23 ago, 2024 - 13:00 • Hugo Tavares da Silva
Se fechar os olhos, Tatiana Pinto ainda ouve o burburinho, a música alta, os rugidos a cada aparição estelar. Mas nada tem a densidade do momento em que lhe disseram para esperar antes do túnel que desagua no relvado. É a fronteira entre o anonimato e aquela espécie de Hollywood que é o futebol. E lá lhe disseram para avançar.
“Foi como se o meu coração estivesse a saltar fora do meu peito”, confessa a Bola Branca, já refeita da viagem naquele foguetão onde o combustível são as emoções. “Estava super nervosa, foi uma sensação que nunca tinha experienciado. Tinha as pernas a tremer e tudo. Foi bom.”
Do picotado das colunas enormes saía a canção “Fly Away” de Tones and I. Uma música portuguesa esteve em cima da mesa, mas a nova jogadora do Atlético Madrid preferiu algo com uma batida diferente. Queria “energia e aura”, conta.
Tatiana Pinto, ex-futebolista do Brighton, foi apresentada na quarta-feira, no Metropolitano, ao lado de Luany, Gio Queiroz, Rosa Otermín, Fiamma Benítez, Synne Jensen e Lauren Leal. Mas também com os famosos Julián Álvarez, que chegou do Manchester City a troco de muitos sacos de dinheiro, Conor Gallagher, proveniente do Chelsea, e Robin Le Normand, acabadinho de chegar da Real Sociedad. Ou seja, um campeão do mundo pela Argentina e um campeão da Europa pela Espanha.
A jogadora portuguesa, de 30 anos e com 115 jogos pela seleção nacional, apreciou a forma como as peças do futebol feminino e masculino encaixaram. Afinal, eram apenas atletas à conversa, a bater bolas, a trocar experiências. “Foram super tranquilos, super humildes. Há jogadores que nem sequer estão no nível deles, mas a mania é tanta que não têm essa empatia”, explica. “Ao serem assim, empáticos e tranquilos, acho que não têm noção da força que nos podem dar com estes pequenos detalhes. Foram incríveis.”
Esta senhora de Oliveira do Bairro, Aveiro, confidencia ainda que Le Normand também estava a sentir o momento. “Sentou-se ao meu lado”, relata. “Ele estava super nervoso, a tremer por todos os lados. E eu perguntei: ‘Mas como é que tu estás assim se jogas nestes palcos todos os fins de semana?’ Ele respondeu: ‘Não me perguntes, mas isto é surreal’”, conta.
O central à disposição de Diego Simeone, nascido em França, ainda perguntou a Tatiana Pinto se a equipa feminina jogava ali, no Metropolitano. Hão de jogar uns jogos, sim, mas não é a casa delas, explicou-lhe. “Foi super gira a pergunta dele, foi super inocente. Demonstrou muito respeito, empatia.”
A certa altura na conversa com a Renascença, Pinto quer reforçar que se sente muito “agradecida” ao Atlético por ter incluído os reforços da equipa feminina no evento. “E por fazerem as coisas de forma diferente, só mostra e reforça o compromisso que o clube tem com a igualdade e o respeito. Estou muito feliz.”
Por isso mesmo quis absorver tudo. Desligou-se de tudo, telefones, etc. “Estava só ali a viver o momento. Tive a honra de ser apresentada num dos estádios mais icónicos da Europa, com mais de 30 mil pessoas. Todos os meus sonhos tornaram-se realidade, mostra realmente que tudo é possível.”
A portuguesa chega a Madrid depois de um ano no Brighton. Não foi uma época boa, nem para ela, nem para a equipa. Mas valeu pela experiência. “É mais uma, no meio de tantas. Sou uma pessoa e jogadora de desafios, de experiências, de sair da zona de conforto. Nada me assusta”, garante. Aprende-se sempre como futebolista e pessoa, lembra.
O Atlético recebe agora uma jogadora que, para além dos 30 anos de vida, leva dois naquele campeonato, enfiada na camisola do Levante. “Sinto-me como um peixinho na água”, ilumina-se. “Conheço bem a liga, conheço o ritmo, a intensidade, os adversários, conheço a jogadora espanhola e a sua qualidade, sei como se trabalha. Estar no Atlético Madrid é… [pausa de alguns segundos]... é um casamento perfeito]. E ri-se.
A nova camisola ‘17’ do Atléti, que só é o ‘17’ porque não pode ser o ‘11’, vai encontrar nos relvados futebolistas como Inês Pereira (Deportivo), Sofia Silva (Valência), Andreia Jacinto (Real Sociedad) e, claro, Kika (Barcelona). Será esta migração banal no futuro?
“É a busca da jogadora por mais competitividade, por melhores condições”, reflete. “A ambição vê-se muito nisso. Procuram bons contextos competitivos, onde possam crescer e evoluir. Onde possam ser testadas fim de semana atrás de fim de semana ao mais alto nível, sem grande espaço para errar. Só assim se cresce.”
Mudamos a agulha para Portugal, onde surge finalmente o FC Porto com uma equipa no futebol feminino. Pinto diz que este clube já devia ter aparecido há mais tempo, mas que “mais vale tarde do que nunca”. Será importante para o futebol nacional, garante. Vai chamar gente e insuflar a visibilidade. E o coração das meninas da região. “As miúdas sonhavam muito jogar no FC Porto, mas não era possível e deixaram isso de lado… Felizmente, já têm essa oportunidade. Fico contente.”
Depois de um estágio nos Estados Unidos, a preparação da nova temporada faz-se por Espanha. No dia 4 de setembro, o Atlético jogará a 1.ª eliminatória da Liga dos Campeões contra o Rosenborg. O campeonato começa uma semana depois, em casa, contra o Granada.