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​Fechar mais cedo ou deixar como está? O mercado de verão é um braço-de-ferro, mas há mudanças à vista

31 ago, 2018 - 10:45 • Inês Braga Sampaio

Todos os anos, a janela de transferências de verão gera discussão. Em Portugal, o mercado encerra 27 dias depois do arranque da competição, o que leva muitos, nomeadamente os treinadores, a pedir que encerre mais cedo. Mas nem todos os agentes do futebol concordam e há, até, argumentos para que o mercado nunca feche. A quem interessa, afinal, que o prazo seja antecipado, que se mantenha ou que, simplesmente, deixe de existir?

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Adrien Silva ficou sem jogar durante a primeira metade da última época, devido a um atraso de segundos no processamento da sua transferência do Sporting para o Leicester City. Erro que custou ao internacional português o direito ao trabalho e que lhe complicou toda a temporada. Durante quase seis meses, o médio teve de se limitar a treinar ao lado dos novos companheiros e, mesmo depois de voltar, demorou a voltar ao ritmo certo.

O caso de Adrien, que foi o culminar de um acumular de situações límbicas verificadas ao longo dos anos, pode explicar-se com falta de organização e de pontualidade dos clubes envolvidos ou, até, com a intransigência desmesurada da FIFA, que não perdoou um atraso de meros segundos e pôs em risco a própria carreira do jogador. O presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, assinala, em entrevista à Renascença, que casos como o de Adrien acontecem, em última instância, pelo simples facto de haver, sequer, uma data limite para a janela de transferências, facto que considera ser “limitativo da liberdade de trabalho”.


Na ótica de Evangelista, as janelas nem deviam existir e as transferências deviam poder ser concretizadas durante o ano inteiro. “Para um jogador seria mais interessante poder estar a todo o tempo disponível para jogar futebol e não estar só disponível em dois períodos específicos. Esta é uma limitação que não existe em mais nenhum outro setor de atividade. Os jogadores de futebol são seres humanos e trabalhadores como os demais. O que seria normal é que estivessem durante todo o ano disponíveis para celebrar contratos de trabalho, como qualquer trabalhador”, afirma.

Todos os anos a janela de transferências de verão gera discussão e pedidos de antecipação prévios ao início da competição. Evangelista compreende que o futebol é uma atividade específica, conforme classificado pela União Europeia, e que tem necessidades díspares das demais, e que a carreira de um futebolista é de desgaste rápido e de curta duração. Encurtar a janela de transferências de verão não o chocaria. Argumenta, no entanto, que se o prazo fosse encurtado, como muito pode, outros viriam exigir o alargamento, “porque vão dizer que não tiveram tempo para se preparar”. Coisa que, de resto, aconteceu na Liga inglesa, cuja janela de verão fechou, este ano, a 9 de agosto, um dia antes do início do campeonato.

Independentemente de o prazo ser encurtado, mantido ou alargado, Evangelista lamenta que situações como a de Adrien possam continuar a acontecer simplesmente porque há um prazo. “Não podemos correr o risco de acontecerem fenómenos como o do Adrien, que por dois ou três segundos não se pôde inscrever. É legítimo que o Adrien não se possa inscrever por causa de uma regra estúpida, que é a que temos, e que veja colocado em causa o direito ao trabalho, o sustento pessoal e da sua família?”, questiona.

Simplificação de processos para evitar cambalhotas

Na opinião de Joaquim Ribeiro, empresário de jogadores como Antunes ou André Simões, a chave para evitar imbróglios como o de Adrien, ou negócios concluídos à última hora, está em agilizar o processo de transferências. O agente propõe uma espécie de plataforma que registe o acordo e permita reduzir o número de reviravoltas.

“Por exemplo, vamos a um hotel reunir com as partes todas. Pega-se num computador. Toda a gente clica ‘OK’ nas condições necessárias e toda a gente fica vinculada. Porque na prática um contrato é só a diferença de valores, uns bónus, uns detalhes de viagem e casas. A partir daí, ficava salvaguardado. Não quer dizer que seja a perfeição, mas em termos de ansiedade, para jogadores, agentes e clubes perde-se muito tempo quando há silêncio, à espera que outros clubes negoceiem. Isto é um bocadinho um póquer. Há muito ‘mastermind’. Quanto mais reduzido for o tempo, mais os processos vão ser acelerados e as transferências mais transparentes”, sugere, em declarações à Renascença.

Ribeiro aponta que, hoje em dia, os volte-faces nas ngociações são demasiado frequentes e prejudicam clubes, jogadores e agentes. Até os negócios concretizados à última hora podiam ser antecipados. O empresário dá o exemplo da transferência de Antunes do Paços de Ferreira para a Roma, finalizada a 31 de agosto, último dia de mercado e que, “se o sistema todo fosse mais simplificado, podia ter acontecido” mais cedo:

“Muitas vezes, os clubes demoram mais tempo. Outras vezes, são os jogadores, para criar ansiedade e conseguir melhores contratos. Vejo clubes a esperar até ao último dia para decidir por um jogador para ver se o jogador baixa não sei quanto no salário. E jogadores a esperar até à última para ver se surge alguma oportunidade de outro clube”.

Como dita a sabedoria popular, fazer hoje em vez de amanhã

Em Portugal, o mercado fecha a 31 de agosto. Os clubes portugueses estiveram sujeitos a perder jogadores, e contratá-los, por mais 20 dias, após o início da época, com a Supertaça.

