem dele. Estão com Maduro porque são parte do sistema corrupto que governa a Venezuela e têm todos os privilégios de controlo das divisas, alimentos e petróleo e tudo o que é minério exportado pela Venezuela, como o ouro. Era possível saber mais sobre isto se, por exemplo, o embaixador da Venezuela em Portugal - um general que está aqui há 13 anos - falasse. Mas eles não falam porque a instrução deles é calar e continuar a repressão.

Pedimos uma entrevista ao embaixador da Venezuela em Lisboa que, até ao momento, a recusou. Quem pode travar uma intervenção militar? Madrid colocou-se claramente contra o uso da força externa na Venezuela.

A intervenção militar só pode ser travada por três países: Estados Unidos, que têm a tecnologia, e a Colômbia e o Brasil, que têm as fronteiras. O Brasil não fará uma intervenção. A política externa brasileira não é conduzida pelo "maluco" do chanceler [Ernesto Araújo] mas pelo vice-presidente [Hamilton Mourão], muito mais sensato. As Forças Armadas brasileiras não intervirão militarmente na Venezuela.

Com a Colômbia a situação é mais complicada. De facto, Colômbia e Venezuela já constituem uma "unidade criminosa". Não [me refiro] aos Governos, porque o da Colômbia é normal. Mas nas fronteiras, todas as máfias e narcotraficantes trabalham juntos em multinacionais do crime. A questão são os Estados Unidos que poderiam fazer uma intervenção "subtil", como não temos visto até agora, com radares e drones e satélites usados de forma cirúrgica. Mas é muito difícil pensar que um Governo como o de Trump fará uma coisa subtil. Se pudesse era o menos mau de tudo o que podia acontecer.

O "menos mau" não será um esforço de mediação diplomática entre as partes em conflito?

Não. A mediação não tem lugar. A mediação é completamente impossível porque Maduro quer ficar e a oposição quer que Maduro saia. A oposição tem 80% da população da Venezuela. Não há mediação possível com Maduro.

A mediação só é possível com as forças armadas sem Maduro. Por isso é que esta intervenção diplomática tem como objetivo separar as Forças Armadas da Venezuela do Presidente da Venezuela, a quem foram oferecidas muitas alternativas, como um exílio dourado, dinheiro e praias em Cuba, por exemplo. Mas por enquanto não têm convencido Maduro a sair nem os generais a mandá-lo embora.

Por fim, como avalia a posição portuguesa neste processo?

Não tem muita visibilidade, que eu saiba, na comunicação social, o que deve estar a acontecer na Madeira com os retornados. Numa escala menor é um fenómeno similar ao da descolonização africana. Vai continuar a aumentar. Por isso Portugal também está refém do que acontecer na Venezuela, porque o Governo venezuelano pode exercer represálias sobre os portugueses. Por enquanto Portugal mantém uma posição maioritária na União Europeia, moderada e moderadora. Acho que isso é inteligente. Mas se a Europa é impotente no Mediterrâneo, imagine na América Latina.

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