Portugal tenta combater tráfico humano mas recursos escasseiam. "Exploração laboral está fora de controlo"

13 fev, 2019 - 16:56 • Reuters

SEF garante que números já divulgados não refletem a verdadeira escala do flagelo.

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Portugal está a tentar dar resposta ao aumento do tráfico humano para trabalho agrícola, através de buscas a milhares de quintas suspeitas de encurralarem migrantes pobres em trabalhos não-pagos e depois de o número de vítimas ter quase duplicado em menos de uma década.

"A exploração laboral nas áreas agrícolas, em particular na região do Alentejo, está fora de controlo", diz Acácio Pereira, presidente do sindicato de inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Um relatório da Comissão Europeia datado de dezembro apontava que entre 2015 e 2016 Portugal registou a proporção mais elevada de vítimas de tráfico laboral por cada milhão de habitantes em comparação com todos os Estados-membros da UE à exceção de Malta.

A maioria das vítimas são homens, predominantemente do leste europeu, mas também da Índia, Nepal, Paquistão e Bangladesh, aponta o SEF.

Os investigadores portugueses dizem que as vítimas mais comuns são migrantes pobres trazidos para Portugal por redes de tráfico sob a promessa de arranjarem empregos publicitados na internet.

Contudo, assim que são postos a trabalhar, os seus documentos de identificação são muitas vezes confiscados e os seus salários ficam retidos. Muitos vivem em quartos lotados com poucas comodidades.

"O tráfico humano é um fenómeno que realmente nos preocupa", dizia à Reuters Filipe Moutas, capitão da Guarda Nacional Republicana (GNR), há uma semana enquanto uma equipa analisava os contratos de emprego e documentos de identificação durante um raide a uma quinta de cultivo de framboesas de 40 hectares no Alentejo.

"Mantemos isto debaixo de olho e levamos a cabo operações destas regularmente. A nossa principal preocupação é o tráfico laboral, por causa dos relatórios que temos estado a receber."

Faltam meios para reforçar fiscalização

As buscas de 7 de fevereiro começaram com quatro carros da polícia a entrarem na quinta de framboesas e agentes a saírem dos veículos para encontrarem o proprietário, que tem tailandeses e búlgaros a trabalhar para si.

Desta vez, a polícia não detetou irregularidades. Todos os trabalhadores tinham vistos de trabalho e os seus contratos estavam em ordem.

"Não recruto ninguém no estrangeiro", garante o dono da quinta, que pede para não ser nomeado. "Preciso das pessoas e elas simplesmente vêm."

Semanas antes, contudo, numa outra operação de buscas em Beja, a polícia encontrou 26 vítimas de tráfico e deteve seis romenos, o número mais elevado de detenções neste contexto, aponta o SEF.

No ano passado, o Conselho da Europa apontava que o tráfico laboral está a aumentar em todo o continente e que já ultrapassou os números de exploração sexual enquanto "forma predominante de escravatura moderna" em vários países, entre eles o Reino Unido, Bélgica e Portugal.

O Observatório Português de Tráfico Humano aponta que as autoridades conduziram 4.539 buscas em quintas em 2017, ressaltando que o número de vítimas identificadas aumentou de 86 em 2010 para 175 em 2017.

O último balanço, referente a 2018, ainda não foi divulgado, mas Acácio Pereira garante que os números não refletem a verdadeira escala do flagelo.

"O SEF não tem a capacidade para fiscalizar grande parte das propriedades onde os trabalhadores estão a sofrer abusos", diz, apontando que há menos de 20 inspetores disponíveis para inspecionar o interior de Portugal.

O tráfico laboral tem estado a aumentar à medida que a população nativa de Portugal continua a envelhecer face à baixa natalidade e à crescente emigração para países da UE mais prósperos.

Outro fator a contribuir para este aumento é o despovoamento do interior rural, com as camadas mais jovens a trocarem o campo pelas cidades em busca de empregos mais bem pagos.

Entretanto, as exportações agrícolas do país floresceram nos últimos anos e as grandes quintas precisam de mão-de-obra barata mais do que nunca.

"A situação é preocupante, particularmente nos setores em que não há trabalhadores suficientes", aponta o presidente do sindicato do SEF, destacando trabalhos sazonais como a apanha da azeitona e de morangos. "É aí que se encontram vítimas de tráfico e exploração."

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