Conversas Cruzadas

Nuno Garoupa sobre o Conselho Superior do Ministério Público: “O PSD estende a mão ao aparelho socrático”

16 dez, 2018 - 15:55

“O PSD perdeu a cabeça e estende a mão ao 'aparelho socrático' para fazer a reforma que o 'aparelho socrático' sempre pretendeu: ter os partidos a mandar no Ministério Público”, diz Nuno Garoupa.

A+ / A-

“O Bloco Central já se pôs de acordo para dominar o Ministério Público. E é assim que se responde aos processos judiciais instaurados aos políticos”, acusou António Ventinhas, presidente do Sindicato de Magistrados do MP ao mesmo tempo que anunciava greves contra “a possibilidade de políticos escolherem quem os vai investigar”.

O líder do sindicato dos procuradores vai mais longe ao dizer que “o que está em causa é se a sociedade quer uma investigação criminal autónoma ou um sistema dominado pelo poder político, pondo fim à separação de poderes”.

Na semana passada os grupos parlamentares do PS e PSD deixaram no ar a possibilidade de se mexer na composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) reduzindo o número de magistrados e aumentado o de membros nomeados pelo poder político.

De resto, durante a discussão parlamentar do estatuto do Ministério Público na generalidade, o deputado do PS Jorge Lacão defendeu a necessidade de se alterar “os critérios de representação no Conselho Superior do Ministério Público” e criticou a ministra da justiça por defender a maioria de forças vigente: 12 procuradores e sete não magistrados.

Na quinta-feira o presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio a terreiro defender que “só uma revisão constitucional podia alterar o CSMP” e teve de lembrar que “a autonomia do MP é intocável na Constituição. Ao Expresso, a ministra garantiu não defender qualquer alteração na composição do CSMP.

Enquanto isso o grupo parlamentar do PS recuava e numa nota à comunicação social indica não ter vontade de alterar a maioria dos magistrados do CSMP, mas lembravam “a quem precisar de ser lembrado que “o estatuto do MP é um diploma legal da esfera de competências exclusivas da AR e não carece de revisão constitucional”.

Acolchoada pelo silêncio do PSD a polémica estava finalmente servida. A excepção foi a ex-ministra da justiça ao Expresso: “PSD está a ser útil ao PS, há uma conjugação de interesses”, disse Paula Teixeira da Cruz a propósito da proposta de deixar os magistrados do MP em minoria no órgão com poderes de gestão e disciplina dos procuradores. A avaliação dos silêncios e 'meias-verdades' políticas foi feita no Conversas Cruzadas.

“PSD estende a mão ao aparelho socrático”

“A posição do PSD nesta questão do acordo para alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público é simplesmente inacreditável. Se há 700 mil votos do centro-direita afastados na abstenção, agora afastaram-se mais 100 mil ou 200 mil”, diz Nuno Garoupa, especialista na relação entre a justiça e a economia.

“O PSD estende a mão ao aparelho socrático? E estou a medir as palavras: o PSD estende a mão ao aparelho socrático para fazer a reforma que o aparelho socrático sempre pretendeu: que é ter os partidos a mandar no Ministério Público. Isto não cabe na cabeça de ninguém. O PSD perdeu a cabeça”, diz o professor da George Mason University Scalia Law, na Virginia.

“O PSD anterior foi bastante incompetente na área da justiça, mas em geral tinha boas intenções. O actual PSD é incompetente e com más intenções. Na minha opinião isto é definitivamente acabar com o PSD”, afirma Nuno Garoupa.

