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Efeméride

Quase morreu, faliu e venceu. A dinastia iniciada por Sir Frank Williams celebra 50 anos na Fórmula 1

12 jul, 2019 - 23:29 • João Pedro Barros

Sir Frank Williams, o mais carismático e resiliente chefe de equipa do desporto, é homenageado no Grande Prémio de Inglaterra, que se disputa este domingo, em Silverstone.

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O Grande Prémio de Inglaterra, cuja corrida se disputa este domingo, pelas 14h10, é sempre especial, quando mais não seja porque sete das 10 equipas têm a sua sede no país, a pátria da Fórmula 1. E é também essa proximidade que permite a Sir Frank Williams – tetraplégico desde um acidente de automóvel em 1986 – deslocar-se ao circuito de Silverstone e ser homenageado pelos seus 50 anos no desporto. É apenas mais um capítulo de uma longa história de persistência, contra todas as previsões.

“Honestamente, não penso muito nisso. Não posso dizer que adorei todos os momentos, porque houve períodos muito difíceis. Perdi a minha mulher, perdi pilotos. Mas a Fórmula 1 tem sido muito boa para mim. Sempre fui doido por velocidade, desde criança, costumava conduzir a fazer de conta que era piloto, esse género de disparates”, afirmou, numa declaração colocada no site da equipa.

Williams, de 77 anos, ainda é chefe de equipa na teoria, mas na prática a gestão está nas mãos da filha Claire, de 42 – uma passagem de testemunho que gerou ruturas na família. O mais antigo líder de uma equipa na Fórmula 1 tem cada vez mais dificuldades de locomoção e as suas aparições públicas são cada vez mais raras. A exceção nos últimos anos tem sido Silverstone, que fica a cerca de uma hora de carro da fábrica da equipa, em Grove, e a escuderia assinala a data com uma inscrição especial nos monolugares de George Russell e Robert Kubica.

Com tantas homenagens, talvez haja razões para alguns sorrisos no fim-de-semana, se bem que a hipótese de chegar sequer aos pontos, disponíveis a partir do 10.º lugar, seja uma miragem. A equipa que dominou a Fórmula 1 durante parte dos anos 1980 e 1990 arrasta-se agora na cauda do pelotão, mas isso não retira o brilho à história do mais carismático chefe da história do desporto, apenas comparável a Bernie Ecclestone (que depois se tornou patrão da Fórmula 1 durante quase 40 anos, até 2016) e Colin Chapman, da Lotus.

A Williams é ainda a terceira equipa da história da Fórmula 1 que participou em mais grandes prémios (707) e obteve mais vitórias (114), atrás de Ferrari e McLaren e à frente da grande dominadora da atualidade, a Mercedes (95 vitórias). Só que a última vitória ocorreu em 2012 e a penúltima em 2004.

Glória e tragédia

Se há algum fator motivacional a que a equipa se pode agarrar é à história do próprio Frank Williams. Oriundo de um meio modesto, a família fez das tripas coração para o colocar num colégio interno, onde a maior parte dos amigos eram abastados: entrou aos oito anos e só sairia aos 17. É o próprio que conta como ficou apaixonado por carros e por velocidade: o momento “H” foi quando o pai de um colega de escola lhe deu uma boleia num Jaguar XK150S e atingiu 160 quilómetros por hora.

Ainda tentou ser piloto, posição em que era absolutamente destemido, mas cedo percebeu que, para triunfar, teria de ter outra função e, já agora, arranjar financiamento. Para o conseguir, utilizava toda o tipo de estratagemas: no documentário “Williams” (realizado em 2017 por Morgan Matthews) conta-se, por exemplo, que investiu num negócio de compra e venda de automóveis. Em troca do carro antigo e de uma verba em dinheiro prometia aos proprietários o envio de um exemplar do mesmo modelo, mas novo. Porém, o que Frank Williams fazia era simplesmente desmontar e limpar o carro velho e devolvê-lo. Pode parecer difícil acreditar nesta história, mas diga-se que o filme foi apoiado pela própria família.

