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Euro 2024

Crónica. Entre toques na bola, aqui se fala da vida de emigrante

29 jun, 2024 - 16:29 • Luís Aresta

Luís Aresta, enviado especial da Renascença ao Euro 2024, esteve com emigrantes em Dortmund e, entre conversas sobre futebol, a sensação de que estão bem na Alemanha.

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Não preciso de bater à porta. Quando chego ao restaurante típico “Carlos”, na Benninghofer Strasse, às portas de Dortmund, já uma pequena tertúlia está reunida cá fora (imagino que se tenha constado que a Renascença iria por ali passar). Curiosamente, a maioria são mulheres e o tema de conversa é a notícia do dia entre a comunidade portuguesa na Alemanha. “Lembro-me bem dele, de ser jogador do Sporting, um grande jogador e um grande homem” diz uma delas, apanhada por mim a comentar a morte de Manuel Fernandes, conhecida algumas horas antes.

Não foi o Euro2024 que trouxe esta portuguesa, reformada, até Dortmund. “Vim visitar as minhas filhas e as netas. Estou cá uma temporada e depois vou embora para Portugal “explica, antes de voltarmos por segundos ao futebol para me dizer que o “marido chorava quando o Benfica perdia”. A seu lado está Adriana, uma jovem radicada na Alemanha desde 2019. “Tirando estar longe do nosso país, é melhor, porque dá-nos mais estabilidade de vida, mais dinheiro, coisa que o nosso Portugal, infelizmente, hoje em dia, não nos dá”, diz-me sem hesitar.

Adriana tem dois filhos pequenos, ambos nascidos em Portugal. “O meu mais novo veio para cá tinha 6 meses” esclarece. Quando lhe pergunto se se sente bem acolhida em Dortmund, não hesita: “Sim, sim, nunca me faltou nada, portanto sinto-me muito bem. Já trabalhei aqui no restaurante e, volta e meia, venho fazer umas horas quando é preciso. Neste momento sou empregada de limpeza e é assim” remata.

E de futebol, como vamos? “Vamos otimamente, só esta última vez é que não”. O lamento assim tão pronto, leva-me a questioná-la se é benfiquista…ela sorri, admite que sim, mas o comentário não tem a ver com a má época dos encarnados treinados por Roger Schmidt. Tem sim a ver com a inesperada derrota de Portugal ante a Geórgia, no último jogo da fase de grupos. “Foi um bocadinho uma desilusão, jogámos bem, mas acho que o treinador não devia ter mexido tanto na equipa”, diz com ar desgostoso. E agora com a Eslovénia, como vai ser? “Espero que pelo menos 2-0 para irmos para a frente e conseguirmos ganhar o europeu”. “Vamos passar”, pega a seu lado a mãe, Isabel Cabrela.” A seleção é muito grande, não é só o Cristiano Ronaldo. Tudo bem que ele está a dar força, mas a seleção tem lá bons jogadores” dispara de pronto.

Está visto que aqui as conversas sobre o futebol estão longe de ser um exclusivo dos homens. “Agora é a seleção, mas antigamente, quando o meu pai era vivo…era um ferrenho benfiquista, tanto era que pôs o bichinho à filha e ao meu irmão também; e a gente a ver se põe aos nossos netos” diz entre sorrisos.

"Sempre com aquela saudade de Portugal"

A conversa segue entretida e por momentos volta à rotina do dia a dia. “Vim para cá em 2017, as coisas não correram muito bem porque tinha esta minha filha em Portugal; não estava bem e regressei juntamente com o meu marido. Em 2020 ela já cá estava, viemos de novo e agora tenho cá os meus cinco filhos”. E sente-se feliz na Alemanha? “Sim, sempre com aquela saudade do nosso Portugal, mas temos trabalho e uma vida estabilizada, graças a Deus, tanto eu como os meus filhos. E tenho cá o meu marido que está ali a trabalhar”.

A bola passa para Miguel, que tinha tirado o dia para meter mãos à massa e assentar tijoleiras à porta do restaurante Carlos. “Já cá tinha estado em 1990, depois estive na Bélgica, na França e agora estou por aqui e estou bem” diz este português para quem a emigração tem sido uma forma de vida. Contrariamente à esposa, Miguel é pouco dado a futebóis, embora sempre me vá dizendo que está “confiante” para o jogo com a Eslovénia e que ”Portugal vai ganhar”. A convicção á partilhada por Manuel Miranda, que também tirou parte do dia para se entregar ao pavimento exterior, antes de fazer aquilo de que mais gosta: “Os grelhados são comigo. Da brasa não me tiram, nem que me paguem” dir-me-ia mais tarde, enquanto eu já temperava a garganta com a cerveja de pressão que ele próprio tirou. “Para isto não tenho grande jeito, para grelha sim”, insiste.

