02 dez, 2024 - 11:00 • Carlos Calaveiras
Domingos Castro é o novo presidente da Federação Portuguesa de Atletismo. O ex-atleta diz estar a trabalhar a um “ritmo louco” para ajudar a melhorar a modalidade, mas espera continuar a ter tempo para dar umas corridinhas.
A primeira vitória foi “reconquistar” Pedro Pichardo, o triplo saltador do Benfica, que já foi campeão olímpico, admitiu abandonar a modalidade depois de Paris 2024.
Nesta entrevista à Renascença, Domingos Castro deixa três apelos: um ao Governo (apostem no desporto, pela nossa saúde), outro aos jovens (estudem) e também ao FC Porto (para que volte a apostar na modalidade)..
Já esteve nos nacionais de corta-mato e logo em Guimarães, uma terra que lhe diz muito. Como correu o evento?
Foi o primeiro evento como presidente da federação e foi um misto de sucesso e emoção, na minha cidade natal, num estádio que nos homenageia com a pista Gémeos Castro. Foi um misto de tanta coisa boa que saímos de lá extremamente felizes.
Tomou posse há pouco mais de 15 dias, ainda pouco tempo para mudar alguma coisa?
Já mudámos algumas coisas. Por exemplo, a imagem da federação. Vai pouco a pouco, mas estamos a introduzir algumas dinâmicas.
Mas quais são as suas prioridades para o primeiro mandato até 2028?
Prioridade, prioridade é a Casa das Seleções, o mais rapidamente possível, estar construída. Depois, já estamos a implementar [a decisão] de as seleções irem completas para as competições e já estamos a sentir, sobretudo nos jovens, uma motivação muito grande por estarmos a dar-lhes a oportunidade de representarem Portugal com equipas completas. Por exemplo, em breve vai haver um meeting internacional de pista coberta onde vamos levar 40 jovens. E depois é organizarmos a federação ao nosso jeito.
Brevemente vai abrir o polo da federação no Porto. Estive em Coimbra a falar do Centro de Alto Rendimento dos jovens pré-universitários, 20, em que 15 e mais 5 do desporto adaptado vão viver, estudar e treinar em Coimbra, com todas as condições. Fui ao Algarve visitar o percurso do próximo Campeonato da Europa de Corta-Mato, que vai ser em Lagoa. Falta um ano, mas já estamos a trabalhar para que tudo corra bem nessa organização. São exemplos de que todos os dias temos novas situações e novidades. Estamos a trabalhar a um ritmo emocionante.
No espaço de menos de um ano, vamos ter várias competições internacionais. Campeonato da Europa de Pista Coberta, Campeonato do Mundo de ar livre, Campeonatos de corta-mato. Vamos ter seleções bem preparadas para conseguir resultados?
Aos atletas não pode faltar nada. Eles é que são os artistas da modalidade – os atletas e os treinadores, como é óbvio. A federação tudo vai fazer para lhes proporcionar as condições, e vamos, se possível, apoiar ainda mais. No momento certo, quando a federação precisar, esperamos que eles estejam disponíveis e motivados.
Falo por mim: quando eu representava a seleção era das maiores alegrias que tinha, foi das coisas mais fantásticas durante a minha carreira. E é isto que peço aos nossos atletas: sempre que vão à seleção, que sintam orgulho e que sintam motivação. Nós – Federação – vamos proporcionar todo o apoio que necessitam.
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Recentemente, a Renascença entrevistou Duarte Gomes, o novo recordista dos 10 mil metros, que deixou duas notas: por um lado, disse que é difícil reter talento no atletismo e, por outro, diz acreditar muito que esta nova geração de atletas vai voltar a conseguir os resultados que o país teve há 30 ou 40 anos. Que comentário lhe merecem estas ideias de um jovem de 23 anos?
Fico extremamente feliz por ouvir isso de um grande talento que é o Duarte Gomes. Quando ele diz isso, é muito bom para a modalidade e é bom para quem o ouve, é um incentivo muito grande. Nós temos de estar muito atentos aos jovens para não lhes faltar nada.
Eu sei que o atletismo de hoje é diferente do antigamente. Estou-me a referir sobretudo ao que eles ganham hoje nos clubes que não tem nada a ver com o passado. No nosso tempo, os clubes pagavam-nos muito dinheiro – é uma realidade – e hoje não é assim, mas, por isso, é que nós temos de estar atentos na transição de jovem para sénior. Temos de estar atentos e apoia-los a todos os níveis e, se possível, criarmos algumas bolsas para que os jovens não desmotivem e se sintam apoiados.
