14 ago, 2024 - 12:45 • João Filipe Cruz
Aos 18 anos já é o melhor português de sempre na sua 'arte' e tem um diploma olímpico para mostrar numa vitrine de conquistas que tem espaço para muito mais. Gabriel Albuquerque ficou a 1,2 pontos do pódio na final do trampolim em Paris e, em entrevista a Bola Branca, não esconde a ambição de "fazer melhor" em Los Angeles 2028.
O ginasta superou o resultado de Nuno Merino – sexto em Atenas 2004 –, soltou um "já foste" ao antigo atleta depois do último exercício que rendeu o quinto lugar em França e, agora, já pensa em voltar à lona olímpica.
Nesta entrevista, Gabriel Albuquerque, nascido em Lisboa e residente em Loulé, fala do caminho depois do desporto e aborda ainda o tema dos apoios estatais aos atletas. O ginasta aponta para o "que leva sucesso" da China e pergunta "como seria" se os portugueses tivessem as mesmas condições.
Respirou fundo depois do último exercício. O que é que se sente nesse momento?
Naquele momento foi um misto de coisas. A série não correu como queria, então tive de fazer um esforço gigantesco para terminar a série e o respirar fundo foi como um ‘safei-me desta’. De qualquer forma, estava a sentir-me concretizado. Mesmo sem ter sido como queria, consegui acabar a série e estava simplesmente contente.
A medalha era um objetivo traçado, daí a desilusão?
Era… Nestes Jogos, a medalha era um objetivo realista, mas difícil. Dependia de como as outras pessoas se saíam. O quarto lugar era meio garantido. Sabia que era ‘na boa’, fazia. O terceiro, segundo e primeiro era mais difícil, mas realizável. Quando vi a série do chinês que ficou eu terceiro, senti que chegava àquela nota na boa, mas correu mal.
Foi o último a entrar para a lona, quer na meia-final, como na final. É mais difícil controlar a ansiedade ou é mais vantajoso, tendo em conta que pode ver o que os adversários fazem?
De certa forma sim, porque posso gerir e fazer uma série mais forte ou mais ‘fraquinha’, dependendo das notas dos outros. Mas há um tempo de espera gigantesco e é por isso que não gosto muito de ficar para último. Não consigo. Gosto muito mais de estar no meio.
Conseguem ver alguma coisa durante o exercício? Público, treinadores?
Não, não. Aquilo é tudo muito rápido e estou apenas focado no que tenho para fazer. Vou olhando para os pontos de referência que tenho. Normalmente, olha-se sempre para a lona. Ver onde caio, projetar-me outra vez, não vejo mais nada. Mais nada! Não há mais nada ao meu redor. Não há treinador, não há juiz, não há bancadas, nada.
Com este resultado, o Gabriel Albuquerque já é o melhor português de sempre nos trampolins nos Jogos Olímpicos. Passava pela cabeça este “título”?
Já tinha falado algumas vezes com o Miguel Merino e não sei o que me deu naquele momento. Saí, cumprimentei o meu treinador e, depois, cumprimentei o Merino e, na brincadeira, virei-me para ele e disse ‘já foste’. Eu queria as medalhas, mas sabia que já o tinha passado, de certeza. Era uma brincadeira.
Foi um bom prémio de consolação?
Sim, acho que é a expressão perfeita. O Merino até disse ‘graças a Deus, alguém consegue fazer isso’. Deu para brincar.
Jogos Olímpicos
Jovem terminou final do trampolim no quinto posto (...)
E tudo começou numa feira em Corroios…
Certo.
Com cordas?
Não, nos normais. Naqueles que eu salto. Tínhamos uma treinadora ao lado. Não ia acontecer nada.
Dedica algum tempo à música e escreve…
Sim, gosto de escrever.
Já há letra sobre a participação nos Jogos?
Não, não, não! Não consigo escrever sobre essas coisas. Utilizo mais metáforas, algo mais profundo. Vou um bocado mais pelo amor, pela vida, mais por aí.
Podia ser uma boa ideia escrever sobre Paris…
Mas não consigo, por causa do meu défice de atenção. É mesmo muito difícil. Escrever já é difícil. Escrever sobre uma coisa que passei é ainda mais difícil. Não consigo mesmo.
Mas está encontrado o caminho depois do trampolim?
Gostava, por acaso. Gostava de ter o meu caminho na música.
Nasceu em Lisboa, foi criado na margem sul e agora vive em Loulé. Porquê o Algarve?
O meu treinador recebeu uma proposta para ir para lá e convidou-nos para ir. Fomos por volta de 2018 e não podia estar mais contente com a decisão. É uma cidade bastante calma e adoro estar lá. É pacífico, tenho tudo perto.
Jogos Olímpicos
Português conquista diploma olímpico.
Voltando aos trampolins. Os Jogos de Los Angeles em 2028 já estão na cabeça?
Eu estou com a cabeça nas férias. Não digo o mesmo do meu treinador. Eu só salto, tudo o resto é com ele e, coitado, tem de levar com muita coisa. Eu só salto e quando não salto estou de férias. Só faço aquilo que gosto.
Mas depois deste resultado em Paris…
Sim, já estou a pensar. Digo que estou de férias, mas obviamente que um gajo já está com a ambição de ir outra vez. Fui para estes Jogos a querer sentir que queria estar lá outra vez e foi exatamente isso que senti. Senti que em Los Angeles quero fazer um resultado melhor e nos próximos ainda melhor.
Em altura de Jogos Olímpicos muito se fala de apoios do Estado aos atletas. Sente-se devidamente apoiado ou o que faltou para um pódio podia ter sido encurtado com outras condições?
É claro que faltam apoios. Também somos um país pequeno que não investe tanto no desporto como outros investem. Mas não posso dizer que os meus apoios são maus. Contento-me com aquilo que tenho. Claramente que podiam melhorar. Por exemplo, os chineses têm condições de treino perfeitas e é isso que os leva ao sucesso. Pergunto: se tivéssemos as condições que outros têm, o que acontecia connosco? Se já conseguimos medalhas e bons resultados com as condições que temos, imaginem se tivéssemos as deles. Mas não me posso queixar a 100% dos meus apoios, porque têm-me apoiado e não posso dizer nada sobre isso.