Os alunos (e o casal de professores) que fizeram do Liceu Camões a pública com mais notas 20

18 fev, 2019 - 07:30 • Inês Rocha

Quatro alunos do Liceu Camões tiveram a nota máxima no exame de História A. Todos foram orientados por um casal de professores de História com mais de 40 anos de serviço. No extremo oposto, esta foi também a escola com mais notas abaixo de 1 valor.

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20.0 valores. Esta é a nota que todos os alunos querem ver na pauta, quando acabam os exames nacionais. E se poucos conseguem atingir a nota máxima, ainda menos comuns são aqueles que o conseguem em disciplinas das áreas humanísticas.

Em 2018, 175 alunos em todo o país tiraram 20.0 valores em algum exame nacional. 81% deles conseguiram-no em disciplinas da área de Ciências e Tecnologias. 76 alunos tiveram 20 valores a Física e Química A e 65 alunos conseguiram-no a Matemática A.

Nas disciplinas da área das Ciências Sociais e Humanas, as notas máximas não são tão frequentes. Mas tirar 20 valores a História não é impossível. E a Escola Secundária de Camões, em Lisboa, prova-o.

No último ano, esta foi a escola pública, a nível nacional, com mais alunos a tirar a nota máxima nos exames. A escola teve cinco alunos de 20. Destes, apenas um tirou esta nota a Matemática A. Os outros quatro tiraram nota máxima a História A, o que representa 44% dos alunos, a nível nacional, com nota máxima nesta disciplina.

Os dados, presentes no Ranking das Escolas, foram divulgados pelo Ministério da Educação. Neste ranking, a Renascença considera apenas as escolas onde se realizaram 100 ou mais exames no conjunto dos oito mais concorridos.

Dussu Djabula, 18 anos, e Inês Lima, da mesma idade, são duas das alunas de 20 a História A. Foram colegas de turma e estão agora no primeiro ano da universidade. Dussu seguiu a sua paixão e ingressou no curso de Direito, na Universidade Nova de Lisboa. É o primeiro elemento da família a ingressar na universidade, depois de ter ganho uma bolsa de mérito da Portugália, onde a mãe trabalha. Inês optou por Ciência Política e Relações Internacionais, também na Universidade Nova.

Em entrevista à Renascença, explicam qual a receita para conseguir este bom resultado. Dussu conta que foi uma combinação entre métodos de estudo eficazes, que descobriu “online”, e a professora que teve, que sempre a puxou “para fazer e descobrir mais”. Inês diz ter feito por estudar “atempadamente”, mas refere também a professora como “fundamental”.

Os outros dois alunos, José Maria Lobo Antunes e Débora Carvalho, pertenceram a outra turma e tiveram outro professor de História. José Maria, neto do escritor António Lobo Antunes, seguiu Cinema, mas sonha tirar também uma licenciatura em filosofia e dedicar a sua vida também à escrita, como o avô. “Estou a tirar cinema, mas a literatura é para mim a primeira arte”, conta à Renascença.

Mas há um fator em comum entre os quatro alunos. Todos foram orientados, desde o 10º ano, por professores de História com mais de 40 anos de serviço, “muito comprometidos com os seus alunos”, que “gostam de ensinar, mas mais do que isso gostam de ver nos alunos a vontade de aprender”, como explica a coordenadora da disciplina de História na escola, Paula Loureiro.

Há também um fator que une os dois professores: são um casal e têm tido um percurso profissional “lado a lado”, desde os tempos da faculdade.

Maria Clara Silva, quase a fazer 63 anos, dá aulas no Liceu Camões há 10 anos. António Manuel, o marido, com 64, chegou à escola há quatro anos.

A professora de História conta à Renascença que nenhum dos dois se preocupa demasiado com os resultados. Gostam muito pouco de “rankings” e gostavam que o exame não tivesse a ponderação que tem na nota final.

“Nem eu nem ele estamos de acordo, de forma nenhuma, com este sistema ‘examocrático’, em que o exame define tudo. Os rankings têm de ser muito bem interpretados, porque senão são uma coisa completamente contraditória”, afirma Maria Clara.

O casal já trabalhou em conjunto em várias escolas. Já não preparam aulas juntos, mas há uma partilha de experiências e de materiais de trabalho constante.

Maria Clara Silva dá um exemplo. “Às vezes dizemos, ‘olha, vou fazer um debate entre os jacobinos e os girondinos, a partir deste material’... estamos sempre a fazer coisas novas e partilhamos um com o outro, claro”.

Bons resultados na disciplina não são inéditos

Os bons resultados a História nesta escola não são novos, segundo a professora. “De há uns 10 anos para cá, temos conseguido tirar notas excelentes a História, com vários 20”.

Maria Clara recorda um ano em que a escola foi mesmo alvo de um estudo académico, levado a cabo pela investigadora Manuela Esteves, graças ao sucesso na disciplina.

“Nesse ano, também tive vários 20 e o grupo de História teve uma média extremamente elevada, de 14 e qualquer coisa”, conta a professora.

