Rúben Amorim, a escolha de risco de Varandas entrou como rival e saiu como lenda

O treinador de 39 anos é o terceiro português a saltar diretamente da I Liga para um dos maiores clubes do mundo após José Mourinho e André Villas-Boas. Os 228 jogos de Rúben Amorim no Sporting contam muitas histórias e deixam cinco títulos em Alvalade.

01 nov, 2024 - 15:00 • Eduardo Soares da Silva



Amorim chegou a Alvalade em março de 2020 e ajudou a mudar o rumo do Sporting. Foto: André Kosters/Lusa
Amorim chegou a Alvalade em março de 2020 e ajudou a mudar o rumo do Sporting. Foto: André Kosters/Lusa

Entre épocas muito atrás dos rivais, contratações falhadas e um clube ainda em recuperação após o ataque na Academia, surgiu um improvável treinador benfiquista para fazer renascer o Sporting.

Rúben Amorim foi aposta pessoal (e arriscada) de Frederico Varandas, que contratou um treinador que tinha apenas um par de semanas na I Liga portuguesa.

Passaram quase cinco anos desde que o treinador trocou Braga para voltar a Lisboa. Entrou sem experiência, nem curso, e ruma agora a Inglaterra para cumprir o sonho de treinar na Premier League e logo num dos maiores clubes do mundo, o Manchester United.

Para trás ficam épocas repletas de títulos que ajudaram a reerguer o clube, também preenchidas de contratempos e frustrações. A Renascença resume a passagem de Amorim em oito momentos.


E se corre bem?

Desvalorizando o facto de ser um confesso adepto benfiquista e antigo jogador do rival, Rúben Amorim foi apresentado em Alvalade com a maior das expectativas, não tivesse implicado um investimento de 10 milhões de euros (que mais tarde viriam a ser 12) por um treinador com apenas nove jogos na I Liga portuguesa.

Ciente do risco, aceitou o convite para deixar o SC Braga e uma das frases fortes da apresentação tornou-se um mote no Sporting: "E se corre bem?"

"Falam-me do risco. Perguntam-se e se corre mal? Mas eu pergunto: E se corre bem? O facto de o Sporting precisar de uma nova vida. E se conseguirmos fazer isso? Talvez tenha escolhido o desafio mais difícil mas foi o que quis", disse.


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Rúben Amorim: "Falam muito do risco para o Sporting, para mim. Perguntam-me e se que corre mal? Eu faça a pergunta: e se corre bem?"

Derrota com o LASK Linz catapulta para o título, o primeiro em 19 anos

Amorim pegou na equipa na reta final temporada 2019/20 e, até à conquista da época seguinte, uma sequência de eventos negativos empurraram a equipa de Amorim para o sucesso no campeonato.

Recuando no tempo, Amorim estreou-se com impacto positivo e uma sequência de jogos sem perder. No entanto, uma má reta final de época ditou a queda para o quarto lugar. Perdeu no Dragão, jogo que confirmou o título do Porto, empatou com o Vitória de Setúbal e foi derrotado na Luz na última jornada.

Acabou ultrapassado pelo seu ex-clube, o SC Braga, o que ditou também a necessidade de disputar as pré-eliminatórias para chegar à Liga Europa. Por esse motivo, meses mais tarde, o Sporting viria a falhar o acesso à competição com uma pesada goleada contra os austríacos do LASK Linz, por 4-1, em Alvalade.

Amorim viria a classificar, mais tarde, como "talvez o pior dia" que viveu em Alvalade, mas, na realidade, pode ter sido uma bênção.


O primeiro título do Sporting, em 2021. Foto: António Cotrim/Lusa
O primeiro título do Sporting, em 2021. Foto: António Cotrim/Lusa
Festa foi feita fora de Alvalade, numa época marcada pela Covid-19.  Foto: Miguel A. Lopes/Lusa
Festa foi feita fora de Alvalade, numa época marcada pela Covid-19. Foto: Miguel A. Lopes/Lusa


Sem um calendário congestionado pelas provas europeias, o Sporting embalou para um campeonato praticamente perfeito - ainda que muitas vezes sem brilhantismo - e só perdeu um jogo, contra o Benfica, já depois de ter o título conquistado.

Um golo de Paulinho contra o Boavista, na 32.ª jornada, colocou o fim ao jejum. 19 anos depois, o Sporting era novamente campeão, numa época sem adeptos nas bancadas devido à pandemia. Amorim entrava na história do clube.

