24 jan, 2018 - 19:47 • João Carlos Malta
Trump provou que frases fortes, misóginas, xenófobas, que desvalorizam os direitos humanos e que muitos consideram radicais já não são entraves para chegar ao poder. No Brasil há quem lhe siga as pisadas e carregue nas palavras. É o caso de Jair Messias Bolsonaro, que acabou de vencer as eleições presidenciais de Outubro.
Bolsonaro, ex-militar, deputado federal há 30 anos, é considerado pelos opositores uma mistura do Presidente norte-americano com o filipino, Rodrigo Duterte, conhecido por encorajar os cidadãos a matarem toxicodependentes.
A Renascença recorda várias ideias que Jair Bolsonaro foi adiantando ao longo dos anos. Algumas deveriam estar acompanhadas de uma bola vermelha no canto superior, mas isso era antes, quando o “establishment” ou o politicamente correcto norteavam a política e as relações sociais. Ora, é por ser contra esses valores que Bolsonaro ganha protagonismo, segundo analistas políticos brasileiros.
Bolsonaro e as mulheres:
Em Dezembro de 2014, atacou a deputada Maria do Rosário (PT): “Ela não merece ser estuprada porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu género. Jamais a estupraria.”
Numa palestra no Rio de Janeiro, fez um comentário misógino sobre a própria filha: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”
Bolsonaro e a ditadura:
“Não houve ditadura no Brasil. As pessoas tinham liberdade para ir e vir, ir para a Disneylândia, voltar sem problemas. A ditadura era para os bandidos, os vagabundos, então a lei era difícil para eles.”
“O erro da ditadura foi torturar e não matar.” A ditadura militar matou quase 500 pessoas.
“No período da ditadura, deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando Henrique.”
Bolsonaro e os direitos humanos:
“Direitos humanos esterco da vagabundagem”. Balsonaro enverga uma t-shirt nas redes sociais com esta mensagem.
Bolsonaro e os homossexuais:
“Se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.”
“O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, e já muda de comportamento.”
“Prefiro um filho morto que um filho gay.”
“Sou preconceituoso, com muito orgulho.”
Bolsonaro e a violência:
“O policial pode disparar, e se, por acaso, o criminoso morrer, paciência".
“Temos de acabar com a figura penal do excesso. Dar dois tiros ou 15 num marginal é a mesma coisa.”
Suavizar ou talvez não
Com 63 anos, e depois de quase três décadas como deputado, Jair Bolsonaro corre para o Palácio do Planalto e é o candidato com maiores intenções de voto para as presidenciais deste ano, logo a seguir a Lula da Silva, cuja candidatura está em risco.
Agora no Partido Social Liberal, o nono em que milita desde que deixou o exército e abraçou a política, Jair Bolsonaro começou a suavizar o discurso. Ou nem tanto.
Nas entrevistas que deu nos últimos meses, em que passou a ser visto como um candidato de peso às presidenciais, marcadas para Outubro, as frases “musculadas”, talvez um eufemismo, são perguntas obrigatórias a que Bolsonaro tenta dar um novo contexto.
Em Novembro do ano passado, numa entrevista no âmbito de uma conferência organizada pela revista Veja, o entrevistador recorda a Jair declarações em que diz que o que faltou à ditadura foi fuzilar 30 mil corruptos. Depois, Bolsonaro fez um comunicado em que garante que ninguém que o acompanha defende regimes totalitários. “Mudou de ideias?”, questionou o jornalista.
“Não nego o que falei, falei isso. Tudo é uma questão de momento. Se uma mãe diz que vai cortar a cabeça de um filho, não vai. Se o Kim Jong-un mandasse uma bomba H e só acertasse no Parlamento em Brasília, acha que alguém ia chorar aqui?”. Na plateia, o riso é generalizado.
Mas Bolsonaro prossegue a “limpeza”. “Como ser humano, temos momentos de chutar a barraca, o pau, tudo junto, e o que está lá dentro também. (….) Não vamos falar em arrependimento [sobre o que disse], mas teria um comportamento diferente”, explica.
Na mesma entrevista, quando o tema é a actuação da polícia, Bolsonaro volta à linha dura. “Qualquer problema que há, o policial vai para a cadeia. É um coitado, hoje em dia no Brasil. (…) Os policiais que matam têm de ser condecorados. Policial que não mata, não é policial”, defendeu.
Quando o tema é a homossexualidade, e a resposta que deu numa entrevista em 2011 (“Prefiro um filho morto que um filho gay”), explica que o que disse tem um contexto. Qual é?
Naquela época, conta Bolsonaro, deparou-se na Câmara de Deputados com o que chamou “kit gay” – na verdade, um manual contra a discriminação sexual para combater a homofobia.
“Não falaria isso hoje, mas valeu a pena para mostrar o que esses facínoras queriam levar para as escolas brasileiras. Mas defenderia isso para filmes hetero e gay. Estaria a abrir as portas para a pedofilia”, acrescentou.
Numa outra declaração pública, no final de 2017, garantiu que quer que todos, até os homossexuais, sejam felizes. “Mas não quero que isso seja aprendido na escola. O património dos pobres são os filhos, e eles querem os filhos a jogar a bola e não a brincar com bonecas.”
Em relação à tortura, que defendia, agora evita o termo. Prefere chamar-lhe “medidas enérgicas” que salvam “meninos capturados”.
Questionado se tudo o que defendeu no passado é uma “força de expressão”, ele responde: “Nós amadurecemos.”
O “performer” preferido dos jovens
Bolsonaro está em segundo lugar nas intenções de voto – segundo o Datafolha, reúne 16% das intenções de voto. À sua frente está o ex-presidente Luiz da Silva (PT), com 36%, e atrás, Marina Silva (Rede), com 14%.
Mas um fenómeno está a chamar a atenção dos cientistas políticos: 60% dos eleitores de Bolsonaro têm entre 16 e 34 anos e 30% têm menos de 24 anos.
A BBC Brasil escreve que esse sucesso nas faixas etárias mais jovens se deve ao facto de Bolsonaro ser um dos principais actores políticos nas redes sociais.
"Bolsonaro sabe muito bem utilizar as redes sociais, conhece a linguagem que viraliza, usa frases curtas de efeito apelativo, cria polémica, fala o que pensa. Ele é um ‘performer’", diz à BBC Brasil Esther Solano, especialista em ciências políticas e professora da Universidade Federal de São Paulo.
O mesmo artigo diz que os eleitores relativizam manifestações polémicas do deputado – argumentam que são tiradas do contexto – e que há perseguição por parte de movimentos de esquerda e de grupos feministas e LGBT. "Sou negro e não votaria em alguém racista", diz Gabriel àquela publicação.
Jair aproveita o grande descontentamento que os brasileiros têm com a classe política, apresentando-se como o “impoluto” que “não recebe propina” (suborno), defende o jornalista Fernando Dantas, do “Estadão”.
Mesmo com todas as polémicas que o envolvem e o discurso inflamado que se gera a partir das suas “frases fortes”, Bolsonaro garante: “Eu não prego ódio, eu sou paz e amor.”
[Notícia atualizada às 22h22 de 28 de outubro de 2018]