Aproveito para deixar um apelo aos jovens atletas: têm de estudar porque temos de pensar no dia de amanhã, no pós carreira porque há muitos que acabam a carreira, infelizmente, sem ganhar o suficiente para o futuro. Dou-lhe um exemplo: na Casa das Seleções vamos proporcionar a esses mesmos jovens, se quiserem, estudar, treinar e viverem lá. Será um grande incentivo para eles.
O desporto escolar devia ser uma prioridade no país. Como melhorar a ligação?
Infelizmente, é uma situação que já vem de há muitos anos. É pena. Nós temos jovens talentosos que têm dificuldades em conciliar os estudos com a modalidade que praticam e aí se vê a força de vontade que têm para conciliar, mas esse é um trabalho que a federação já está a fazer: vamos dar formação a alguns professores na área do atletismo e trazer jovens para a modalidade. Vamos fazer um investimento nessa área para cativar os jovens.
Como estamos de infraestruturas a nível nacional? Há pistas suficientes?
Pistas há bastantes, mas muitas delas estão desativadas ou estragadas e, por isso, estamos já a fazer um levantamento para que os atletas e os amantes do atletismo possam treinar porque há várias pistas que estão impróprias para consumo.
O certo é que cada vez há mais pessoas a correr…
A modalidade mais praticada em Portugal é a corrida. Agora, temos é que tentar filiar o máximo possível dessas pessoas. Repare: não chega a 24 mil atletas federados, mas nas principais maratonas de Lisboa e Porto aparecem 30/40 mil pessoas a correr. Nós temos de fazer esse trabalho de filiar o máximo possível desses atletas para que também cativem outros mais jovens.
Portugal tem alguns atletas naturalizados no atletismo, vários com grandes resultados. Que posição de princípio tem o novo presidente da Federação de Atletismo?
Não temos nada contra isso [naturalizações]. Temos de adaptar-nos à realidade. Se temos atletas em Portugal estrangeiros que conseguiram a sua naturalização, nós só temos de lhes proporcionar todas as condições – como aos outros – porque isto é o normal nos dias de hoje. Repare: não há nenhum país do mundo que não tenha atletas naturalizados.
Atletismo
Em entrevista à Renascença, Duarte Gomes, que diz (...)
Por falar em naturalizados, como está o "dossier Pichardo"? A seguir aos Jogos Olímpicos chegou a ponderar abandonar a competição.
A minha grande prioridade como presidente era o problema Pedro Pichardo. No dia a seguir [à tomada de posse] reuni com o Pedro Pichardo e seu pai. Foi das reuniões mais fantásticas que tive desde que sou presidente. E o Pedro Pichardo vai competir em Portugal e nos campeonatos em Portugal. Nós, federação, vamos proporcionar-lhe as condições para que ele possa competir em Portugal e vai competir por Portugal. Dissemos ao Pedro Pichardo ‘terás todas as condições que necessitares para te preparares bem para as grandes competições.
A novela Pedro Pichardo já passou. Agora, se me pergunta ‘como está a situação Pedro Pichardo com o Benfica?’, eu disponibilizei-me para o que ele necessitar com o Benfica, dadas as excelentes relações que tenho com o presidente do Benfica, Rui Costa, com o vice-presidente Fernando Tavares e a Ana Oliveira [diretora do atletismo e do Benfica Olímpico]. O Pedro é um atleta de altíssimo nível e é evidente que queremos um Pedro Pichardo em condições de trazer medalhas olímpicas, mundiais e europeias. Nós acreditamos que o Pedro Pichardo ainda nos vai surpreender.
Não está o atletismo nacional muito dependente de Sporting e Benfica? Não há necessidade de alargar a aposta?
Sem dúvida. Os grandes patrocinadores do atletismo português são o Sporting, o Benfica e o IPDJ. O Braga, na parte feminina, também investe muito, faz um investimento muito grande, mas sobretudo estes dois clubes, o Sporting e o Benfica, são os maiores investidores da modalidade. Imagine que um dia o Sporting e o Benfica dizem ‘acabou o atletismo’. Não sei o que seria da nossa modalidade, sobretudo a nível de grandes resultados, e por isso é que eu disse recentemente que nós precisamos muito que o FC Porto apareça com uma equipa muito forte e estou convicto que quando o FC Porto voltar aos tempos de antigamente com uma equipa forte no atletismo, isto vai ser muitíssimo bom para todos.
Mas também lhe digo: nós também temos outros clubes não ditos grande que fazem um trabalho de louvar e às vezes em dinheiro e com grandes dificuldades, mas apresentam equipas muitíssimo boas. A questão é que Sporting e Benfica têm – cada um deles – mais orçamento que os outros clubes todos.
