WikiLeaks

Quem é Julian Assange, o homem que viveu sete anos numa embaixada depois de ter revelado segredos dos EUA?

11 abr, 2019 - 16:01 • Rui Barros

Poucos nomes conseguem ser tão controversos como de Julian Assange. Para uns, o australiano é um rosto da determinação pela liberdade de informação. Para outros, é só um homem em busca de fama que pôs em risco pessoas inocentes. Sete anos depois de ter entrado na embaixada equatoriana sob asilo político, o fundador do WikiLeaks foi preso esta quinta-feira.

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WikiLeaks. O nome do site tomou de assalto os noticiários de todo o mundo quando, em 2010, “alguém” publicou milhares de documentos militares sobre a guerra no Afeganistão e no Iraque, assim como 250 mil telegramas diplomáticos confidenciais que expunham o lado mais obscuro da “guerra ao terror” iniciada por George W. Bush.

Julian Assange detido no Reino Unido
Julian Assange detido no Reino Unido

Foi um dos maiores furos jornalísticos do início do século. Na retina, ficavam as imagens aéreas de soldados americanos a disparar sobre inocentes com recurso a aviões não-tripulados (drones) como se se tratasse de um jogo de computador, bem como o embaraço diplomático de ver revelados comentários e opiniões dos embaixadores dos EUA nos países para onde foram enviados, ou as técnicas usadas para justificar as duas guerras no pós-atentados de 11 de setembro de 2001.


“Alguém” tinha acedido aos maiores segredos dos Estados Unidos e ousado publicar tudo num site, para que todos pudessem ler. Esse alguém era Julian Assange, que com a ajuda de Chelsea Manning — à data Bradley Mannning — tinha publicado a informação no site que tanto incómodo começava a causar à administração norte-americana.

A figura era controversa. Para uns era um corajoso defensor da verdade. Para os mais críticos, era alguém irresponsável que buscava a luz da ribalta e que colocava em risco vidas de soldados inocentes, bem como de importantes informadores dos EUA no terreno, agora em potencial risco após verem as suas identidades reveladas.

Se esse facto já tornava Assange um homem polémico, o resto da história tornaria o caso ainda mais complexo. Meses depois de ter dado a cara publicamente como o homem por trás da WikiLeaks, o australiano era detido em solo britânico depois de a Suécia ter emitido um mandado de prisão internacional por denúncias de agressões sexuais feitas por duas mulheres do país. Uma falava em violação, a outra acusava-o de ter tentado abusar dela durante uma visita a Estocolmo em agosto de 2010, já depois das primeiras revelações incómodas da WikiLeaks.

Assange dizia que tinha sido consensual, que tudo não passava de uma tentativa dos Estados Unidos de o verem preso para assim conseguirem que fosse extraditado e julgado em território norte-americano. O fundador da organização de denunciantes alegava que não teria um julgamento justo, que seria condenado à morte caso a extradição se concretizasse.

Por isso, lutou, na Justiça britânica, para evitar a prisão a mando da Suécia. Mas a Justiça britânica não concordava e o fundador da WikiLeaks, enquanto recebia o apoio de milhares que o consideravam um herói da liberdade de expressão, perderia o último recurso no Supremo Tribunal em 2012. (Pelo caminho, falhou em comparecer em tribunal e pela ofensa enfrenta até 12 meses de prisão no Reino Unido.)

Equador, terra da liberdade

Julian Assange deveria, à luz da lei britânica, ter sido preso nesse ano, não tivesse o rosto da WikiLeaks contado com a ajuda diplomática do Equador e do então Presidente do país, Rafael Correa.

Perdida a última batalha legal em território britânico, Assange pediu asilo político e o Equador disse que sim. As regras eram “simples”: Assange estaria protegido dentro da embaixada, mas caso pusesse um pé fora, oficialmente em solo britânico, seria imediatamente preso.

