02 set, 2022 - 08:00 • Diogo Camilo
Desde 2003 que não morriam tantos portugueses no mês de agosto. No mês que terminou na quarta-feira, foram registados mais de 9.200 óbitos, fazendo deste o segundo mais mortal desde que há registo e apenas a quarta vez que a barreira de nove mil mortes é ultrapassada em agosto - três delas foram nos últimos cinco anos.
Segundo dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e da Pordata, esta é uma subida de 3% em relação à média pré-pandemia de 2009 e 2019, usada como referência. Desde 1980, o primeiro ano de calendário completo desde a criação do SNS, apenas o ano de 2003 registou mais mortes no mês de agosto, quando uma onda de calor foi responsável direta por mais de dois mil óbitos.
Ao contrário desse ano, o mês passado não registou qualquer “dia com excesso de mortalidade”, embora tenha ficado sempre acima da média de anos anteriores - uma tendência que vem desde o final do ano passado.
O último dia em que a mortalidade em Portugal ficou abaixo da média de anos anteriores, a chamada linha base que varia ao longo do ano, foi a 27 de outubro do ano passado. Nos últimos 365 dias, apenas 12 ficaram abaixo desta linha de referência.
Até agosto tinham sido registadas mais de 10 mil mortes em todos os meses do ano, com os meses de maio, junho e julho a registarem máximos absolutos este ano, o mês de abril a ser o 2.º mais mortal desde que há registo e março a ser o 3.º mais mortal.
No total, o SICO contabiliza até quarta-feira mais de 84 mil óbitos este ano, o que faz de 2022 o segundo ano com mais mortes registadas entre janeiro e agosto, apenas atrás das mais de 85 mil do ano passado.
No entanto, o ano de 2022 já contabiliza mais dias caracterizados como “dias de excesso de mortalidade” que todo o ano passado. Essa distinção é feita quando a mortalidade ultrapassa a linha de confiança, a partir da qual são identificados os picos de mortalidade.
Até ao momento, foram registados 106 dias com mortes acima do esperado, metade deles nos meses de maio, junho e julho, enquanto em 2021 foram registados apenas 104 dias de excesso de mortalidade.
Olhando para a mortalidade em excesso, Portugal registava até ao final de agosto mais de 8.600 óbitos a mais relativamente à média de mortes entre 2015 e 2019, o período de referência pré-pandemia, avançou à Renascença o matemático Carlos Antunes, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Destas quase nove mil mortes acima do esperado este ano, apenas cerca de 5.830 são explicadas pela covid-19. Isto deixa de lado quase três mil óbitos, o que significa que uma em cada três mortes em excesso este ano têm outras causas.
Olhando para a média de mortes já durante o período da Covid, entre 2017 e 2021, o número de mortes em excesso é ligeiramente inferior (cerca de 7.500 a 8 mil).
Na mesma altura do ano passado, Portugal tinha até ao final de agosto cerca de 13.700 mortes em excesso, mas os dias com óbitos acima do esperado aconteceram quase todos durante a vaga da covid-19 de janeiro e fevereiro.
Desta mortalidade, quase nove mil mortes eram explicadas pela Covid-19.
As ondas de calor dos últimos meses tiveram um grande impacto na mortalidade, com dois picos a destacarem-se: um deles entre 4 e 19 de junho e outro entre 3 de julho e 2 de agosto.
Segundo números avançados por Carlos Antunes, o calor teve impacto na ordem dos 377 óbitos em excesso, em termos médios, durante a primeira vaga de calor de junho, e de 620 acima do esperado na onda de calor de julho.
Juntando ambas as ondas de calor, são cerca de mil mortes em excesso, em alturas em que a Covid-19 já não tinha tanto impacto na mortalidade.
Os dias 14 e 15 de julho foram os dias com mais mortes este ano, 458 e 454 respetivamente, mas a Covid-19 só explica 41 destes óbitos.
Como hipótese para este aumento de mortalidade desde março, Carlos Antunes aponta que esta caiu sempre em períodos de restrições de mobilidade, como se verificou em janeiro deste ano e em janeiro do ano passado, e falou num possível “efeito de colheita” ao contrário.
“Com a abertura e libertação das medidas restritivas, primeiro em fevereiro, e depois em março e abril, houve maior exposição a agentes patogénicos que pode ter causado um aumento de morbilidade, que poderá ter levado a um aumento de mortalidade que não ocorreu em janeiro” , afirma, indicando que, se há um defeito de mortalidade em janeiro, haverá aumento de mortalidade nos meses seguintes.
O secretário de Estado adjunto e da Saúde e a Dire(...)
O matemático aponta ainda para um efeito do envelhecimento natural da população portuguesa, referindo que os picos de mortalidade observados traduzem-se no aumento de óbitos em maiores de 70 anos e não em toda a população e garantindo que a mortalidade está a avançar de maneira “normal e expectável”.
“Havendo mais indivíduos e com a taxa de mortalidade a permanecer constante, há mais mortalidade. Observa-se um aumento de mortalidade natural devido ao envelhecimento da população e a isto acresce uma doença, a covid-19, que também causa aumento da mortalidade, particularmente em indivíduos acima dos 70 anos”, acrescenta, traçando um cenário de que Portugal voltará a ter mais de 120 mil óbitos este ano, tal como já aconteceu em 2020 e 2021.
Este ano, em média, a Covid-19 contribui em média com 26 óbitos por dia, enquanto o envelhecimento da população contribuiu em média com mais 15 óbitos por dia este ano, em relação à média entre 2015 e 2019.
As duas causas contribuem assim com cerca de 40 óbitos a mais por dia, que se traduzem em quase 9 mil óbitos em excesso desde o início do ano.
Em 2020, por cada 100 óbitos por covid-19 eram registadas 67 mortes indiretamente associadas à pandemia por dia. No ano passado, essa relação passou a ser negativa e este ano o impacto indireto da covid-19 na mortalidade é quase zero.
“Se a taxa de mortalidade é estável e constante, algo que depende das condições de saúde públicas, dos cuidados médicos, do tipo de SNS que temos e do tipo de alimentação e atividade física, e a população está a aumentar, quer dizer que vai haver mais mortes.”
Para o matemático, a decisão do Governo de estudar o excesso de mortalidade nos últimos dois anos é um “alarmismo que não tem razão de ser”, servindo apenas para “responder à pressão pública e política” que faz com que a instituição “tenha que dar uma resposta quando não tem essa resposta”.
“Não há nenhuma razão para haver um estudo aprofundado deste aumento de mortalidade, porque ele está dentro daquilo que são os parâmetros de normalidade. Temos é de conhecer a realidade da população portuguesa”, indicando que o problema está relacionado com o aumento da população e o envelhecimento da população.
Paulo Jorge Nogueira, bioestatístico e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa que estuda a mortalidade em Portugal há mais de 20 anos, acredita que o envelhecimento está relacionado com o aumento na mortalidade, mas defende que é necessário estudar o fenómeno por detrás das mortes acima do esperado.
“No momento em que admitirmos que isto é uma consequência natural do envelhecimento, deixa de ser excesso de mortalidade. Os números têm aumentado, o envelhecimento tem a ver com o assunto, mas acredito que há qualquer coisa mais, é difícil definir o quê”, afirma.