15 jul, 2020 - 23:35 • Inês Braga Sampaio
Não há campeão sem casos e o FC Porto não foi exceção. Porém, não houve polémica nem dificuldades que impedissem a equipa de Sérgio Conceição de festejar e se calhar, no final, o título até sabe melhor.
Após uma época em que o FC Porto perdeu tudo na reta final, era natural que houvesse tensão logo de início. Dito e feito: o verniz estalou entre as hostes portistas ainda antes de a temporada arrancar.
Na pré-época, Danilo Pereira abandonou mais cedo o estágio da equipa no Algarve. A versão oficial era que tinha sido "devidamente autorizado a tratar de assuntos pessoais". Contudo, horas depois, o "Record" avançava que Sérgio Conceição teria expulsado o médio do estágio. Isto devido a um desentendimento acalorado, durante o qual, ao que Bola Branca apurou, o treinador teria posto em causa a condição de capitão de Danilo, em frente a todo o grupo de trabalho e "staff" do hotel.
Contudo, entre desmentidos, lá seguiu o FC Porto rumo a nova época.
A segunda controvérsia da temporada portista aconteceu em novembro, com a infame festa dos internacionais colombianos e argentinos.
A 10 de novembro, Matheus Uribe confirmou que tinha feito uma festa em sua casa, a propósito do aniversário da mulher, de sexta-feira para sábado. Contudo, garantiu que tinha ido "descansar à meia-noite", em resposta à imprensa, que avançava que a festa teria terminado às 5h00.
"A minha esposa, amigos e família continuaram na festa que era no jardim da minha casa. Por essa razão os meios de comunicação social e as pessoas de fora dizem que estive até às 5 horas. O que é totalmente falso", assegurou o médio internacional colombiano, no Instagram.
A verdade, todavia, é que tanto Uribe como Saravia, Marchesín e Luis Díaz foram excluídos das opções de Sérgio Conceição por dois jogos - e a sua ausência não se sentiu, dado que o FC Porto venceu ambos.
Contudo, mais tarde ou mais cedo, os jogadores foram reintegrados.
A polémica seguinte surgiu pouco depois, em dezembro, para apimentar o Natal. Ao intervalo do empate (1-1) com a Belenenses SAD, foi visível um desentendimento entre Sérgio Conceição e Pedro Ribeiro.
Imagens difundidas pela SIC mostravam o treinador dos belenenses junto aos balneários do Jamor, em tom bastante exaltado, a acusar um "boi" de o ter agredido a soco. O ruído foi tal que o Conselho de Disciplina da Federação abriu inquérito ao incidente e a Liga e PSP solicitaram acesso às imagens do desentendimento entre os dois treinadores.
No entanto, apesar de admitir que houvera tensão, Sérgio Conceição desmentiu que tivesse agredido Pedro Ribeiro, o FC Porto apoiou o técnico e, no final de contas, nenhum dos treinadores mencionou uma agressão à PSP. O caso morreu e o campeonato seguiu em frente.
Em janeiro, quando o FC Porto já só via o título se usasse binóculos, uma derrota em Braga deixou os dragões a sete pontos do Benfica. No final do jogo, os adeptos mostraram lenços brancos a Sérgio Conceição.
A parte controversa do episódio, contudo, foi o que o treinador disse dias depois, em conferência de imprensa, sobre a insatisfação dos adeptos:
"Eu gosto de pressão, mas não faz parte comentar reação dos adeptos. Ganhando, batem palmas, perdendo, assobiam e mostram lenços. Uso os lenços para assoar ou limpar o suor da testa do meu trabalho aqui. Tenho respeito enorme pelos adeptos, não não condicionam o meu trabalho."
A contestação a Sérgio Conceição subiu ainda mais de tom após essas declarações e teve clímax na final da Taça da Liga. O FC Porto caiu nos descontos perante o Braga, por 1-0. No final do jogo, em declarações à Sport TV, Sérgio proferiu as palavras por que muitos esperavam:
"Temos de olhar para dentro. É preciso responsabilidade coletiva, a começar por mim. E não falo do grupo de trabalho, falo de toda a gente. É difícil trabalhar em determinadas condições. Primeiro ano muito difícil, sem reforços e sem dinheiro. No segundo ano, houve falta de verdade desportiva. No terceiro, falta de união dentro do clube. Fica difícil. Por isso, neste momento, o meu lugar está à disposição do presidente."
Quem diria que esse seria o ponto de viragem na época do FC Porto.
Em fevereiro, quando o FC Porto estava em recuperação e já via o título ao alcance, estalou um caso que viria a ter repercussão a nível mundial.
Aos 60 minutos do jogo no reduto do Vitória de Guimarães, Moussa Marega marcou o golo da vitória portista e virou-se para a bancada, batendo com a mão no braço, num gesto indicativo da sua cor de pele. Era resposta aos insultos e cânticos racistas que ouvia há minutos.
