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Jogos Olímpicos

Ledecky é a maior de todos os tempos na água, mas a história não vai ficar por aqui

03 ago, 2024 - 07:30 • Hugo Tavares da Silva

Detém 13 medalhas olímpicas (está a cinco de Latynina, a antiga ginasta que pode igualar com nove ouros) e os recordes do mundo em 800m e 1.500m livres da natação feminina, onde começou a brilhar com 15 anos, nos Jogos de Londres, em 2012.

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Não é a tarefa mais hercúlea esboçar uma lista com os nomes que detêm os 20 melhores tempos de sempre em 1.500 metros livres da natação feminina.

Aqui vai: Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky, Katie Ledecky e Katie Ledecky.

Entre a primeira e a última marcam distam sensivelmente 18 segundos. Não é surpreendente, até porque dizem que ela podia muito bem transformar-se num relógio suíço, certinho e consistente como as coisas mais certinhas e consistentes que andam por aí.

A última vez que esta senhora, nascida há 27 anos em Washington DC (e criada em Bethesda), perdeu uma corrida de 1.500 metros livres foi há 14 anos, num evento regional em Maryland, pode ler-se neste texto do “New York Times”, que até falou com a nadadora que nesse dia lhe roubou o protagonismo. Na verdade, Kaitlin Pawlowicz não se lembra de muita coisa.

Testemunhar Katie Ledecky a nadar os 1.500 metros leva-nos para as profundezas do desconhecido. Como é que o corpo sofre? Em que estará ela a pensar? Quão angustiante é nadar sozinha durante tanto tempo? E sem grande concorrência, já agora, para espicaçar o seu lado mais cru, o tal que sempre têm os maiores competidores.

A distância com que venceu o ouro nesta distância, na quarta-feira, em Paris, foi assombrosa. Foram pouco mais de 10 segundos para a francesa Anastasiia Kirpichnikova. A prestação da norte-americana ainda garantiu um novo recorde olímpico (15:30.02), que é apenas o seu oitavo melhor tempo.

Apesar de tudo o que dizem os livros e os arquivos ainda por ganhar pó, Ledecky admitiu que antes dessa prova a mente foi invadida por “dúvidas”. Talvez seja isso que faz com que os seus braços e as suas pernas funcionem graciosamente como mágicos ponteiros do relógio.

Na capital parisiense, Ledecky transformou-se na primeira nadadora a conquistar o ouro em quatro edições dos Jogos Olímpicos.

Mas conseguiu mais: depois da prata na estafeta 200x4 livres na quarta-feira, Ledecky tornou-se a atleta norte-americana com mais medalhas olímpicas, nem falemos de outras competições. São já oito de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Ou seja, superou as 12 medalhas de Jenny Thompson, Dara Torres e Natalie Coughlin. "É especial compartilhar isso com elas”, admitiu nas últimas horas.

Com homens ao barulho, apenas Michael Phelps, o homem que parece um projeto de arquitetura perfeito para a natação e que anda a vibrar com Léon Marchand, tem mais medalhas em Jogos Olímpicos do que Ledecky, que voltou a falar no tema quente que assombra estes JO (o alegado doping de atletas chineses). À volta do pescoço do mítico nadador, beijando-lhe o peito, choveram e tilintaram por ali 23 medalhas de ouro (28 medalhas no total).

A seguir surgem Mark Spitz, com nove de ouro (11 no total), e Carl Lewis, que fez em 1984 o que ninguém fazia desde Jesse Owens em Berlim 1936 – ganhar em quatro modalidades do atletismo –, com nove de ouro (10 no total).

Ledecky está entre gigantes. Com 13 medalhas olímpicas no bolso, quem sabe a nadadora tenha no horizonte o recorde dos recordes dos Jogos Olímpicos de Verão de Larisa Latynina, a ginasta com 18 medalhas, nove de ouro (ambos são recordes no desporto feminino). Abrindo a conversa para os Jogos de Inverno, a esquiadora Marit Bjørgen tem 15 histórias da mesma natureza para contar.

A atleta que se mistura com a água cheia de cloro começou a nadar com apenas seis anos, na liga onde o irmão mais velho competia. A maior influência para o desporto chegou-lhe da mãe, que também nadou na Universidade do Novo México. Numa entrevista recente, ao “NYT”, falou sobre essa primeira prova. Parou 10 vezes ao longo da linha, ora para limpar os óculos, ora para limpar o nariz ou até para ficar a olhar à volta. Ver os outros a ultrapassarem-na acendeu-lhe um fogo qualquer por dentro. E ela lá foi, até que acabou em segundo.

Quando o pai lhe perguntou como tinha corrido, ela respondeu “great” (bem). Quando o pai lhe perguntou se ela tinha tentado só acabar a prova, ela respondeu “just trying hard” (tentei arduamente), desarmando o pai certamente, que se lembrava perfeitamente das 10 paragens. É esse um dos lemas que a mantêm vigilante e foi assim, segundo a própria, na preparação para Paris 2024, com essas seis palavras. Great. Hard. Just trying to finish.

A grandeza de alguém ganha sempre outra relevância quando palavras grandes saem das gargantas dos pares. Em declarações ao “New York Times”, a nadadora que ficou em quinto lugar nos trials lembrou uma história que remonta a 2020. Aurora Roghair lembra-se bem de como se sentia, nervosa e excitada ao mesmo tempo, afinal teria na sua eliminatória Katie Ledecky. A Katie Ledecky.

Ainda antes dos 1.100 metros, a maior nadadora de todos os tempos deu-lhe uma volta de avanço. “Não sabia que isso era possível”, admitiu Roghair àquele jornal. “Mas foi OK, foi a Katie Ledecky.” Nesse dia, Ledecky fez o quinto melhor tempo em 1.500m livres da história.

Seguem-se os 800 metros livres na piscina da Arena La Defénse para esta atleta que treina em Gainesville, Flórida, com Anhony Nesty desde 2021. É outra das especialidades de Ledecky, é tricampeã olímpica e autora dos últimos cinco recordes na categoria, o último nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, quando completou os 800 metros livres em 8:04.79. Do primeiro para o último, entre agosto de 2013 e agosto de 2016, baixou nove segundos.

A final que vai permitir a Ledecky alcançar as 14 medalhas olímpicas e igualar os nove ouros de Latynina está agendada para sábado, a partir das 20h28 (Portugal Continental). Pela frente terá Erika Fairweather, Isabel Gose, a ameaçadora Ariarne Titmus, a compatriota Paige Madden, Simona Quadarella e a atleta da casa Anastasiia Kirpichnikova.

O Olimpo é cada vez mais a sua casa. E vai surpreender cerca de zero pessoas que esta mulher, que estudou Psicologia e Ciência Política, nade mais uma vez como quem tem asas aquáticas e suba outra vez a mais um pódio.

Seja qual for o desfecho desta última corrida, Ledecky já admitiu que quer correr em Los Angeles, em 2026. Afinal, tem estado consistente e a sentir-se bem. “Isso pode mudar”, alertou, até porque não planeou nada para a sua vida para depois das olimpíadas.

“Não me sinto perto de estar acabada no desporto ainda…”

Suspiram as águas das piscinas do mundo e os que esperam todas as noites por aquelas três pancadas que inauguram mais um evento de natação.

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