15 jan, 2025 - 17:44 • Inês Braga Sampaio
Os resultados da auditoria forense à gestão do FC Porto, divulgados esta quarta-feira, revelam um impacto negativo de cerca de 50 milhões de euros relativas a comissões pagas por transferências de jogadores.
Este valor corresponde ao "montante total das comissões acima dos referenciais FIFA e 'standard' de mercado", que é de 10% do valor da transação para entradas e saídas, e 3% do salário bruto para renovações.
Segundo a auditoria, que analisa o período entre as temporadas 2014/15 e 2023/24, o FC Porto contratou aproximadamente 47% de comissões em excesso: 155,8 milhões de euros (sem empréstimos e rescisões) em vez de 105,9 milhões. Cerca de 46% deste valor corresponde a saídas, 37% a entradas e 16% a renovações, mais 1% em empréstimos e rescisões.
"A FCP - SAD não dispunha de uma base de dados inteligível para os movimentos de transferências de jogadores no período 2014/2015 a 2023/24, desde modo, foi necessário reunir informação dispersa e desenvolver uma base de dados de movimentos de transferência que permitisse desenvolver a caracterização global. Consequentemente, a caracterização global encontra limitada pelo exercício de mapeamento de informação desenvolvido", pode ler-se no documento que o FC Porto disponibilizou aos sócios, no novo portal da transparência.
O documento revela que o processo de transferência de jogadores de futebol da equipa principal era "conduzido diretamente" pela administração em funções, "não existindo, na maioria das situações analisadas, documentação de suporte à realização da transação, em particular no que respeita ao racional para a decisão de transferir o passe desportivo e económico de determinado jogador".
No conjunto das dez épocas em análise, o montante total acordado com intermediários correspondeu a cerca de 157,966 milhões de euros. Registaram-se 161 movimentos, "sendo que 99 desses movimentos implicaram o acordo de pagamento de comissão pelo menos a um intermediário". No que respeita a movimentos de entrada e saída a "custo zero", as comissões associadas totalizaram 9,257 milhões de euros.
A auditoria conclui que em 61% dos movimentos de entrada de jogadores que envolveram o pagamento de uma comissão foi acordado um valor acima do 10% indicado pela FIFA.
"O montante total dessas transações representou 21.054.349 euros em 58.629.706 euros de comissões acordadas. Adicionalmente, verificou-se que em 27% dos movimentos de saída que envolveram o pagamento de uma comissão foi acordado um valor acima de 10% do valor da transação, o montante total dessas transações representou 17.374.008 euros em 72.034.760 euros", lê-se ainda.
O documento também dá conta da impossibilidade de verificação do destinatário de pagamento referente a comissões em 11 das transações identificadas, totalizando um valor de 1,995 milhões de euros, "pelo facto de a informação não se encontrar disposta no documento de suporte enviado" pela SAD.
Para 20 de uma amostra de 55 jogadores, as entidades intermediárias envolvidas na transação não se encontravam registadas como tal na Federação Portuguesa de Futebol, na época em que se realizou a transação.
Além disso, os agentes envolvidos em 45 negociações e renegociações (de 55 analisadas) receberam comissões superiores aos valores referenciais da FIFA. Para mais, havia pagamentos de comissões aos agentes estipulados contratualmente em incumprimento, à data de 31 de maio de 2024, para 23 jogadores.
À data de 17 de outubro de 2024, a FC Porto SAD "tem um valor total para pagamento a intermediários" de 45,73 milhões de euros, do referido total de 157,966 milhões.
Para dois dos 55 jogadores analisados, houve um pagamento de comissão não estipulado contratualmente.
Um dos casos destacados é o da aquisição de Éder Militão ao São Paulo, em 2019. Além da intermediação da BM Consulting e da Hi Talent, "existiu também a intervenção de Pedro Pinho, que não havia sido formalmente contratado para intermediar a transação". Adicionalmente, do total dos sete milhões de euros da compra do central brasileiro, quatro milhões foram para o São Paulo e três milhões para o intermediário Giuliano Bertolucci.
A auditoria também visa o "scouting" de jogadores.
"Dos relatórios de 'scouting' apresentados à FCP - SAD foram analisados um total de 122 jogadores, tendo apenas sido adquirido pela FCP-SAD um deles", refere o documento.
Da referida amostra de 55 jogadores, para 51 não havia evidência de elaboração de um relatório de scouting ou de monitorização do desempenho desportivo.
"Os contratos de 'scouting' revelam-se usualmente genéricos quanto às suas características e com valores bastante díspares de entidade para entidade, sem que o racional para essa diferença esteja documentado ou seja evidente, estando os mesmos desenquadrados das práticas de mercado. Adicionalmente, não obtivemos os relatórios de 'scouting' de suporte a atividade desenvolvida no âmbito dos contratos para 23 contratos e 16 entidades", revela o documento.
"Para os relatórios de suporte de atividade obtidos, verificámos que o número de relatórios são só é usualmente bastante inferior ao número indicado como sendo o mínimo exigível em contrato, como são constituídos por uma folha por jogador, com o historial do jogador e um pequeno enquadramento das suas características, não nos tendo sido disponibilizados outra documentação de análise do jogador, como vídeos de jogos ou notas de assistência de jogos específicos sobre a performance do jogador", lê-se ainda.
A auditoria forense destaca um conjunto de seis situações em que a SAD portista "adquiriu direitos económicos dos jogadores sem documentação de suporte ao racional de decisão" - tudo negócios com o Portimonense:
O documento também aponta falta de documentação de suporte que sustentasse o processo de decisão em renovações de contrato com encargos para a SAD em matéria de pagamento de comissões de intermediação. Um desses casos é o da renovação de Diogo Costa.
É destacado outro caso de falta de racional ao processo decisório. Em janeiro de 2023, foi elaborado um relatório por parte do departamento de "scouting" do FC Porto relativamente a um possível empréstimo do avançado brasileiro Kennyd, então pertencente ao Goiás, ao FC Porto.
"[Nesse relatório] foi concluído que não haveria interesse em avançar com o empréstimo do jogador e que, embora este evidenciasse algumas características apreciadas, não iria ser uma mais-valia, tendo em consideração as opções já presentes na equipa. Não obstante, foi tomada a decisão de adquirir temporariamente o jogador", pode ler-se.
O documento refere, adicionalmente, que se observou um contrato com um prestador de serviços de "scouting" pelo montante total de dois milhões de euros, correspondente ao período de uma época, "sem qualquer evidência do serviço prestado".
Ao todo, a auditoria forense às operações relativas a 55 jogadores nos últimos dez anos "revelou várias 'red flags', incluindo a ausência de documentação de suporte para decisões de transferências, comissões acima dos referenciais FIFA e pagamentos em incumprimento".
A auditoria ressalva que as conclusões retiradas desta análise "não configuram necessariamente uma prática irregular, na medida que se tratam de valores referência indicativos, mas ilustram práticas de gestão".