O melhor Porto da história da I Liga ultrapassa Sarabia e companhia

Os primeiros rumores de saída começaram a surgir logo depois do primeiro título. Amorim foi de um desconhecido no panorama internacional para um treinador que acabou com a razia de títulos do Sporting. E isso não passou despercebido.

Ficou e perdeu apenas o lateral Nuno Mendes. Reforçou o plantel com Manuel Ugarte, Ricardo Esgaio e Pablo Sarabia, incluído na saída do lateral para o PSG.

O espanhol viria mesmo a ser figura central da temporada: marcou 21 golos e 8 assistências em 45 jogos. A estes reforços, juntaram-se ainda Edwards e Slimani em janeiro, sendo que o argelino não iria sequer durar até ao fim da época por entrar em rutura com o treinador.

O Sporting venceu a Supertaça e a Taça da Liga, mas não conseguiu revalidar o campeonato porque encontrou pela frente um "super" FC Porto, que bateu o recorde de pontos da I Liga: 91 em 102 possíveis.


Passagem de uma época de Sarabia por Alvalade foi marcante.  Foto: Manuel De Almeida/Lusa
Passagem de uma época de Sarabia por Alvalade foi marcante. Foto: Manuel De Almeida/Lusa

A saída de Matheus Nunes e uma época de crise

Ao arrancar a terceira temporada, as esperanças renovavam-se novamente, mas o mercado não correu tão bem. Eram os primeiros indícios. Os leões perderam João Palhinha, Feddal e Sarabia e chegavam reforços como St. Juste, Morita e Francisco Trincão.

O Sporting empatou a primeira jornada em Braga e tudo começou a desmoronar com a transferência inesperada de Matheus Nunes. O internacional português "queria muito jogar na Premier League" e foi para o Wolverhampton nos últimos dias de mercado, contra a vontade de Amorim. Seguiram-se duas derrotas consecutivas que marcaram a toada para o que viria a ser a época.

Os leões perderam no Estádio do Dragão, por 3-0, e na jornada seguinte, na receção ao Desportivo de Chaves, por 2-0.

Até ao final da primeira volta, voltariam a ser derrotados no Bessa, em Arouca e nos Barreiros. Pelo meio, foram eliminados da Taça de Portugal, com estrondo, pelo Varzim - da terceira divisão - e perderam a final da Taça da Liga com o FC Porto.

Foi preciso chegar a segunda volta para o Sporting se endireitar, ainda que a reabertura do mercado tenha implicado a saída de Pedro Porro para o Tottenham.

Os leões viriam a acabar no quarto lugar, novamente atrás do SC Braga, falhando até o apuramento para a Liga dos Campeões. Pela primeira vez, o Sporting de Amorim não venceu troféus numa época.


Varzim, da terceira divisão, tombou o Sporting da Taça. Foto: Manuel Fernando Araujo/Lusa
Varzim, da terceira divisão, tombou o Sporting da Taça. Foto: Manuel Fernando Araujo/Lusa
Chaves foi uma de várias equipas a bater o Sporting na primeira metade da época 2022/23. Foto: José Sena Goulão/EPA
Chaves foi uma de várias equipas a bater o Sporting na primeira metade da época 2022/23. Foto: José Sena Goulão/EPA


Gyökeres e uma certeza: "Ou somos campeões ou vou embora"

2023/24 foi encarado como a época do tudo ou nada para Rúben Amorim, que retinha a confiança da direção leonina, apesar do mau desempenho da temporada anterior.

Desta vez, o mercado foi planeado cuidadosamente e não foram precisos muitos reforços: Viktor Gyökeres chegou do Coventry City, Morten Hjulmand do Lecce e Iván Fresneda do Valladolid. De saída apenas um titular: Manuel Ugarte para o PSG.

A transferencia do sueco arrastou-se durante algumas semanas, mas compensou cada cêntimo dos 23 milhões investidos. A ausência de um ponta de lança goleador foi tabu para Rúben Amorim na época anterior. Gyökeres resolveu esses problemas: 43 golos e ainda 14 assistências em 50 jogos disputados.

Ainda a recuperar do trauma do quarto lugar, em janeiro Amorim assumiu o risco total em relação ao seu futuro: "Obviamente que, se não ganharmos títulos, sairei pelo meu pé. Não por não conseguirmos ganhar, mas porque dois anos seguidos sem ganhar títulos não pode acontecer".