O caldo entornou por volta do minuto 70, quando o avançado maliano disse basta ao racismo. Visivelmente perturbado, Marega encaminhou-se para fora das quatro linhas e pediu para ser substituído. Os colegas e Sérgio Conceição tentaram demovê-lo, mas de nada valeu. O treinador dirigiu-se para as bancadas e disse: "É uma vergonha." Marega ainda levou um cartão amarelo, antes de sair de campo e não mais voltar.
Gerou-se uma onda de solidariedade por Marega - "Nós somos uma família, independentemente da nacionalidade, altura, cor do cabelo, cor da pele", disse Sérgio Conceição, logo após a partida - e de indignação contra os adeptos que tinham insultado o internacional pelo Mali.
Figuras do desporto mundial e inclusive adversários revoltaram-se perante o episódio. Até António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, ambos em duas ocasiões, falaram do "caso Marega". A reação foi tal que a Liga lançou uma campanha contra o racismo e discriminação.
A 12 de março, a Liga de Clubes suspendeu as competições profissionais por tempo indeterminado, devido à pandemia da Covid-19.
Durante a paragem, como Sérgio Conceição fez questão de realçar, nas redes sociais o FC Porto não deu férias aos jogadores, ao contrário do grande rival, o Benfica. O trabalho continuou em casa como dantes.
O que a pandemia adiou foi as eleições à presidência do FC Porto, em que Pinto da Costa teve, pela primeira vez desde 1982, ano em que chegou ao lugar que ocupa há 38, dois adversários: José Fernando Rio e Nuno Lobo.
Inicialmente agendadas para abril, as eleições foram adiadas para 6 e 7 de junho. Foram das concorridas de sempre, com 8.480 votos expressos, não obstante, o resultado foi o esperado: Pinto da Costa venceu com 68,65% dos votos e continuará a ser presidente do FC Porto até 2024.
O próximo episódio foi já após depois da paragem do campeonato por causa da pandemia do novo coronavírus - e a propósito dela.
Por altura da retoma, Sérgio Conceição confirmou apenas que Shoya Nakajima não estava a treinar com o grupo. Investigação revelou que o japonês tinha-se excluído dos trabalhos devido a um problema familiar.
Já no final de junho, contudo, o agente de Nakajima, Theodoro Fonseca, sublinhou, em entrevista à SIC Notícias, que a equipa técnica e a administração da SAD do FC Porto "nunca viraram as costas" ao avançado japonês e explicou o que se passara durante a paragem.
"Todos os funcionários de casa deles ficaram apreensivos e voltaram para o Japão. Tanto a cozinheira como o intérprete e a professora. Ele ficou sozinho em casa. Tem uma filha recém-nascida e a esposa dele precisa de cuidados especiais", esclareceu o empresário.
Theodoro Fonseca garantiu, também, que Nakajima queria voltar aos treinos do FC Porto, mas que estava perante "um problema delicado".
"Tem de fazer os testes à Covid-19, tem de ser aceite pelo grupo e pela a equipa técnica. Por mais vontade que tenha, agora vai ter de esperar. O Nakajima é um jogador fabuloso, é um fora de série, mas é um profissional e tem de entender o lado do clube. Todo o grupo tem de ser consultado, assim como a equipa técnica e a administração da SAD. O Nakajima não pode voltar sem ser aceite por todos", frisou o agente.
No início de julho, Nakajima voltou a treinar, ainda que à parte do grupo. Ainda não há desfecho para este episódio, mas certo é que o FC Porto acabou por não precisar do japonês para se sagrar campeão.
O último caso aconteceu já numa das últimas rondas do campeonato.
Para ser campeão logo à jornada 31, o FC Porto precisava de vencer em Tondela e esperar que o Benfica perdesse no terreno do Rio Ave. A primeira premissa complicou-se aos 77 minutos de jogo, quando a equipa de Sérgio Conceição vencia por 0-2. Manafá perdeu a bola em zona proibida e Uribe cometou grande penalidade. Na conversão, o Tondela não perdoou e o FC Porto entrou em modo nervosismo.
Porém, aos 90 minutos, Marega, que já tinha marcado um golo, ganhou um penálti que podia valer o 1-3 portista. Depois de o videoárbitro confirmar a falta, o maliano pegou na bola, pronto para cobrar, mas recebeu indicação do banco de que a responsabilidade cabia a Fábio Vieira. Zangado, Marega pontapeou a bola para fora do estádio, levou cartão amarelo, e não festejou o golo com os companheiros.
Após o apito final, o avançado não celebrou a vitória e saiu disparado para os balneários, sem participar na habitual roda do FC Porto.
No final da partida, contudo, Sérgio Conceição garantiu, em declarações à Sport TV, que estava "tudo resolvido". Minutos depois, o próprio Marega pediu desculpa, nas redes sociais. Frente ao Sporting, foi titular.
Não só foi titular, como marcou o golo que confirmou o título do FC Porto.