Temos tido vários novos presidentes de federações que foram atletas olímpicos. Para além do Domingos Castro, também Cândido Barbosa, no Ciclismo, e Miguel Arrobas, na Natação. Esta nova vaga de ex-desportistas pode ajudar o desenvolvimento das respetivas modalidades?
Sem dúvida. E o futuro o dirá. Ex-atletas à frente de federações vão mudar muita coisa, vai mexer com os nossos jovens, os nossos mais velhos também e eu acredito que no futuro muitos mais vão aparecer.
Repare, sou presidente de uma federação e sei aquilo que um atleta precisa, a sensibilidade dele, as dificuldades, o que ele precisa para chegar ao patamar mais alto da modalidade – como eu cheguei – mas sei de onde vim e sei aquilo que lhe vou dizer para ele lá chegar e tenho a certeza absoluta que esses jovens me querem ouvir e ouvem-me com atenção porque olham para trás e dizem: ‘o Domingos Castro foi vice-campeão do mundo, esteve em quatro Jogos Olímpicos”, por isso, logo à partida, o seu presidente é um exemplo a todos os níveis para os jovens atletas, mesmo para os de alta competição.
Eleições foram disputadas este domingo. Havia mais(...)
Estamos em período pré-eleitoral no Comité Olímpico de Portugal. Há pelo menos quatro candidatos, a Federação de Atletismo já tem ou vai ter posição oficial?
Vou ser claro e transparente: nós vamos ouvir quem nos quer ouvir e só depois vamos decidir quem vamos apoiar, na certeza que o candidato que vamos apoiar é aquele que nós acharmos que será o melhor para a nossa modalidade, aquele que, depois de estar lá dentro, nos vai apoiar mais. Neste momento não tomamos partido por ninguém. Há quatro candidatos, provavelmente irá aparecer um quinto candidato e, por isso, só depois nos vamos pronunciar sobre quem é o nosso candidato.
Já o Governo, pela voz do primeiro-ministro Luís Montenegro, prometeu reforçar o apoio ao desporto olímpico. O que lhe parece que seria fundamental fazer?
Faço aqui um apelo a quem de direito do Governo: o exercício físico é a melhor coisa. Dou-lhe este exemplo: hoje já há empresas que estão a criar condições par os seus funcionários praticarem atividade física porque viram que rendem mais, faltam menos ao trabalho, não ficam doentes. Faço uma pergunta: se realmente isto é verdade, há milhares de pessoas que deixam de ir a médicos, aos hospitais, não gastam medicamentos, quem tem esta pasta não deve pensar que tem aqui uma forma de aliviar a carga do Governo e vamos investir no desporto para que cada vez mais as pessoas tenham mais saúde, se sintam melhor. Acho que era a altura de o Governo pensar um bocadinho nisso. Apelo a quem de direito que veja isto de forma séria.
Tem alguma posição sobre as sapatilhas de carbono e os seus benefícios para os atletas? É só uma evolução natural ou deveria haver alguma regulamentação especial?
Não tenho nada contra. Repare: isso é igual para todos, todos têm acesso a essas inovações. Se me permite, os prejudicados foram os atletas do antigamente – como eu – que não tivemos acesso a estas inovações. Os tempos que nós fizemos nesses anos hoje já estão muito longe. Estas novas tecnologias revolucionaram o atletismo.
Rebobinemos agora uns anos. O Domingos Castro foi atleta de elite. Conseguiu muitos e bons resultados. Há algum que destaque?
Falo-lhe de dois momentos: o ponto mais alto da minha carreira foi ser vice-campeão do mundo em Roma nos 5.000m e o momento que também foi alto, mas um bocadinho dramático, que foi o meu quarto lugar nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, quando eu, a dois metros da meta, estou em segundo lugar – a rever-me já a ajeitar a medalha de prata – e sou ultrapassado por dois atletas das duas Alemanhas. Também tenho títulos nacionais de várias disciplinas, mas destaco esses dois momentos que foram fantásticos.
Mas, se me permite, dir-lhe-ei que o momento mais desafiante da minha carreira desportiva é agora este que comecei como presidente da federação. Seria bom para a modalidade estar aqui os 12 anos, que é o máximo que posso estar. Se estiver é porque estamos a fazer um trabalho de excelência, mas isso serão os nossos associados a avaliar de quatro em quatro anos, mas sempre lhe digo que estou 100% dedicado à federação, muitas horas por dia, no terreno, e estamos a impor um ritmo muito intenso como impunhamos na corrida.
Hoje em dia, ainda dá umas corridinhas para matar saudades?
Tenho menos tempo, mas tenho corrido e não posso deixar de o fazer. Se deixar de fazer a minha corrida habitual não vou aguentar. A corridinha é fundamental, neste ritmo louco que estamos a impor, para me manter em forma, motivado, sobretudo a nível mental.