Nuno Garoupa: “A intenção é condicionar o MP no calvário dos políticos, os inquéritos em curso”

“Desde 2011, naquele livrinho publicado pela FFMS, que defendo uma reforma profundíssima do Ministério Público e que essa reforma é contrária às regras actuais de autonomia e de auto-governo do MP. Parece-me claro: temos problemas estruturais de organização no MP, hoje à vista de todos, e a necessitar de uma reforma profundíssima. Mas o que está em cima da mesa não é essa reforma, mas sim uma proposta concertada entre PS e PSD que não fazia parte do programa eleitoral dos dois partidos de substituir a maioria no plenário do Conselho Superior do Ministério Público. Parece-me ser uma proposta grave fundamentalmente para condicionar o MP”, prossegue Nuno Garoupa

“Acho que não há agendas secretas. A agenda é claríssima: condicionar o MP na gestão do que é o calvário da classe política actual e que são os inquéritos do Ministério Público. Dito isto, nesta matéria acho que devemos ser institucionalistas. A Assembleia da República é soberana e representa o voto dos portugueses. O PS e o PSD representam a grande maioria dos eleitores portugueses e, portanto, uma reforma, ainda por cima, de teor constitucional é uma reforma que é feita nos orgãos democráticamente eleitos. O Sindicato do Ministério Público não representa os portugueses”, matiza o professor da George Mason Scalia Law de Arlington.

“O PS e o PSD têm a maioria necessária para a qualquer momento fazer uma emenda constitucional, se assim o entenderem. Com entendimento PS e PSD podem alterar a Constituição para deixar clarificada a composição que entenderem. Agora quem tem legitimidade para o fazer é a Assembleia da República e, depois, o Presidente da República que pode vetar ou não. AR e PR são quem tem legitimidade democrática. O sindicato não tem”, indica o ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).

“Por mais que apoie os argumentos do sindicato, por mais que seja sensível aos seus apelos, o sindicato não tem legitimidade democrática para boicotar uma reforma do poder político. É uma regra elementar da democracia representativa. Portanto se PS e PSD chegarem a este acordo o que há a fazer é acatar e os eleitores que tirem as suas conclusões nas próximas eleições. É possível que assim seja. E se os outros partidos tiverem outras ideias pois terão mais votos e voltamos onde estávamos”, conclui Nuno Garoupa.

Luís Aguiar-Conraria: “Não vejo outra forma que não a revolta do Ministério Público”

Luís Aguiar-Conraria, por seu turno, está ao lado do protesto anunciado do sindicato até porque o CSMP nomeia o vice-procurador geral, os procuradores coordenadores distritais, o director do DCIAP e fiscaliza a actividade dos magistrados do Ministério Público. “Esta parte do 'se os portugueses não concordarem votem de forma diferente' é muito bonita, mas não é exequível, porque nas próximas eleições vamos votar num a miríade de assuntos e não sobre este. Esta ideia do 'se não se gosta de um tema vota-se noutros partidos não é bem assim. Nuno Garoupa sabe bem que há limites, digamos assim, à democracia representativa”, pontualiza o professor de economia da Universidade do Minho.

“Há. São os limites constitucionais. Se a lei não viola a constituição...”, contrapõe Nuno Garoupa. “Então se vamos falar dos limites constitucionais se os procuradores têm direito à greve que a façam”, responde Luís Aguiar-Conraria. ”Olha, o PS e o PSD que alterem a constituição para deixar num artigo bem claro que juízes e magistrados não podem fazer greve. Se quiserem que façam isso. Se os políticos não o fizerem, então os magistrados têm direito de fazer greve”, diz.

“Neste caso concreto os deputados estão a actuar em causa própria e estão a conduzir em causa própria num assunto em que se deve ter cuidado. Em que se deve ter cuidado. E os deputados também estão, desta forma, a entrar no poder judicial. Estão a usar o poder legislativo para influenciar o poder judicial. Isto também não é admissível”, observa Luís Aguiar-Conraria.

“Não vejo outra forma da sociedade conseguir combater este risco que não a revolta do Ministério Público. Portanto se forem para a greve com este motivo aplaudirei com todas as minhas mãos, são só duas, mas aplaudo com as duas”, remata o professor da Universidade do Minho.

Nuno Botelho: “Se calhar é por funcionar que se quer mexer!”

“Estou de acordo com Nuno Garoupa. É por essas e por outras que os partidos estão completamente desacreditados”, sublinha o jurista Nuno Botelho.