Um avião, meio dia em Londres e um pedido desculpas

Com o título encaminhado em abril - "já ganho" na cabeça do treinador - Rúben Amorim decidiu viajar para Inglaterra para se reunir com dirigentes do West Ham, numa altura em que era também associado à sucessão de Jurgen Klopp no Liverpool.

Uma fotogradia no aeroporto incendiou as redes sociais e Amorim esteve algumas horas em Londres a negociar com o clube da Premier League.

Sem acordo, retomou o trabalho e foi obrigado a pedir desculpas aos adeptos: "Obviamente que foi um erro a minha viagem, o timing foi completamente desajustado, não me pareceu na altura. Foi desajustado, ainda para mais quando sou tão exigente com os meus jogadores. Por muito menos já retirei jogadores do plantel. Foi uma falha minha, tenho de assumir e viver com isso".

O tema não caiu bem junto dos adeptos até porque Amorim tinha garantido aos adeptos, poucos dias antes, que não iria ter qualquer reunião com o Liverpool.

"Não houve entrevista muito menos acordo, a única coisa que queremos aqui todos é ser campeões pelo Sporting, nada vai mudar. Sou treinador do Sporting, não houve entrevista ou acordo com nenhum clube, não vai haver entrevistas ou acordos com o treinador do Sporting", afirmou.


Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

O título, a redenção e a promessa do bicampeonato

A poeira da polémica do avião assentou e o Sporting cumpriu o que lhe era esperado. Fechou as contas do título com relativa facilidade: salvou um empate no Estádio do Dragão e venceu os últimos três jogos do campeonato. Com muitos golos marcados e nenhum sofrido.

A festa no Marquês foi o culminar da redenção total de Rúben Amorim. Não saiu para o West Ham, pediu desculpa aos adeptos, deu-lhes o título e ainda prometeu outro.

Numa praça preenchida por um mar de adeptos sportinguistas desejosos de o ouvir, Amorim fez promessas que, agora, são usadas para o criticar: "Dizem que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver", disse, deixando cair o microfone no chão e levando os adeptos à loucura.

Depois da festa, o Sporting viria ainda a perder a única final da Taça de Portugal que disputou na era Rúben Amorim. Foi o único título que não conseguiu vencer nos leões.


Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

Início a roçar a perfeição e a saída tumultuosa

A nova temporada parecia ser a mais promissora desde que Amorim chegou ao cargo. Saíram alguns dos mais experientes como Paulinho, Coates e Adán, mas o Sporting conseguiu segurar, com sucesso, as principais figuras: Gyökeres ficou, Hjulmand ficou, Inácio ficou, Pote ficou.

De regresso à Champions e com um plantel apetrechado com o virtuosismo técnico do central Debast, a irreverencia de Maxi Araújo, a promoção de Quenda e um substituto à altura de Gyökeres em Conrad Harder, a época prometia.

O Sporting destruiu o FC Porto nos primeiros 30 minutos da Supertaça: Inácio abriu o marcador aos 6 minutos, Pedro Gonçalves dilatou vantagem aos 9 e até o menino Quenda marcou aos 24. Numa reviravolta que teve tanto de épico como de inesperado, o Porto virou o resultado e venceu no prolongamento, por 4-3.


A derrota doeu, mas não fez ferida profunda. Desde aí, o Sporting embalou para um pleno de vitórias no campeonato - vingando-se do FC Porto no caminho - e arrancou a Liga dos Campeões em grande destaque.

O que parecia uma história perfeita para o Sporting, com hipóteses realistas de um histórico bicampeonato, começou a desmoronar-se desde a última segunda-feira. O Manchester United demitiu Erik ten Hag e, desde aí, nunca mais nada foi o mesmo em Alcochete.

Do rumor à confirmação do interesse foram poucas horas e, em menos de uma semana, o Sporting perdeu o obreiro de muito do que construiu nos últimos cinco anos.

Tem, ainda, mais três páginas por escrever. Orientará a equipa nos jogos contra o Estrela da Amadora, defronta o futuro rival Manchester City na próxima terça-feira para a Liga dos Campeões e despede-se de Portugal no domingo seguinte, na casa de quem o lançou na I Liga: na Pedreira, contra o SC Braga.


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