Porque é que isto acontece? Paula Loureiro, coordenadora da disciplina de História na Escola Secundária de Camões, vê duas razões para os bons resultados. Por um lado, os alunos são treinados para o formato da prova de exame e estão habituados a responder a este tipo de provas.

Por outro lado, esta é “uma escola muito aberta, ao longo do ano tem diferentes atividades que extravasam a dimensão curricular fechada. Algo que desperta nos alunos uma maneira de estar na escola diferente, com sentido crítico e de procura do conhecimento”, explica.

Maria Clara fala por si. “Acho que os preparo o melhor que sei e posso. Tenho um projeto pedagógico muito definido, no qual estou muito empenhada, entusiasmada, mas também procuro que os alunos estejam empenhados e entusiasmados e que deem sentido ao trabalho que estão a fazer, para além do exame”, explica

Um “diário de bordo” que marca os alunos

A primeira aula que Dussu Djabula teve com a professora Maria Clara começou com uma metáfora que a marcou para sempre. “Ela falou de uma caixa, disse que devíamos tentar sair dessa caixa, desafiar-nos, fazer mais do que nos é pedido e tentar ir mais além”.

As aulas seguintes confirmaram a primeira impressão: a professora não se cansava de incentivar os alunos a ir mais longe.

“Não tenho palavras para descrever como a professora Maria Clara marcou o meu percurso académico”, diz, por seu turno, Inês Lima.

Dussu e Inês recordam um método que as ajudou a interiorizar melhor a matéria dada: os “diários de bordo” – um instrumento pedagógico que, segundo Maria Clara, “ajuda a implicar o aluno no que ele aprende”. Este “diário”, que os alunos eram convidados a preencher todas as aulas, reunia um conjunto de perguntas: “O que eu aprendi na aula”; “O que aprendi e posso partilhar”; “O que aprendi e gostei, por isso vou investigar”.

A partir deste trabalho de casa, “a aula tem logo um dinamismo de partilha de dúvidas, dos temas que foram abordados na aula anterior”, conta a professora.

“Por vezes surgem temas que estão ligados à matéria que estamos a dar mas vão por uma caixa de ressonância muito maior e vão muito mais longe. Os alunos refletem sobre isso. Por exemplo: as mulheres na Grécia eram maltratadas. Mas como é que foram tratadas, por exemplo, na revolução liberal? Como são tratadas hoje? Como é na Índia? As coisas ganham outra dimensão, eles interessam-se muito”, explica.

António Manuel usa o mesmo método com os alunos. José Maria Lobo Antunes diz guardar muito boas memórias das aulas do professor e lembra a utilidade dos “diários de bordo”. “Penso que isso terá sido fulcral para a compreensão da disciplina como um todo”.

Meditação e teatro. Quando a escola vai para além dos livros

Maria Clara Silva não é só docente de História. Além das aulas, a professora desenvolve outros projetos não letivos na Escola Secundária Camões: dirige um grupo de teatro e criou um projeto de “mindfulness e movimento sensorial”, que descreve como “um pequeno jardim”.

Com uma licenciatura em Fasciaterapia, um método da Psicoterapia Corporal, a professora convida os alunos a “tomarem contacto com eles próprios, através da meditação e de um movimento lento, protocolado por Danis Bois, o criador do método sensorial”.

Este projeto tem o objetivo de ajudar os alunos a conhecerem-se melhor a eles próprios. Algo que resultou para Inês Lima, que chegou a participar em algumas sessões, que a ajudaram a controlar a ansiedade e a organizar-se.

Atualmente, a professora acompanha um grupo de oito alunos, mas põe estes métodos em prática, por vezes, na própria aula de História.

“Quando via que a turma estava extraordinariamente agitada, eu propunha aos alunos cinco minutos de meditação, que valiam por uma hora. Cinco minutos a poisarem neles próprios, ficavam muito mais abertos, mais tranquilos. Às vezes resolviam aquelas questões que os adolescentes trazem, quando têm um teste que não corre bem, por exemplo. Abria um espaço fantástico”, recorda.

O extremo oposto: Liceu Camões foi também a escola com mais notas abaixo de 1 valor

Os resultados dos exames nacionais do último ano não trouxeram só boas notícias à Escola Secundária de Camões.

Além de ser a escola com mais notas máximas, esta foi também a escola com mais notas mínimas. Seis alunos desta escola tiveram notas abaixo de 1 valor no exame. Quatro deles a Matemática A, um a Física e Química e outro a Biologia e Geologia.

Paula Loureiro não encontra explicação para alunos com positiva na nota interna terem tido notas tão baixas. A professora lembra que os alunos com notas entre o 10 e o 12 têm, tendencialmente, prestações abaixo daquilo que é a sua classificação interna.

No entanto, “notas abaixo de 1 só consigo explicar com uma branca, uma desistência absoluta, e obviamente estes alunos têm sempre a possibilidade de fazer o exame em segunda fase”, diz a professora.

A Escola Secundária de Camões ficou em 263º lugar no ranking das escolas, em 2018, no que diz respeito à média de classificações nos exames nacionais, com uma média de 10.39.

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