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Ciclismo

“Ganhar uma etapa marca sempre”. Um dia nos bastidores e num carro de apoio na Volta a Portugal

02 ago, 2024 - 19:50 • Eduardo Soares da Silva

A Renascença acompanhou a sétima etapa da Volta a Portugal no carro da Credibom-LA Alumínios, que se fez à estrada com o objetivo de vencer na chegada a Paredes. Como se lida com as emoções da etapa e como comunicam as equipas durante a histórica prova portuguesa?

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"Já ninguém se lembra do segundo no próximo ano". Um dia na Volta a Portugal
"Já ninguém se lembra do segundo no próximo ano". Um dia na Volta a Portugal

A menos de uma hora do arranque da sétima etapa da Volta a Portugal, a Credibom-LA Alumínios-Marcos Car faz uma última reunião e discute a possibilidade da fuga ser levada até ao fim. As opiniões diferem, mas o objetivo para o percurso de 160 quilómetros que vai ligar Felgueiras e Paredes está definido.

“Fazer quinto ou sexto é bom, fazer segundo também é fixe e as pessoas vão lembrar-se nesta Volta, mas para o ano já ninguém se recorda. Ganhar uma etapa marca sempre”, diz à equipa Hernâni Brôco, o diretor desportivo.

A previsão é de uma etapa rápida, com dois prémios de motanha de quarta categoria, um de terceira e apenas um de segunda categoria, já perto do final.

Os ciclistas arrancam em Felgueiras e seguem em direção ao Marco de Canaveses, passando pela Lixa. Segue-se um percurso junto ao Rio Douro antes da subida para Gandra. A etapa passa ainda por Lordelo e Baltar antes da meta em Paredes.

A Credibom ainda não conseguiu vencer nenhuma etapa nesta edição da Volta a Portugal, mas já somou alguns bons registos: Gonçalo Leaça foi sétimo na 4.ª etapa, Rodrigo Caixas décimo na 2.ª – que lhe permitiu subir ao pódio como o melhor português da jornada – e Luís Fernandes, o chefe de equipa, foi o 3.º classificado logo na primeira etapa, na chegada ao Observatório de Vila Nova.

“Ontem não foi o dia que desejávamos, mas há muita Volta pela frente e muita coisa pode acontecer. Vamos tentar entrar nos grupos com o Gonçalo Leaça, o Alexandre Montez, o Rodrigo Caixas e o Diogo Narciso. Sabemos que o Gonçalo está bem e a etapa enquadra-se perfeitamente nas características dele, podemos dar-lhe a mão. Se for às cabeçadas muito tempo, pode ser uma lotaria. É etapa para a fuga chegar, o terreno vai ser chato, esquerda e direita, sobe e desce”, alerta o diretor.

Hernâni lidera um grupo de sete ciclistas, mas já só sobram seis devido a uma desistência por queda no início da prova. Luís Fernandes é o chefe de fila e o mais experiente com 36 anos. Entra para a etapa às portas dos 10 melhores na classificação geral, mas à medida que o final da Volta se aproxima, a esperança reduz na luta pela camisola amarela.

“Um dos principais objetivos é vencermos uma etapa, ainda não conseguimos neste projeto e, por isso, queremos homens na fuga hoje”, revela Hernâni à Renascença.

Luís Fernandes é trepador e, por isso, não será uma etapa adequada às suas características. Ao seu lado está uma equipa de jovens ciclistas e podem ser eles a brilhar na etapa.

Gonçalo Leaça é um dos principais candidatos e alimenta a esperança por ter conseguido acompanhar a fuga na etapa da Guarda. E o diretor acha que a etapa vai ser decidida dessa forma.

No autocarro, os ciclistas ultimam preparativos. Passam protetor solar pelo corpo, carregam os géis energéticos, preparam os capacetes, colocam o dorsal e passam os olhos pelo telemóvel uma última vez. Minutos depois, subirão à bicicleta para a apresentação das equipas. Desse momento ao início da corrida serão outros 10 minutos.

Os mais novos ainda trocam gracejos e há tempo para algum convívio com adeptos. Luís entrega uma camisola a um jovem que sobe ao autocarro. A criança, que não terá mais de 10 anos, recebe um conselho: “Vai antes para o futebol”. Todos se riem no autocarro.

O chefe de equipa vai para a sua 111.ª etapa na Volta e muito da equipa circula em sua volta. É um dos que discorda com o seu diretor desportivo: “Acho que a fuga não vinga hoje, há muitos interesses nas bonificações. Pelo camisola amarela, a fuga chega. Acho que é uma oportunidade para os sprinters, e pode ser difícil chegar”.

Os minutos que antecedem o arranque da etapa ainda causam algum frio no estômago, mesmo a quem já está quase a despedir-se da modalidade. Afinal de contas, para Luís, a Volta a Portugal “é o expoente máximo” da sua carreira.

“Há sempre um bocado de nervosismo, mas já não me afeta muito. Perdi tempo ontem. Antigamente, ficava triste e custava-me a dormir. As pernas ontem não deram, os rivais foram mais fortes, há que dar a volta. Costuma-se dizer que depois de um dia mau vem um dia muito bom, e acho que hoje é um dia bom”, prevê.

O mote está dado e tudo conversado com os ciclistas. A Credibom-LA Aluminios vai para a estrada com a esperança de fazer o que nunca foi feito.