“O cidadão comum está em casa lê esta notícia, ouve o nosso debate... as pessoas nem sempre estão preparadas para tirar as ilações dessa maneira. A democracia também tem os seus defeitos e este é um deles”, indica o presidente da influente Associação Comercial do Porto.

“As pessoas em casa num primeiro momento irritam-se, enervam-se e indignam-se com a questão, mas depois, daqui a dois ou três meses esquecem-se do que se passou... Por outro lado, ao mesmo tempo, desacredita quem, como PS e PSD, discute assim estas matérias”, faz notar Nuno Botelho.

“Porque carga de água se vai mexer na composição do CSMP? Se está a funcionar? Essa é que é a questão: se calhar é por estar a funcionar que se está a mexer...É muito grave, isto não deve ser feito, independentemente de concordar que quem tem de decidir é a AR”, finaliza Nuno Botelho.

E... sim, vai ser mesmo a AR a decidir. As reuniões da comissão parlamentar que vai discutir a alteração do estatuto do MP são abertas já no próximo mês de Janeiro. Ao Expresso, António Ventinhas promete estar de vigia: “Não temos grande confiança, não, faço questão de estar sempre presente”.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • J. Montargil
    19 dez, 2018 Lisboa 12:52
    O R.Rio está a ser uma desilusão. O resto é inexistente ou pouca coisa. O Costa, os seus apaniguados, a geringonça e o PS estão na maior. Dão tangas a torto e a direito e ninguém lhes descobre a careca. A impunidade ronda, os políticos condenados, acusados ou que para lá caminham andam à rasca com medo mas ainda vão fazer propaganda às televisões. Daí estas tentativas de controlo administrativo. Calar quem está fora de controlo dos políticos profissionais e os questiona. Há um ou dois jornalistas e três ou quatro comentadores fora do baralho. Contam-se pelos dedos de uma mão.. O resto dos comentadores políticos e jornalistas estão enfeudados aos seus partidos e ideologias e não têm qualquer crédito no povo português. Aliás nem sabem que existem. Daí os ataques seguidos ao OBSERVADOR que é uma voz bem dissonante nos jornais e televisões. Admirem-se de aparecerem partidos novos dirigidos por desconhecidos e nada ligados aos aparelhos dos partidos existentes. Admirem-se, mas em Portugal vai acontecer o que é já comum na Europa: o aparecimento de políticos que não ligam a rótulos nem a categorias e que expressam a vontade das maiorias que até aqui não se pronunciavam e que não são politicamente correctos. As maiorias até aqui aguentavam e cara alegre mas essa atitude já deu o que tinha a dar. Vai haver mudanças.
  • Giovane
    18 dez, 2018 Beja 18:34
    A máfia do poder a querer controlar tudo e todos, seria a ditadura dos partidos.
  • Niromar Acácio
    18 dez, 2018 Porto 12:00
    Rui Rio é só mais um componente da conspiração anti-Passos, que já se vinha desenhando há anos. Em vez do discurso da denúncia da geringonça, da manobra de baixo nível e do engano de Costa , adoptaram uma atitude de colaboração. De partido de oposição o PSD passou a partido da pedincha, pondo-se na bicha para receber umas migalhas de Costa. O objectivo de Rio é substituir PC/BE, a troco de um lugarzinho de ministro. A geringonça subverteu o sistema, estamos em regime de partido único, que distribui umas benesses e uns empregos, à esquerda ou à direita, consoante as circunstâncias. O regime é o PS, o resto é conversa .....
  • Bentinhas
    17 dez, 2018 Lisboa 18:38
    "Juíza de instrução recusou suspensão provisória do processo pedida pelo MP para os três ex-secretários de Estado de António Costa. Consequência: todos deverão ser acusados pelo DIAP de Lisboa." Só por isto se vê o interesse dos Blocos de Centro-Esquerda em enfraquecer o MP... Já para não falar de Socras, Varas, Salgados e as respectivas famiglias !!!!
