06 ago, 2024 - 10:35 • Hugo Tavares da Silva
Eric Moussambani só ia nadar quando conseguia um bilhete para a piscina de um dos hotéis de Malabo, a capital da Guiné Equatorial. Idealmente, isso acontecia três vezes por semana, mas durava apenas uma hora. O regime de treino do futuro nadador olímpico era humilde e insuficiente.
Ninguém o ajudava, não havia vivalma que fizesse o clique no cronómetro. Não havia um preparador físico para lhe cuidar do corpanzil, muito menos um especialista em biomecânica para estudar os movimentos que atentariam contra a teoria nas águas australianas.
Mas isso não o impediu de tentar fazer boa figura nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, para o qual foi convocado sem mínimos, no seguimento de um programa do Comité Olímpico Internacional que visava melhorar as condições da prática desportiva em países em vias de desenvolvimento.
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Moussambani, então com 22 anos, começou o tal regime de treino frouxo em janeiro. As piscinas no país tinham apenas 20 metros, muito longe dos 50 metros da piscina olímpica que o esperava no Sydney International Aquatic Center.
Depois de muitas braçadas e patadas na água do hotel, os Jogos chegaram finalmente, sem que nunca tivesse nadado os 100 metros para os quais havia sido chamado. O atleta guineense teve de esperar até 19 de setembro para competir nos 100 metros livres. As crónicas vincam o “livres”, pois o estilo de Moussambani era desengonçado, pouco consistente, a cabeça andava fora de água, não havia muita coordenação e a graciosidade pertencia à distância de um rumor.
O drama adensou-se quando os outros dois rivais da sua eliminatória, Kim Bare da Nigéria e Farkhoud Oripov do Tajiquistão, foram desclassificados por falsa partida. E assim Moussambani ficou sozinho numa piscina que mais parecia um oceano.
Depois de um início digno, os 50 metros finais da prova foram angustiantes. Moussambani precisou de 1:52.72 para chegar à meta. Numa viagem-relâmpago até Paris 2024, o chinês Pan Zhanle acabou de fixar o novo recorde do mundo dos 100 metros livres em 46.40 segundos.
As pessoas no pavilhão onde fazia calor e cheirava a cloro intensamente começaram a puxar por ele, berravam e animavam-no para chegar ao fim. A certa altura parecia estar a nadar no mesmo sítio. “Todas as palmas e aquelas vozes a fazer barulho ajudaram-me a acabar”, diria mais tarde.
Fintando a má fama ou o ridículo, escudado pelo espírito olímpico que o abraçava, Moussambani tornou-se num herói. Pouco depois, para além da atenção mediática, do amor das pessoas, recebeu também material de algumas marcas desportivas.
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“Fiquei muito orgulhoso”, diria ainda o nadador sobre o feito. “Foi um grande momento para mim e adorei quando o público aplaudiu. Senti-me como se tivesse ganho uma medalha.”
A vida prosseguiu longe do estrelato fugaz e sempre apetitoso. Segundo um artigo do “Sydney Morning Herald”, de 2020, Moussambani, com quatro filhos, ia ocupando o dia entre o escritório numa petrolífera e o treino de potenciais atletas olímpicos do seu país, num regime de 30 horas de treinos por semana. Muito longe das suas três horas semanais numa piscina de 20 metros num hotel de Malabo.