A figura mais forte do documentário é a mulher de Frank, Virginia Williams, que morreu em 2013, aos 66 anos. O seu livro, “A Different Kind of Life” (“Um outro tipo de vida”), publicado em 1991, é a base do argumento: Ginny, como era conhecida, conta que estava noiva de outro homem quando conheceu o futuro marido e que a atração foi arrebatadora.

Também relata traições, a incapacidade do parceiro em demonstrar emoções e o facto de quase terem passado fome para que o sonho de ter uma equipa na Fórmula 1 se concretizasse. Numa entrevista ao podcast “Beyond the Grid”, Claire Williams conta também que a mãe dava opinião sobre os pilotos a contratar e que terá vetado um em particular, que tinha passado a noite na casa dos Williams: “Não o podes escolher, Frank, ele deixou a cama feita. Que tipo de piloto de Fórmula 1 é que faz a cama?”.

A morte de Ginny não foi a primeira grande perda do patrão da Williams Racing. Em 1969, conseguiu pôr de pé a primeira encarnação da sua equipa, tendo como piloto o melhor amigo, o também inglês Piers Courage. Na quinta corrida da época de 1970, na Holanda, Courage sofreu um brutal acidente, que o matou aos 28 anos. O outro piloto que perdeu nos 50 anos de carreira foi Ayrton Senna, a 1 de maio de 1994, no fim de semana mais negro da história do desporto, em Imola. As consequências do acidente, nomeadamente os custos do processo judicial em Itália, são apontadas como uma das causas para o declínio posterior da equipa.


A primeira versão da equipa, a Frank Williams Racing Cars (1969–1975), nunca ganhou uma corrida na Fórmula 1 e, estrangulada pelas dívidas, viria a ser vendida ao milionário canadiano Walter Wolf, que manteve Frank na liderança técnica. Porém, a parceria durou pouco tempo: reza a lenda que um dia, em 1977, ao tentar entrar na fábrica, encontrou as fechaduras mudadas. Tinha sido despedido e entrou em depressão.

Finalmente o sucesso

Nada indicava que a nova equipa (batizada Williams Grand Prix Engineering Limited e erguida em parceria com o engenheiro – e também Sir – Patrick Head) fosse um projeto de sucesso. A verdade é que as ideias de Head se revelaram revolucionárias e, apesar da fábrica estar instalada num antigo armazém de carpetes, os resultados começaram a aparecer. A primeira vitória surgiu precisamente em Silverstone, em 1979, e os primeiros campeonatos, de pilotos (pelo australiano Alan Jones) e de construtores apareceram em 1980.

Tudo corria sobre rodas em meados dos anos 1980 e para trás ficavam os tempos em que Frank geria a equipa a partir de uma cabine telefónica, porque a linha na fábrica fora cortada por falta de pagamento. No entanto, o dia 8 de março de 1986 mudaria muita coisa: após um dia de testes no circuito francês de Paul Ricard, nos arredores de Marselha, despistou-se ao volante de um automóvel. Frank Williams assume que conduzia “como um louco” e que queria apanhar o último voo de volta a Inglaterra, onde pretendia correr uma meia-maratona no dia seguinte.

Uma fratura entre a quarta e a quinta vértebras cervicais deixaram-no paralisado do pescoço para baixo. A situação chegou a ser tão grave que os médicos franceses sugeriram que as máquinas fossem desligadas. Virginia Williams recusou e transferiu-o para Inglaterra, onde conseguiu recuperar. Em julho de 1986, mais uma vez em Silverstone, voltou ao comando da equipa. Mais de 33 anos depois do acidente, é considerado o tetraplégico com maior longevidade do mundo.

Entre 1980 e 1997, anos dos últimos títulos, a Williams ganhou nove títulos de construtores e sete de pilotos. A partir daí as coisas nunca mais foram as mesmas e, nos últimos anos, falou-se mesmo da hipótese da família Williams abdicar do controlo da equipa, mas Claire nega-o veementemente.

A verdade é que no dia em que isso acontecer, ou no dia da sua morte, termina uma era da Fórmula 1: o tempo em que privados conseguiam criar equipas vencedoras quase do nada, contando com pouco mais do que a atração pela velocidade e pela competição. O desporto é hoje dominado pelas grandes marcas e por grandes investimentos – não há fábrica de carpetes que possa hoje produzir campeões do mundo.

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