Confinado à pequena embaixada equatoriana, o rosto da WikiLeaks mentêve-se ativo na defesa do que considerava ser o direito à liberdade de expressão e informação. Manteve o seu trabalho na WikiLeaks, saiu em defesa dos vários “whistleblowers” (denunciantes) que lhe seguiram os passos e alimentou até contas de Twitter e de Instagram dedicadas ao seu gato, que ironicamente de chamava “Embassy Cat” (o gato da embaixada, em português).

Para além do apoio popular - em especial dos movimentos cívicos mais ligados ao “hacktivismo” - Assange conseguia um importante apoio da ONU, em 2016. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, encarregada de verificar a implementação de tratados sobre direitos civis, determinava nesse ano que a Grã-Bretanha e a Suécia deveriam restaurar a liberdade ao australiano.

Mas os dois países ignoraram a ONU e, durante sete anos, Assange permaneceu fechado no edifício.

Processo arquivado, cidadania equatoriana… O que correu mal a Assange?

Com o passar do tempo, Assange tornou-se num daqueles conflitos diplomáticos que, acreditávamos, estaria adormecido até à sua morte.

Em 2017, as autoridades suecas arquivavam as acusações de abusos sexuais - mesmo que isso não significasse que ele fosse inocente, como lembrou a procuradora-geral sueca, Marianne Ny.

Um ano depois, o Equador anunciava que concederia cidadania ao rosto do WikiLeaks e pedia ao Reino Unido imunidade diplomática para Assange. O pedido foi recusado, e Julian manteve-se em clausura por mais um ano.

O que mudou então? O Presidente.

Em 2017, Lenín Moreno foi eleito Presidente do Equador, rompendo com a política de Rafael Correa, que oferecera asilo a Assange quando nenhum outro país o fez. Era o início de uma relação complicada.

Lenín acusava Assange de ser um hacker criminoso, reduziu o seu acesso à internet e disse-lhe que não fizesse declarações políticas. Em março deste ano, Lenín acusava Assange de ter divulgado informação pessoal sobre o Presidente equatoriano.

Do lado de lá da barricada, a WikiLeaks surgia a acusar Moreno de agir politicamente face aos chamados papéis INA, documentos a que a WikiLeaks teve acesso e que alegadamente comprovam o envolvimento do chefe de Estado num esquema de desvio de fundos para contas offshore em paraísos fiscais, de forma a ocultar rendimentos.

Kristinn Hrafnsson, atual diretora da WikiLeaks, falava inclusivamente, na véspera da detenção de Assange, de uma sofisticada operação de espionagem na embaixada. Alegadamente, vídeos, áudios, fotografias, cópias de documentos legais e até um relatório médico estariam prontos a ser publicados. A WikiLeaks terá pago 3 milhões de euros por essa informação.

Na manhã de quinta-feira, 11 de abril de 2019, Julian Assange saía finalmente da embaixada equatoriana. Debilitado, com barba longa, Assange foi arrastado pelas autoridades britânicas, depois de estas terem sido convidadas a entrar na embaixada do Equador em Londres, onde o australiano vivia sob proteção diplomática desde 2012.


Presente a um juiz britânico, Assange foi declarado culpado por não ter comparecido em tribunal em 2012. Por essa ofensa, Assange enfrenta uma pena de até 12 meses de prisão no Reino Unido.

Dos EUA, pouco se sabe, mas o juiz britânico ressalvou que o país tem de preparar um caso judicial contra Assange e fazer um pedido formal para a sua extradição no âmbito desse processo até 12 de junho.

Neste momento, Assange é acusado, nesse país, de “conspiração” com Chelsea Manning e de “ciberataques” ao Governo federal. Pela acusação de “ciberataques” enfrenta, de acordo com o Departamento de Justiça norte-americano, até 5 anos de prisão. Quanto à outra não se sabe. Entretanto, há fontes a garantirem que novas acusações vão surgir. Quais serão é a outra incógnita.

Na Suécia, o advogado de uma das queixosas já pediu que a investigação perliminar seja reaberta.

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