Hernâni Brôco entra para o carro de apoio que fará todo o percurso atrás do pelotão e os ciclistas arrancam para a meta de partida. No carro, há um rádio geral onde o comissário da prova comunica tudo o que se passa na prova. É dessa forma que os diretores das equipas estão a par do que vai acontecendo à sua frente.

“110 corredores alinharam à partida, não alinhou o dorsal número 6”, é a primeira indicação, repetida de seguida em inglês.

Primeiro, um arranque simbólico, para cumprimentar as centenas de curiosos que se reúnem junto à largada em Felgueiras e, cinco quilómetros depois, a partida real.

Assim que o pelotão passa a primeira meta volante, no Marco de Canaveses, ao quilómetro 31, o pelotão dispara a alta velocidade. Há várias tentativas de fuga, mas sem sucesso. O pelotão acompanha sempre e nenhuma das várias fugas consegue distanciar-se mais do que um minuto e nenhuma resiste mais do que 10 quilómetros.

Hernâni tem ainda um rádio interno. É por lá que fala com os ciclistas. Mas apenas o essencial, para não massacrar com indicações. Tem à sua frente uma lista com todos os atletas em prova. É um carro bem equipado e adaptado à modalidade: várias bicicletas de reserva, águas, bebidas energéticas, géis e rodas suplentes.

No banco de trás vai o mecânico, que é chamado à ação num primeiro momento de tensão vivido da etapa. No rádio, o comissário avisa: “Queda, crash”.

Seguem-se a lista das equipas com ciclistas envolvidos. A Credibom é uma delas. O carro acelera para a frente da fila dos carros. Trava a fundo e sai o mecânico em busca de ajudar o ciclista caído. No carro, há um suspense enquanto não é conhecido quem caiu e quais os estragos.

Hernâni arranca novamente e passa por um grupo de alguns ciclistas caídos, onde já não está ninguém da Credibom. O mecânico volta a entrar no carro e diz que foi Alexandre Montez, mas arrancou logo depois da queda. Um alívio inicial.

Minuto depois, o carro vai entregar águas a Montez, que hoje está a trabalhar para os colegas. Explica que foi ele que causou a queda: "Caí na valeta”. Mostra-se quase incrédulo por não se ter magoado, para lá de uns arranhões na testa. “É o que dá quando tens queda para isto”, brinca o diretor.

O grupo ficou para trás e é um primeiro sinal de como a etapa se vai desenrolar. O pelotão vai-se desmontando, não pela frente com fugas, mas por trás: muitos ciclistas não conseguem acompanhar uma etapa feita a quase 45 quilómetros por hora.

Nas três horas de etapa, Hernâni Brôco tem de conduzir, ouvir o comissário, decidir a estratégia, comunicar com o resto da equipa e dos ciclistas. Coordenar uma máquina que envolve quase quase 20 pessoas.

"Ser ciclista é mais fácil, mas eles não acreditam. Quando somos jovens, os pais dizem-nos que a melhor vida é quando estamos a estudar e dizemos que não, queremos ter carro, casar, sair de casa. E quando lá chegamos... chegam as responsabilidades", compara o diretor, também ex-ciclista.

À medida que a etapa vai caminhando para o final, Hernâni pega no rádio e fala aos atletas: “Leaça, faz uma boa chegada, há poucos sprinters. Eles vão ter de gastar tudo para encostar na frente”. Nenhuma fuga vai conseguir vingar e a previsão inicial de Luís Fernandes era a que estava correta. Será um fim “ao sprint”.

Nesta fase, Gonçalo Leaça vai em sexto lugar, na frente do pelotão. O grupo entra novamente em Paredes e o percurso entrará num corredor estreito em direção à meta. Quem se posicionou melhor terá mais hipóteses de vencer, porque há pouco espaço para ultrapassagens.

Os carros não vão até ao fim do percurso e a transmissão da RTP tem atraso quando acompanhada pelo telefone. Não se sabe quem venceu, mas Hernâni percebe que não foi um dos seus.

A vitória foi para Francisco Peñuela, da Radio Popular-Paredes-Boavista. Venceu “em casa”. Ainda não foi hoje que chegou a vitória na etapa e o grafismo oficial mostra que ninguém da Credibom ficou sequer nos dez primeiros.

O carro trava junto ao autocarro, já posicionado no estacionamento. Hernâni liga a televisão para acompanhar a classificação oficiosa. Luís Fernandes foi 14.º e Gonçalo Leaça 25.º.

Aos poucos, os atletas vão chegando ao autocarro. Conversam sobre a etapa, rolam na bicicleta para começar a recuperação ativa.

Luís Fernandes vai para o gelo: “Isto nem custa, a etapa custa mais. Preferia estar aqui duas horas do que ter feito a etapa. Hoje foi a um ritmo muito elevado, acho que um carro nestas curvas todas e com semáforos não faria tão rápido”.

Hernâni troca impressões com o restante staff e os primeiros ciclistas que chegam. É hora de tirar conclusões.

“Não nos conseguimos impor no ‘sprint’. Achei que a fuga pudesse chegar, é raro dois dias seguidos a alta velocidade, mas aconteceu. Queríamos ter acabado um pouco mais na frente, mas o Luís subiu na geral, vamos continuar a tentar”, termina.

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