  • Tony Simples
    17 dez, 2018 Lisboa 17:53
    Aos corruptos do Bloco Central e do Bloco Esquerdista interessa sim, enfraquecer o MP para mais à vontade fazerem as suas manigâncias. As simple as that E os da direita fazem parte do coro de "anjos e arcanjos"...
  • Leão da Estrela
    17 dez, 2018 Lisboa 17:16
    Primeiro o Rio estende a mão ao aparelho socrático porque na Camara do Porto nunca gostou do MP, mas mais do que se demitir de fazer oposição ao fartar vilanagem na total falta de vergonha do governo, alinha completamente com ele, quer nos acordos vazios, quer na desvalorização de coisas gravíssimas que se vão multiplicando, Rui Rio só vai discutir taco a taco é o cargo de vice primeiro ministro com a Catarina Martins. Pacificado é coisa que o PSD não está nem podia estar. o PSD sempre foi um saco de gatos, quando o Passos estava no poder era um saco de leões, e o que Rio fez com os seus tiques ditatoriais foi tentar calar a oposição interna, inclusive a que estava legitimada nas urnas pelos portugueses, sem ser em carrinhas van à força, perseguiu, calou, ameaçou e até processou camaradas de partido ao mesmo tempo que desvalorizava as questiúnculas dos amorais que o rodeiam e que todos os dias se conhece melhor. Não pacificou coisa nenhuma, retirou o microfone no parlamento às vozes incómodas, nada mais. Veja o caso de Paula Teixeira da Cruz na justiça. Quanto a ser possível construir uma base de integridade no partido, obviamente que é possível, mas não promovendo trafulhas a seus lugar tenentes e desvalorizando as petit-trafulhices em que estão metidos. Aliás, lembro-lhe, que foi o próprio que afirmou que vinha dar um banho de ética. Vê-se! Aliado ao PS para mexer na independência do Ministério Público. Por isso é que Joana Marques Vidal não foi reconduzida.
  • Urgel Militão
    17 dez, 2018 Valadares 17:00
    A delação premiada é muito eficaz na condenação de políticos corruptos. Por isso é posta de lado pelos partidos do centrão, PS e PSD estão absolutamente de acordo.
  • Duarte Mortara
    17 dez, 2018 Cascais 16:26
    Espero bom senso , uma coisa é a autonomia nas decisões ,outra é uma república de juizes como é seu objetivo . Soberano só o povo. A ser como o Ventinhas propõe o MP passa a ser ingovernável. Já não falo apenas do aspecto financeiro. O MP é obviamente diferente dos magistrados judiciais e a regra tem que ser a mobilidade, não o contrário. A questão financeira e outra coisa. Não é bom para ninguém que um magistrado do mp, tal como os judiciais, fiquem toda uma carreira no mesmo sítio por comodismo. Todo o sistema tem a ganhar - tal como noutras carreiras -, que os FUNCIONÁRIOS ganhem diferentes experiências, diferentes saberes. Não esqueçam que no fim são delegados do Estado, funcionários, para fazerem investigaçoes. Só.
  • Hugo Restrepo
    17 dez, 2018 Lisboa 16:21
    A palavra do PR neste caso vale muito menos que nada. O PR enganou-se e enganou-nos em matéria constitucional , em que o legitimamente o supúnhamos um especialista particularmente autorizado. A alteração que alguns pretendem fazer quanto à composição do Conselho superior do MP NÃO implica nenhuma alteração da Constituição ao contrário do que despachadamente afirmou à comunicação social. E mais tarde, porque certamente lhe chamaram atenção para a "argolada", veio dizer o contrário, sem sequer pedir desculpa por ter induzido em erro todo o país...
  • José
    17 dez, 2018 Oeiras 15:03
    Os políticos querem ter o poder no Ministério Publico, é uma vergonha. Assim já estão mais à vontade para fazer as usa falcatruas e talvez tentar limpar os que estão a aguardar julgamento.

Destaques V+