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China. Vendemos mais, mas compramos muito mais. No final ganha Pequim

03 dez, 2018 - 14:29 • João Carlos Malta

Começa amanhã a visita de Xi Jinping a Portugal, que continua a sair a perder na balança comercial com a China. Tendência está a agravar-se a cada ano.

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Nos últimos cinco anos, as exportações de Portugal para a China cresceram 28%, mas o grande salto ocorreu de 2013 para 2014. Desde aí o valor tem permanecido estável, a rondar os 840 milhões de anos de vendas por ano.

Em sentido contrário, as compras ao gigante do Oriente também não param de aumentar. Todos os anos a subida tem sido, em média, de mais de 200 milhões de euros. De 2013 a 2017, o aumento foi de 50% para um total global de mais de dois mil milhões de euros no ano passado.

Segundo os dados disponibilizados pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), que têm como fonte o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), é possível constatar que estas duas variáveis têm tido como resultado o aprofundamento do desequilíbrio da relação económica entre os dois países. Assim, se em 2013 o saldo comercial era negativo para Portugal em 713 milhões de euros, no ano passado já superava os 1200 milhões de euros.

É neste contexto que o Presidente chinês, Xi Jinping, começa a visita de dois dias a Portugal, entre terça e quarta-feira, a antecipar as celebrações do ano novo chinês, ano do porco, e o festejo dos 40 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

A visita do Presidente chinês foi anunciada em junho deste ano, quando o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a vinda de Xi Jinping como fruto da “capacidade de diálogo e de entendimento”.

Além de Marcelo, também António Costa tem encontro marcado com o líder chinês.

A delegação de Xi Jinping inclui Yang Jinping, membro do Gabinete Político do Comité Central do Partido Comunista Chinês, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Conselheiro de Estado, Wang Yi, e o presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o órgão máximo de planeamento económico do país, He Lifeng.

Os últimos dados conhecidos adensam ainda mais o cenário de desequilíbrio na relação entre as duas economias. As exportações, entre janeiro e setembro deste ano, caíram mais de 100 milhões de euros, para um total de 513 milhões de euros. Isto quer dizer que se contabilizou uma quebra de 17% nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado.

No entanto, os dados do INE demonstram que o número de empresas a vender para a China está a aumentar desde 2013. No final do ano passado, já 1.451 unidades tinham relações comerciais com aquele país, num total de mais 340 empresas em relação a 2013.

Investimento troikiano ainda germina

Noutra dimensão, o stock de investimento direto da China em Portugal era de 2.145 milhões de euros em dezembro de 2017, representando 1,8% do montante global do IDE (Investimento Direto do Exterior). Em setembro deste ano, atingiu-se o valor de 2.460 milhões de euros, num aumento de 17% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os últimos anos efetivaram a presença chinesa em Portugal, que resulta sobretudo do programa de assistência externa e da presença da troika em Portugal. A multiplicação de privatizações foi o gatilho deste fenómeno. Antes de 2013, essa presença era residual. Portugal não tem investimento direto na China.

Entre as operações mais sonantes feitas pelos chineses estão a aquisição de participações na EDP e na REN pelos grupos chineses China Three Gorges e State Grid, a aquisição pelo Grupo BEWG (Beijing Entreprises Water Group) da operação do Grupo francês Veolia no setor do tratamento de águas em Portugal, e da Fosun, que ganhou o processo de privatização de grande parte do capital relativo ao negócio segurador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e que tem ainda uma participação no Millenium BCP.

Por fim, destaque ainda para a aquisição do Banco Espírito Santo Internacional pela Haitong.

Ainda de mencionar, no quadro do relacionamento económico entre Portugal e a China no domínio do investimento, a abertura em 2013 de uma sucursal do Bank of China em Lisboa.

O que mais vendemos e o que mais compramos

Os veículos e material de transportes são reis no ranking de produtos exportados para a China em termos de valor, representando um terço do total de vendas. No top 3 estão os minerais e as pastas celulósicas e papel. Em sentido inverso, Portugal compra à China máquinas e aparelhos, metais comuns e matérias têxteis.

No final do ano passado, a China era o 11.º maior cliente das exportações portuguesas e era o 6.º maior fornecedor.

A China regista o segundo maior produto interno bruto (PIB) mundial, em termos nominais, a seguir aos Estados Unidos da América (EUA) e situa-se na primeira posição em número de habitantes. Segundo dados da Intelligence Unit da revista "The Economist", em 2016 a população era de 1.366 milhões de pessoas, sendo o PIB per capita de 7220 euros.

O PIB chinês deverá crescer 5,8% este ano, uma desaceleração em relação ao ano passado, em que a economia subiu 6,8%.

Portugal quer mais China

Na semana passada, a secretária de Estado de Turismo, Ana Mendes Godinho, deu voz ao desejo do Estado português de ter cada vez mais China na economia.

A governante disse que Portugal é, “cada vez mais, o lugar, o país, não só para visitar como para investir, para viver”, podendo servir também de "cobaia" para a entrada de mais chineses na Europa.

“Usem-nos como porta de entrada, como cobaias para testarem a forma de entrar na Europa”, pediu a responsável.

Neste contexto, vários analistas alertam para crescentes riscos políticos e económicos na China, à medida que o Partido Comunista reforça o domínio sobre a segunda maior economia mundial, 40 anos após ter aberto o país ao investimento privado.

Anomalia?

O modelo de capitalismo de Estado vigente na China, em que os setores-chave da economia são dominados pelas firmas estatais, alimenta riscos de um conflito com o Ocidente, alertaram no início de novembro dois conhecidos economistas chineses, citados pela agência Lusa.

O modelo chinês é para o Ocidente uma anomalia alarmante, e leva à discórdia com a China”, defendeu Zhang Weiying, professor da Universidade de Pequim, num discurso publicado no portal oficial da instituição, e entretanto apagado. “Aos olhos do Ocidente, o modelo chinês é incompatível com o comércio justo e a paz mundial, e não deve avançar triunfante.”

Pequim interdita o acesso de empresas estrangeiras a vários setores, enquanto nos últimos anos as firmas chinesas compraram empresas e ativos estratégicos em todo o mundo.

Desde a ascensão ao poder do atual Presidente chinês, Xi Jinping, em 2013, o Partido Comunista da China (PCC) reforçou o seu controlo sobre a sociedade civil, ensino e economia. Um plano de modernização designado “Made in China 2025” visa transformar as estatais do país em líderes globais em setores de alto valor agregado, como inteligência artificial, energia renovável, robótica e carros elétricos.

Dinny McMahon, autor do livro “China Great Wall of Debt” (“A Grande Muralha de Dívida da China”), alerta para os perigos económicos do modelo chinês, face à obsessão de Pequim em assegurar altas taxas de crescimento económico, consideradas essenciais para assegurar a estabilidade social, uma preocupação constante do partido único.

“Desde a crise financeira global [em 2008], o crescimento da economia chinesa tem assentado no investimento alimentado por dívida”, explica McMahon, que foi também correspondente do "Wall Street Journal" em Pequim, entre 2009 e 2015. Isto, acrescenta, resultou na criação de “63% do novo dinheiro a nível global” nos últimos dez anos.

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