Para Domingos Paciência, é tudo uma questão de organização. Isto é, como manda a vida académica — e tão fácil é esquecer —, começar a trabalhar com antecedência de modo a evitar as famosas “diretas”. Ou, no caso do mercado, negociações a contrarrelógio. “É uma questão de datas, de pôr as pessoas a trabalhar mais cedo, de conseguir tratar da vida e organizar mais cedo”, argumenta.

treinador é apologista da antecipação do prazo da janela de transferências para antes do início do campeonato, ora porque “há jogadores que acabam por jogar e sair passados uns dias”, ora porque há outros que chegam muito tarde e acabam por perder o comboio. No fundo, uma miríade de fatores que complicam o trabalho de um treinador.

“O problema é começarem as competições e ainda andar a mexer em plantéis. Às vezes, os ‘timings’ das contratações e as ofertas que se fazem deixam as equipas desfortalecidas, porque essas situações de última hora acabam por pôr a outra equipa a ir à procura [de jogadores] no último instante. Seria melhor ser estipulada uma data antes de as competições iniciarem, porque as coisas começariam a ser tratadas de outra forma. Depois, passa a ser uma questão de organização”, assinala.


“Não há motivos nenhuns para não aceitar”

Domingos, que até sugere que o mercado de inverno passe a decorrer em dezembro, em vez de janeiro, considera que as datas de fecho dos vários mercados devem ser todas ajustadas, por forma a não haver caça às “sobras” ou, mais uma vez, o desvirtuar de um plantel já fechado.

Sugestão que tem o aval de Joaquim Ribeiro, para quem “as regras deviam ser iguais para todos”.

O agente também concorda com a antecipação do fecho da janela de transferências de verão, porque “reduzir o prazo poderia fazer com que toda a gente se preocupasse em negociar mais rapidamente”. O mercado podia fechar a 31 de julho ou a 15 de agosto, ou até abrir mais cedo para fechar também mais cedo: “Antes de julho já se deveria poder contratar”. Vantagens e desvantagens existem para todas as soluções, menos para deixar tudo como está.

“Vê-se o campeonato a começar e continuar a haver transferências. Isto não beneficia o futebol e muito menos os clubes. Não há nenhuma vantagem. A partir do momento em que começa o dia do campeonato, já deveria estar tudo pronto, porque na pré-época já há tempo para verificar as lacunas que existem entre jogadores e, neste caso, nas transferências dos clubes”, lembra.

Em suma, Joaquim Ribeiro defende que só “quem é conservador vai querer deixar as coisas como estão”. Para o agente, deve-se “melhorar sempre” o sistema. Opinião partilhada por Domingos Paciência: “Acho que não há motivos nenhuns para não aceitar. É uma questão de as pessoas se adaptarem e mentalizarem-se de que as coisas têm de ser feitas a tempo e horas”.

A linha entre direitos e interesses é muito ténue

Joaquim Evangelista, que dá voz aos jogadores, sublinha que os clubes “não podem ter todos os direitos” e que os jogadores “não têm de se sujeitar a tudo”. Entre manter o prazo e diminuí-lo, não tem dúvidas: “Manter o prazo, com certeza. Tudo o que seja diminuir o prazo é pior para os jogadores. Se eu aumentar o período [de transferências], aumento as possibilidades de o jogador ser contratado durante aquele período”.


Evangelista preferia que nem se quer houvesse prazo, porém, entende que, “atendendo às especificidades desportivas” e numa procura de equilibrar os direitos dos jogadores com os interesses do futebol, a solução encontrada tenha sido um mercado de verão entre 1 de julho e 31 de agosto. “É com ela que temos de conviver. Isto não significa que as entidades competentes não estejam a refletir sobre a mesma e que não haja uma oportunidade de fazer melhor”, salienta.

Para as vozes que argumentam que isso tiraria toda a estabilidade às equipas, que prejudicaria os clubes mais pequenos, que provocaria um rombo no número de transferências concretizadas, que estragaria o futebol, entre outros argumentos que se possa arranjar, Joaquim Evangelista tem uma resposta. A Lei Bosman, instaurada em 1995, pelo Tribunal Europeu de Justiça, e que permitia que os jogadores de futebol nascidos em países da União Europeia tivessem os mesmos direitos de livre circulação laboral de qualquer outro cidadão comunitário, sem pagarem qualquer verba ao anterior clube empregador quando o seu contrato termina e assinam novo vínculo com outro emblema — o chamado “sair a custo zero”.

“Com o Acórdão Bosman, era o fim do mundo, o futebol ia acabar. Se não houvesse nenhuma limitação [ao período de transferências], acho que o mercado se ajustaria a essa circunstância. Sempre que se colocou um desafio ao futebol, os agentes desportivos souberam dar resposta. Eu não acredito que houvesse muitas alterações, porque qualquer clube quer ter um grupo de trabalho fechado. É como uma empresa. As empresas podem contratar e despedir a qualquer momento, mas a não ser que haja uma vicissitude, ninguém anda a despedir e a contratar a todo o momento. No futebol, isso seria normal, até porque, sendo um desporto coletivo, quanto mais estável a equipa for, mais sucesso ela terá. Não acredito que os clubes contratassem a toda a hora, porque isso poderia, até, pôr em causa a própria estabilidade competitiva. É uma regra desejável e, se dúvidas houvesse, estão aí todas as outras profissões para dar a garantia de que isso pode verificar-se”, atira Joaquim Evangelista.

Seja qual for a resposta, o interesse na mudança parece ser consensual. Com ou sem “caso Adrien”, a verdade é que a FIFPro, em conjunto com a UEFA, a FIFA e a União Europeia, estuda soluções para otimizar o mercado de transferências, nomeadamente a duração da janela de verão.

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  • António
    31 ago, 2018 porto 18:03
    Deveria ser normalizado para o continente europeu.

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