Manuel Miranda é casado com Susana há 25 anos e são eles que fazem do “Carlos” um dos restaurantes mais frequentados desta zona de Dortmund não muito longe do Signal Iduna Park, onde joga o Borussia. Por estes dias, a casa está preparada para acolher os que gostam de associar um bom prato a um bom jogo de futebol. É dentro do restaurante e em torno do Europeu que a conversa prossegue.

“Desde o primeiro dia que estamos preparados para receber os amigos portugueses e para ele se sentirem bem a ver a bola, comer umas bifanas, beber umas boas cervejas e fazer aqui uma boa festa”. Falamos debaixo de um teto escuro – as paredes e tetos do Carlos são escuras, quase em jeito de pub, numa decoração que remete para temas relacionados com o mar. Do teto desprendem-se pequenos candeeiros e pequenas bandeiras de Portugal. Ao fundo da sala está a tela onde são projetados os jogos do Europeu, enquadrada por duas bandeiras nacionais – a de Portugal de um lado, a da Alemanha, do outro. “Estamos na Alemanha, temos de respeitar os de cá. Parecia mal termos a bandeira portuguesa e não termos a deles, estando na Alemanha” justifica Manuel Miranda.

Um presente para as bodas de prata

A sala principal do restaurante tem sido e será, até 14 de julho, uma bancada do Europeu, aberta a todos, sem exceção “´É tudo junto. Quando jogo a Alemanha, vêm alemães, vêm portugueses, quando joga a Turquia vêm turcos, vêm todos”. E jogadores do Dortmund, também por aqui aparecem? “Já estiveram aqui quase todos. Não sei o nome deles, já estiveram aqui muitos e o motorista do autocarro também vem cá jantar muitas vezes. Os jogadores vêm buscar comida para levar para casa. Não gostam muito de comer aqui porque as pessoas e os miúdos vêm pedir autógrafos. Acabam por vir um bocadinho disfarçados, encomendam a comida e levam”. É aqui que retomo com Manuel a conversa que vinha lá de fora, quando nos conhecemos à porta do restaurante: o Portugal – Eslovénia, dos oitavos de final do Europeu. “Claro que estou confiante” insiste. “Sou português e lá por se perder um jogo, por morrer uma andorinha, não acaba a Primavera. Estou convencido de que este ano vamos vencer até ao fim”.

São as pequenas vitórias do dia a dia que têm levado o casal Miranda manter-se na Alemanha. “Eu nasci cá, estou aqui há 48 anos” esclarece Susana. A idade surpreende-me, pela juventude que oculta e pela forma correta Susana pronuncia o português, após tantos anos fora de Portugal. “O meu pai obrigou-me a ir para a escola portuguesa e assim foi. Em casa só se falava o português, não se falava o alemão, se não caía…” esclarece enquanto gesticula com a mão direita.

Susana acompanha a gosto do marido pelo futebol, mas não ao ponto de abdicar do que a vida tem de bom. “Gosto, não digo que não, mas não deixo um bom bife para ir ver a bola. Isso não faço”. Só que, neste virar de junho para julho, o Euro2024 e a seleção portuguesa fazem acelerar os batimentos cardíacos. Susana não é exceção e há um motivo acrescido para que o coração bata mais forte neste dia 1, o dia do Portugal – Eslovénia.

“Fazemos 25 anos de casados este dia 1 e estamos confiantes que Portugal vai ganhar”. Esperemos que o presente das bodas de prata seja o desejado. À festa dos 25 anos do casamento do Manuel e da Susana juntam-se os três filhos do casal, os “três meninos” como ela diz. “Dois trabalham aqui connosco, outro é eletricista e quando é preciso vem ajudar. E é assim que vamos ficando por cá”.

Mais tarde, Manuel ainda me diria que já pensou comprar casa em Portugal para quando se reformar, que não quer trabalhar depois dos 60 anos e a pensão que alemã dá uma boa reforma. Mas não ao ponto de gastar 300 mil euros e levar o resto da vida a pagar ao banco. Manuel Miranda pensou bem e concluiu que fica mais barato comprar a casa em que vive aqui na Alemanha. Mais tarde, ficará para os filhos, porque, garante “esses não vão de certeza viver em Portugal”.

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