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​Liberdade religiosa deteriorou-se. Cristãos são principais alvos

22 nov, 2018 - 10:50 • Ângela Roque

Novo relatório da Fundação AIS mostra que na Europa aumentou a islamofobia, o anti semitismo e a indiferença. Rússia e Quirguistão aparecem pela primeira vez referenciados.

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O mais recente relatório da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) analisa a situação da liberdade religiosa em 196 países, entre junho de 2016 e junho de 2018, e as conclusões são claras: nos últimos dois anos 75% das perseguições religiosas foram contra cristãos, e a situação dos grupos religiosos minoritários deteriorou-se em 18 dos 38 países onde há violações significativas da liberdade. Alguns são já referências habituais nos relatórios da instituição.

“Houve um declínio acentuado na China e na índia, mas na Coreia do Norte, Arábia Saudita, Iémen e Eritreia, a situação já era tão má que dificilmente poderia melhorar”, diz à Renascença Catarina Martins Bettencourt, responsável pela AIS em Portugal.

Uma das novidades do relatório é que a Rússia e o Quirguistão aparecem pela primeira vez na categoria ‘Discriminação’. “São países onde só se pode falar de religião se tiver a ver com o grupo maioritário, todas as outras religiões são perseguidas. Muitos dos missionários católicos foram obrigados a sair”, conta.

O documento alerta para a violação da liberdade religiosa em países com “regimes autoritários”, e para o “nacionalismo agressivo” que intimida de forma violenta e sistemática os grupos religiosos minoritários.

Dar mais atenção a África

Segundo o relatório da AIS, o sucesso das campanhas militares contra o auto proclamado Estado Islâmico está a esconder, de alguma forma, a propagação de outros movimentos islamitas militantes. Mas, a Europa e o Ocidente não podem continuar distraídos em relação aos novos extremismos que estão a surgir, nomeadamente no Médio Oriente e no continente africano.

“A Europa está tão preocupada com os seus próprios problemas internos que não liga a estas questões, mas se olharmos para o mapa de África vemos que está cheio de grupos radicais a atuar, com nomes diferentes mas que juraram fidelidade ao autoproclamado Estado Islâmico”, diz Catarina Martins Bettencourt, que dá exemplos. “Na República Centro Africana temos os rebeldes Seleka, de maioria muçulmana, que lutam contra as milícias anti-Balaka, maioritariamente cristãs. Vamos para a Nigéria e temos o Boko Haram, na Somália temos a milícia Al-Shabaab. E há quem diga que mesmo no norte de Moçambique, onde tem havido ataques, é um ramo desta milícia que está a atuar”, afirma.

Outro dado muito preocupante é o aumento do nível de violência contra as mulheres, sobretudo sexual. “A violação é uma das armas de guerra, porque a partir do momento em que uma mulher fica grávida de um muçulmano, os filhos são muçulmanos, é mais um membro para estes grupos radicais. As mulheres até podem tentar sair, mas nunca conseguem levar os filhos”, conta a responsável pela AIS em Portugal, explicando que “África é uma região que o relatório analisa até à exaustão, porque é um continente onde a pobreza, a corrupção, a fome e as doenças são ingredientes que ajudam a que estes grupos radicais se instalem”. E as perspetivas para o futuro não são animadoras. “Estes grupos vão continuar a atuar, sobretudo se continuarmos a assistir a esta indiferença do Ocidente”.

A Europa laica não quer que se fale de religião”

A liberdade religiosa “é um dos principais barómetros sobre os dias de hoje, e diz muito sobre o estado atual do mundo e sobre os avanços e recuos no desenvolvimento civilizacional da humanidade”, refere a AIS, que não entende, por isso, a “cortina de indiferença” por parte do Ocidente, que desvaloriza a perseguição religiosa que existe em muitos países. “Quando estamos a assinalar os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e a religião é um desses direitos, é um pouco assustador vermos que a liberdade religiosa ainda não está garantida em boa parte do mundo”, refere Catarina Martins Bettencourt, para quem é claro que “a Europa, laica, não quer que se fale de religião, e não olha para isto como um problema, ignora e desvaloriza o que acontece”.

“Aos olhos dos governos e da comunicação social ocidentais a liberdade religiosa está a cair nos rankings de prioridades dos direitos humanos, sendo eclipsada pelas questões de género, sexualidade e raça”, refere o relatório, que lamenta que a maioria dos governos europeus tenha falhado na assistência aos migrantes, alimentando a desconfiança em relação a quem chega. “A Europa quis apagar as suas raízes cristãs da Constituição, para não ferir suscetibilidades, mas quando apagamos as nossas raízes colocamos em causa a nossa própria sobrevivência”, acrescenta Catarina Martins.

Aumento da islamofobia e do anti semitismo

O relatório da AIS alerta, também, para o aumento dos ataques extremistas na Europa, causados pelo ódio religioso, e considera que a islamofobia no Ocidente também aumentou, em parte devido à crise migratória e dos refugiados. “Tem havido ataques em vários países da Europa, embora nem todos sejam notícia. Isto é preocupante, porque estamos a criar um continente onde cada vez mais se olha com desconfiança para o outro”, afirma.

Relativamente ao antissemitismo, nos dois anos que o relatório analisa “houve vários casos, em vários países da Europa, de ataques contra sinagogas, cemitérios judeus, ou contra as próprias pessoas quando foram ao supermercado que vende produtos específicos para os judeus”, o que prova que esta comunidade “está a ser de novo um alvo na Europa”, diz Catarina Martins, confirmando que a situação “já levou a que muitos judeus tenham deixado a Europa e emigrado para Israel, porque lá se sentem mais seguros”. Um dado que o relatório também sublinha nas suas conclusões.

Os bons exemplos da Síria e do Iraque

Catarina Martins Bettencourt diz que a única notícia “mais favorável” deste relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo é a que diz respeito à Síria e ao Iraque, onde a Fundação AIS está a apoiar as famílias cristãs, que fugiram da violência islâmica, a voltarem a casa.

“Há dois anos perpectivavamos que nesta região do mundo o cristianismo desaparecesse em cinco anos, mas a situação inverteu-se, as famílias estão a regressar, embora continuem a precisar de ajuda, porque está tudo destruído, não têm trabalho, estão ainda totalmente dependentes do que chega de fora”, conta. No caso do Iraque enfrentam, ainda, outras dificuldades, “como a lei que diz que se uma casa tiver sido ocupada por um muçulmano já não pode ser recuperada pelo cristão. Depois, todos têm escrito no bilhete de identidade qual é a sua religião, o que não facilita, por exemplo, quando procuram trabalho”.

As conclusões do relatório da Fundação AIS sobre Liberdade Religiosa são um alerta para a situação em que se encontram milhares de pessoas em todo o mundo vítimas da intolerância, fanatismo religioso e terrorismo, mas também da violência exercida por grupos radicais, atores estatais e regimes autoritários. O documento foi elaborado com base nos testemunhos de representantes da Igreja local, documentos oficiais, artigos de agências de notícias ou outros media especializados em assuntos religiosos, e também nas informações fornecidas por organizações de direitos humanos.

Depois da apresentação, em simultâneo, esta quinta-feira, nos 23 países onde a Fundação está representada, irá ser entregue ao Parlamento Europeu e às Nações Unidas, “para que as entidades oficiais, que são quem comanda os destinos do mundo, possam também ter nas suas mãos acesso a esta informação que é fundamental”, sublinha Catarina Martins Bettencourt. Em Portugal o documento vai também vai ser entregue no Parlamento e na Presidência da República.

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